Se depender dos grileiros que intensificam a invasão na Terra Indígena (TI) Karipuna, o Posto Indígena de Vigilância (PIV), da Fundação Nacional do Índio (Funai), pode mudar de nome para Posto de Apoio às Invasões (PAI). Segundo as lideranças, é justamente no prédio desativado do órgão indigenista do Estado brasileiro que os invasores estão se abrigando para expandir a destruição da floresta no território tradicional, homologado desde 1988.
No domingo (20/04), dois indígenas moradores da Aldeia Panorama se dirigiam ao encontro de funcionários da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) quando foram surpreendidos pela presença de cerca de 20 invasores dentro da Terra Indígena, numa área conhecida como Piquiá, que fica a apenas 8 km da aldeia.
Os indígenas relatam que todos os dias aumenta a quantidade de grileiros entrando em suas terras. “Tem muitas estradas e derrubadas, e tem gente já morando aqui dentro da nossa terra. Nós sempre recebemos recados com ameaças. Antes do final de 2018 disseram que viriam invadir a aldeia, queimar as casas, matar as galinhas, que iam matar as três lideranças principais… Será que a Funai não vê o que estão fazendo com nosso povo? Não consigo entender!”, desabafa uma liderança Karipuna, que não será identificada por questões de segurança.
Risco de conflitos graves
No dia 17 de janeiro, portanto três dias antes dos indígenas flagrarem os invasores em suas terras, o Ministério Público Federal de Rondônia (MPF-RO) encaminhou um ofício ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos solicitando providências urgentes para conter a invasão da TI Karipuna.
Segundo o MPF o cenário “vem se agravando, podendo tornar-se insustentável, com risco concreto de desencadear conflitos sangrentos, notadamente em prejuízo às populações tradicionais vulneráveis”. No mesmo ofício, o MPF solicitou que ações sejam implementadas também na TI Uru Eu Wau Wau.
A situação dos povos Karipuna e Uru Eu Wau Wau não são casos isolados. Nestas três primeiras semanas de 2019, as Terras Indígenas Arariboia e Awá Guajá, no Maranhão; e a Arara, no Pará já haviam sido atacadas; e diversas outras estão ameaçadas, como a TI Marãiwatsédé (MT).
“É fundamental que a sociedade brasileira perceba que as terras indígenas na Amazônia vêm sendo alvo constante de quadrilhas que financiam não só o roubo de madeira mas também processos organizados de grilagem desses territórios”, avalia Danicley de Aguiar, da campanha Amazônia do Greenpeace.
Destruição denunciada
Os Karipuna já fizeram inúmeras denúncias ao MPF, ao Ibama, à Funai e à Polícia Federal, entre outros órgãos do Estado brasileiro. Em 2018, lideranças do povo foram à Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra e Nova Iorque, denunciar a destruição de sua terra e a ameaça de genocídio que seu povo enfrenta.
Em 14 de junho de 2018, a Justiça Federal atendeu ao pedido do MPF-RO e determinou, em caráter de urgência, que a União, a Funai e o estado de Rondônia apresentassem, em 30 dias, um plano de ação continuada de proteção da TI Karipuna.
“A continuidade das invasões na TI Karipuna sinaliza claramente para a necessidade do Estado brasileiro cumprir com o seu dever constitucional de proteger as terras indígenas e seus povos. Além disso, é necessário identificar, processar e punir esses invasores. Se não fizer isso, o Estado está autorizando a barbárie”, pontua Danicley.
O Greenpeace e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) protocolaram, em julho de 2018, no MPF-RO uma denúncia de que a destruição da floresta na TI Karipuna era quase quatro vezes maior do que os dados oficiais do Estado consideravam: 10.463 ha de florestas degradados e desmatados dentro da TI Karipuna desde 1988, sendo que mais de 80% desta destruição ocorreram entre 2015 e 2018.
“As coisas só pioram. E os grileiros não estão sozinhos. Alguém está incentivando estas invasões. Nossas crianças e idosos estão com medo. Estamos esperando que venham aqui expulsar a gente. A gente não quer sangue derramado. Mas não vamos permitir que tirem nossa terra”, afirma indignada uma das principais lideranças Karipuna.
Todos os Olhos na Amazônia
A Associação Indígena do Povo Karipuna Abytucu Apoika, o Greenpeace e o Cimi fazem parte da coalisão “Todos os Olhos na Amazônia”, que apoia a luta de povos indígenas e comunidades tradicionais pela conservação de suas florestas.
*Texto publicado originalmente em 24/01/2019 no site do Greenpeace Brasil
Fotos: ©Christian Braga/Greenpeace e Povo Uru Eu Wau Wau