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Indígenas no poder: com Lula, conquistaram um ministério e também a direção da Funai e a Secretaria Especial da Saúde Indígena

Os indígenas nunca desistiram de lutar e agora colhem os frutos de sua persistência e confiança num ‘futuro ancestral’. De Lula, ainda candidato à presidência, ouviram – diversas vezes – a promessa de criação de um Ministério dos Povos Originários

Eleito com forte apoio do movimento indígena, durante o trabalho da equipe de transição, Lula chegou a aventar a possibilidade de criar uma secretaria em vez de um ministério, mas, diante dos protestos de lideranças, logo retomou a promessa. E aceitou a proposta de alteração de nome da pasta, feita pelo GT que atuou na transição, para Ministério dos Povos Indígenas.

De uma lista tríplice que lhe foi entregue pela APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o presidente escolheu a deputada eleita Sonia Guajajara para comandá-lo, que foi a primeira a ser empossada por ele, em 1º de janeiro (contamos aqui). Muito simbólico.

Os outros candidatos – Joenia Wapichana e Weibe Tapeba – ficaram com a Funai – Fundação Nacional do Índio (que mudou de nome) e a Sesai – Secretaria Especial de Saúde indígena. Auspicioso.

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“Esse é mais um compromisso do nosso presidente Lula ao afirmar que os próprios indígenas iriam conduzir suas pastas. Seguimos na reconstrução do país!”, declarou Joenia.

Agora, sim, uma Funai dos povos indígenas! 

Para presidir a Funai – Fundação Nacional do Índio, criada em 1967, na ditadura militar (para tutelá-los, não protegê-los), Lula convocou Joenia Wapichana, e ela aceitou prontamente. A escolha não poderia ser mais perfeita.

O cacique Raoni, Sonia Guajajara, Joenia Wapichana, a deputada federal eleita Célia Xakriabá e o advogado Eloy Terena, da APIB / Foto: Lohana Chaves, Agência Brasil

Além de ser a primeira mulher indígena a exercer a advocacia no Brasil – é formada em Direito pela Universidade de Roraima (UFRR) e fez Mestrado em Direito pela Universidade do Arizona, EUA -, Joenia é a primeira deputada federal indígenado Congresso Nacional, eleita no mesmo ano da vitória de Bolsonaro. 

Agora, ela é também a primeira mulher (e) indígena a dirigir a Funai, órgão federal responsável pela política indigenista brasileira.

Ontem, pela manhã, o edifício que abriga o órgão federal estava em festa, ocupado por lideranças indígenas, servidores e indigenistas, que o envolveram com cantos e o som dos maracás e se reuniram para celebrar a ‘Retomada da Funai’.

Durante quatro anos, Joenia lutou contra ataques e retrocessos empreendidos por seus colegas parlamentares que representam o agronegócio e a mineração, que atuavam na Câmara dos Deputados com apoio do ex-presidente. Aprendeu a lidar com esse tipo de gente e num cenário retrógrado, onde os interesses escusos dão o tom.

Joenia Wapichana: “”Um marco na reconstrução do nosso país! Principalmente para os povos indígenas, que serão novamente ouvidos sobre a demarcação, a proteção e a fiscalização de suas terras” / Foto: Lohana Chaves/Agência Brasil

“Serão muitos os desafios para reestruturar, organizar os trabalhos e atender as demandas que assolam nossos territórios indígenas. Por isso, reafirmo meu compromisso de continuar na defesa dos direitos dos povos indígenas, sempre atuando de forma coletiva, transparente e comprometida e, agora, junto com o presidente Lula”. 

Ela ainda destacou que, como deputada federal na atual legislatura, “única indígena, devo seguir alguns procedimentos para, então, ser nomeada e assumir, oficialmente, a presidência da Funai. Mas já é uma alegria ter essa recepção, poder conhecer a estrutura do órgão e contar com o apoio de todos e todas nessa conquista histórica”. E acrescentou: 

“Um marco na reconstrução do nosso país! Principalmente para os povos indígenas, que serão novamente ouvidos sobre a demarcação, a proteção e a fiscalização de suas terras”.

Lideranças indigenas, servidores e indigenistas em festa na sede da Funai / Foto: Leo Otero, Agência Brasil

cacique kayapó Raoni Metutkire, que participou da comovente cerimônia de passagem da faixa presidencial para Lula, estava presente (veja na foto de destaque). “Eu também sou pajé, e como pajé desejei a saída de Bolsonaro”, declarou, contando que sonhou que Lula seria eleito.

O encontro foi organizado pela INA – Indigenistas Associados e pela Ansef – Associação Nacional dos Servidores da Funai com o intuito de debater reconstrução e o fortalecimento do órgão, para garantir a ocupação – pelos indígenas – de espaços estratégicos da política brasileira, este ano. 

Eles também celebraram a transferência da Funai – que sai do Ministério da Justiça e passa a integrar o Ministério dos Povos Indígenas – e a mudança de nome: a sigla permanece a mesma, mas o órgão, agora, se chama Fundação Nacional dos Povos Indígenas

Esta é uma reivindicação histórica, reforçada pelo Grupo Técnico Povos Indígenas da equipe de transição e acatada por Lula. 

A alteração foi feita por meio de medida provisória (MP) e publicada no Diário Oficial da União (DOU) já em 1º de janeiro, dia da posse do presidente e dos ministros de Estado.

Durante a celebração, os servidores e indígenas cobraram justiça pelos assassinatos do servidor da Funai Maxciel Pereira dos Santos, em 2019, e do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em julho deste ano. As fotos deles foram afixadas nas paredes da Funai.

Célia Xakriabá, eleita deputada federal por Minas Gerais, também participou da cerimônia lembrando que “a última vez que estivemos aqui fomos recebido com spray de pimenta”. Foi durante o Acampamento Terra Livre de junho de 2021.

Dia do Índio, não! Dos Povos Indígenas!

Vale lembrar que, em junho de 2022, o Dia do Índio, celebrado em 19 de abril, ganhou nova denominação por meio do Projeto de Lei 5546/2019, de autoria de Joenia. 

Foto: Renato Soares

Esta também era uma reivindicação antiga que, depois de muita luta – Bolsonaro vetou o projeto. declarando que não havia interesse público na alteração – foi aprovada na Câmara dos Deputados (por 414 votos contra 39, a favor do ex-presidente) e no Senado (por 69 votos, ou seja, unanimidade) e ajudou os indígenas a marcarem posição. 

Mas por que o termo ‘índio’ não é apreciado pelos indígenas? 

Segundo Joenia, a intenção, com o projeto era a de tornar a nomenclatura “mais respeitosa e mais identificada com as comunidades indígenas“, ressaltando o valor desses povos para a sociedade brasileira e (ao manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões) “reconhecer seu direito de assumir tanto o controle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico”.

Na ocasião, ela ainda contou que, ao criar o projeto, levou em conta “a particular contribuição dada pelos povos indígenas à diversidade cultural, à harmonia social e ecológica da humanidade. E, consideramos importante frisar que tal contribuição é ofertada pela coletividade e não pelo indivíduo isolado como remete a ideia do termo ‘índio’”.

Essa justificativa é perfeitamente aplicável ao nome original da Funai.

Um indígena também na saúde!

O convívio com os não-indígenas tornou-se inevitável com o “progresso”, mas levou doenças e violência para os indígenas. No entanto, a negligência do Estado nunca garantiu o mínimo de bem-estar a esses povos. Muito menos criou condições para driblar os efeitos malignos desse convívio.

Com Bolsonaro, esse cenário só piorou – a impunidade abriu caminho para a invasão de garimpeiros, madeireiros e grileiros em suas terras – e os indígenas foram ainda mais abandonados, tornado-se vítimas de um genocídio programado. A pandemia da covid-19 só intensificou a situação.

As estatísticas só não são mais trágicas graças ao movimento indígena e à atuação da APIB e das entidades regionais parceiras. Lideranças se uniram a parlamentares e organizações socioambientais e lançaram um plano de ação contra o governo para impedir o avanço da covid-19 nas aldeias.

Agora, com o governo de Lula e seu respeito pelos povos originários, a perspectiva é animadora. Nísia Trindade, ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), escolhida por ele para comandar o Ministério da Saúde – ela já anunciou um ‘revogaço’ no ministério –, corrobora essa sensação. 

Em cerimônia na sede do ministério, ontem, 2/1 – na presença do cacique Raoni Metuktire -, a nova ministra também empossou uma liderança indígena na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai): o advogado Ricardo Weibe Tapeba, eleito vereador de Caucaia, região metropolitana de Fortaleza, no Ceará, pela segunda vez, este ano (que aparece na foto abaixo e, também, na foto de destaque, ao lado de Joenia).

Weibe Tapeba, novo secretário de saúde indígena do Ministério da Saúde, agora comandado por Nísia Trindade, ex-presidente da Fiocruz / Foto: reprodução do Instagram

Ele é coordenador da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará e integrante do departamento jurídico da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (APOINME).

Como Sonia Guajajara e Joenia Wapichana, Weibe integrou a lista tríplice entregue pela APIB à Lula para a escolha do ministro indígena. E também como as duas, em suas áreas no governo, é pioneiro: o primeiro indígena a assumir no comando da Sesai.

“Momento histórico para o movimento indígena do Brasil, pois sou o primeiro Indígena a assumir essa pasta tão importante. Essa pasta é fundamental para vida dos povos indígenas e foi desmantelada no desgoverno Bolsonaro”, declarou ele, em seu Instagram.

Lugar de indígena

O próximo passo poderia ser a criação de uma Secretaria Especial de Educação Indígena. O que existe, hoje, é um Departamento de Escola Indígena, nada eficiente e que, muitas vezes, é usado para sobrepor nossa cultura à cultura indígena.

Na verdade, para que possamos reparar a violência e a injustiça cometidas contra esses povos desde a invasão dos portugueses, eles deveriam ter um representante em todos os ministérios do novo governo. Sua presença deve ser transversal.

Lugar de indígena é onde ele quiser – inclusive isolado como alguns povos desejam – porque o Brasil é terra indígena! E “o futuro é ancestral” como sempre nos lembra o pensador e autor Ailton Krenak, que usou a frase – quase uma sentença – no título de seu último livro.

Foto (destaque): Lohana Alves/Agência Brasil

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