Este é o primeiro ano em que o Estado Palestino está presente no principal encontro de uma Assembleia Geral da ONU – o chamado ‘debate geral’, que reúne a maioria dos líderes mundiais e se estenderá até 30 de setembro.
A presença de seu representante, Mahmoud Abbas (foto acima), presidente da Autoridade Palestina desde 2006, atende perfeitamente ao apelo do tema definido para o encontro deste ano: Não deixar ninguém para trás – Agindo juntos para o avanço da paz, do desenvolvimento sustentável e da dignidade humana para as gerações presentes e futuras.
Agora, o povo palestino está representado em reuniões das quais era banido anteriormente o que foi garantido com a aprovação da resolução, há cerca de quatro meses, que reivindicava “direitos e privilégios adicionais” à Palestina e apelava ao Conselho de Segurança que reconsiderasse seu pedido de adesão plena à organização (saiba mais no final deste texto).
Essa decisão traduz o respeito e o reconhecimento que a grande maioria dos países-membros da ONU – 143 dos 193 atuais – tem por sua existência.
É bom frisar que isso aconteceu apesar das tentativas incessantes dos EUA de boicotar o país, em especial nas reuniões do Conselho de Segurança, que reivindicaram cessar-fogo e ajuda humanitária ao povo palestino, na Faixa de Gaza, onde Israel empreende um verdadeiro genocídio para ocupar o território.
Corações e mentes pelos palestinos
Mas, nesta 79ª Assembleia Geral da ONU, a Palestina esteve presente não apenas fisicamente, com Abbas, como também nas palavras e nos apelos de António Guterres, secretário-geral da ONU, e alguns líderes mundiais bastante distintos.
Guterres abriu a sessão, fez duras críticas a Israel apontando para seus crimes cometidos contra o povo palestino – podendo ir além – e, em dois momentos, foi aplaudido enquanto falava Mas com o potencial de ir além. “Gaza é um pesadelo incessante que ameaça levar toda a região com ele. Basta olhar para o Líbano. Todos nós deveríamos estar alarmados com a escalada. O Líbano está à beira do abismo. Líbano não pode virar uma nova Gaza”.
Ontem, em apenas 24 horas, Israel matou cerca de 500 pessoas no sul do Líbano – a maioria mulheres e crianças. Vem avançando contra o país com a desculpa de destruir o Hezbollah (a mesma justificativa que usou em Gaza contra o Hamas – e nunca foi verdadeira).
Fala dura, encontro com Abbas e a homenagem de Janja
O presidente Lula foi o primeiro líder a discursar, como é tradição na reunião do debate geral e, assim, o primeiro a destacar a presença da Palestina naquele recinto (como contamos aqui).
“Me dirijo em particular à delegação palestina que integra pela primeira vez esta sessão de abertura, mesmo que seja na condição de membro observador”. Foi muito aplaudido.
Mais adiante, destacou: “Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente, que agora se expande perigosamente para o Líbano. O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino. São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”.
Como é de conhecimento público, não só Lula apoia a causa palestina como a primeira-dama, Janja, também. Por isso, quem sabe para homenagear a presença da Palestina nesse dia tão especial, ela escolheu um traje também especial para acompanhar o evento. E chamou a atenção, não só no âmbito do debate.
Trata-se de uma linda peça decorada com o Tatriz, tradicional bordado palestino, conhecido e reconhecido no mundo todo e que integra a lista de patrimônios culturais da UNESCO.
Esta é a segunda vez que Janja (que chegou antes de Lula à Nova York para participar de algumas reuniões) usa o casaco que lhe foi presenteado por Ibrahim Al-Zeben, Embaixador do Estado da Palestina no Brasil, em jantar que dedicado ao presidente Lula, em fevereiro deste ano.
Hoje, o presidente brasileiro se encontrou com Mahmoud Abbas. “É a primeira vez que eles participam como observadores da Assembleia Geral da ONU. Manifestei minha solidariedade pelo sofrimento de mulheres e crianças palestinas com a violência e a necessidade de um cessar fogo imediato”, contou Lula em suas redes sociais.
Agora, para fortalecer seu apoio ao Estado Palestino, o governo brasileiro deveria cortar relações comerciais e diplomáticas com Israel. De quem tem defendido o povo palestino – e se destacado no cenário mundial assim -, desde que os ataques desmedidos de Israel começaram e gerando indisposição com o governo daquele país, é esperado e desejável que vá além.
“Quando Gaza morrer, toda a humanidade morrerá”
O povo palestino também foi lembrado por Gustavo Petro, presidente da Colômbia, em seu terceiro discurso na ONU. E, como sempre, foi maravilhoso!
Ele criticou os países que têm o “poder de destruir a vida da humanidade” e focando nas potências que apoiam Israel, certamente, lamentou: “Eles não nos ouvem quando votamos para acabar com o genocídio em Gaza. Embora sejamos a maioria dos presidentes do mundo e representantes da maioria da humanidade, uma minoria de presidentes que podem parar os bombardeamentos não nos ouve”.
E completou: “Se pedirmos que a dívida seja trocada pela ação climática, as minorias poderosas não nos ouvem. Se pedimos que parem as guerras para se concentrarem na rápida transformação da economia mundial para salvar a vida e a espécie humana, também não nos ouvem”.
Chamando Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, de criminoso, frisou: “Quando Gaza morrer, toda a humanidade morrerá”. Após sua fala no plenário da Assembleia, reuniu-se com o Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina (devido aos ataques no Líbano, Netanyahu adiou sua participação sem data marcada; o evento vai até dia 30).
Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul (país de Mandela, que tem defendido os palestinos, de forma aguerrida, no Tribunal Penal Internacional), dedicou boa parte de seu discurso ao apelo pelo fim da guerra na Faixa de Gaza.
Tamim bin Hamad al Thani, emir do Qatar, denunciou Israel por ‘crime de genocídio’ contra a população palestina.
Refutando a ideia de que seu país é uma alternativa para os palestinos, Abdullah II, rei da Jordânia, declarou: “Há extremistas que estão a arrastar a nossa região para a beira de uma guerra total, e isto inclui aqueles que continuam a propagar a ideia de que a Jordânia é uma pátria alternativa. Bem, serei muito, muito claro: isso nunca acontecerá, nunca aceitaremos o deslocamento forçado dos palestinos porque isso é um crime de guerra”.
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan, que está longe de ser democrático por vezes afirma ser, também citou o genocídio em Gaza, em seu discurso. Culpou a comunidade internacional por inação e pelo massacre e acusou a ONU por ser incapaz de cessar a violência em Gaza. Ao final, sentenciou Netanyahu: ele precisa ser impedido e detido, como a humanidade fez com Hitler.
O presidente americano Joe Biden, também comentou sobre Gaza – pediu mobilização para o fim imediato do conflito -, mas deu mais destaque para a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, pedindo mais ajuda para o país governado por Volodymyr Zelensky. Como Guterres, solicitou que a comunidade internacional – sem citar nomes – pare de armar as duas partes do conflito.
Sobre Gaza e Cisjordânia, nesse sentido, nenhuma palavra já que os EUA são os principais fornecedores de armamento para Israel. Um show de incoerência.
A resolução que deu assento à Palestina na ONU
“A Assembleia Geral determina que o Estado da Palestina está qualificado para ser membro da ONU, em conformidade com o artigo 4º da Carta das Nações Unidas, e deve, portanto, ser admitido como membro das Nações Unidas”, sustenta o texto da resolução aprovada em maio deste ano.
O projeto – apresentado pelos Emirados Árabes Unidos em representação do Grupo de Países Árabes, e apoiado por cerca de 40 países -, obteve 143 votos a favor, 9 contra (entre eles, Israel, Estados Unidos e Hungria) e 25 abstenções (Ucrânia, Itália, Reino Unido, Alemanha e Canadá, entre outros).
Na ocasião, Riyad Mansour, embaixador palestino nas Nações Unidas, declarou, com a voz embargada: “Estive nesta tribuna centenas de vezes, frequentemente em circunstâncias trágicas, mas nenhuma comparável a que o meu povo vive atualmente. Nunca houve uma votação mais importante do que esta, histórica”.
E completou: “Queremos paz e liberdade! Um voto sim é um voto pela existência palestina, não é contra nenhum Estado. É um investimento na paz”.
De acordo com a Agência Brasil, entre os novos direitos concedidos aos palestinos estão assento entre os estados-membros por ordem alfabética, a apresentação de propostas individualmente ou em nome de um grupo perante a Assembleia Geral, a solicitação do direito de resposta, fazer declarações ou solicitar modificações na agenda, além de apresentar diretamente propostas e emendas, sem passar por um terceiro país, entre outros.
Vale lembrar que o Estado da Palestina foi formalmente declarado em 15 de novembro de 1988 pela Organização para a Libertação da Palestina, que reivindicava a soberania sobre as partes restantes da Palestina histórica – Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e a Faixa de Gaza –, que Israel ocupa desde 1967. E agora está destruindo para tomar por completo.
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Foto: Loey Felipe/UN Photos