Foi em 1997 que o fotojornalista Ricardo Stuckert esteve pela primeira vez na Amazônia. Naquele ano viajou até lá como repórter da revista Veja. Durante o trabalho, fez um retrato da indígena Yanomami Penha Góes. “Seu olhar me chamou atenção. A imagem dela me marcou. Penha tinha 22 anos, um filho de 2 e uma história registrada em seu olhar. Nascia, ali, uma das fotografias mais importantes de toda a minha carreira”.
É com esse relato que Stuckert abre “Povos originários: guerreiros do tempo”, obra que retrata com sensibilidade e muita beleza a vida e os costumes de dez etnias indígenas do Brasil.
Na introdução do novo livro, o fotojornalista conta ainda que vinte anos depois do registro de Penha, na comunidade de Nazaré, no Amazonas, ele sentiu vontade de reencontrá-la. Após meses com trocas de muitos e-mails e telefonemas, ele e a esposa, Cristina, conseguiram achá-la. E lá se foi Stuckert para a Amazônia novamente.
Penha, aos 22 anos e décadas depois, aos 39 anos, com o seu mesmo olhar enigmático e cativante, é um dos muitos destaques de “Povos originários: guerreiros do tempo”. Em suas 280 páginas, o livro é dividido em capítulos dedicados às dez etnias escolhidas para serem retratadas pelo fotógrafo. Em edição bilíngue e capa dura, a obra publicada pela Editora Tordesilhas reúne ainda textos escritos por antropólogos, sociólogos e integrantes das próprias comunidades.
Natural de Brasília, Stuckert vem de uma família de fotógrafos. Bisavô, avô, pai, tio e irmão trabalharam e trabalham com o fotojornalismo. Colaborador de grandes publicações nacionais e internacionais, entre elas, a National Geographic, durante os oito anos do governo Lula era o fotógrafo oficial da presidência. Em 2020, foi diretor de fotografia do longa “Democracia em Vertigem”, indicado ao Oscar de Melhor Documentário.
Stuckert ao lado do cacique Raoni
Em 2016, a mesma foto escolhida para a capa de “Povos originários: guerreiros do tempo”, que abre este post, recebeu a medalha de ouro na categoria Muscat -Pessoas, no Oman 1st Internacional Photography Circuit.
Em entrevista concedida por e-mail, Stuckert nos contou um pouco mais de sua experiência e relação com os verdadeiros guardiões das florestas do Brasil.
O que mais te faz admirar os povos indígenas brasileiros?
São guerreiros, muitos lutam continuamente para defender o meio ambiente. São povos que não desistem nunca, mesmo com todas as dificuldades. E a vida não tem sido fácil para eles. Em algumas comunidades que visitei, em razão da exploração irracional dos recursos naturais, desmatamento e tantos outros problemas, já existe escassez de comida.
No Xingu, por exemplo, não tem mais peixe como antes. Sem contar a exploração ilegal em territórios indígenas. São muitas dificuldades.
Mesmo assim, eles não abandonam a sua terra e dela cuidam com reverência e respeito.
2. O que nossos povos originários continuam tendo a nos ensinar?
Os indígenas são os responsáveis por manter as florestas brasileiras sãs. A forma como eles vivem e se relacionam com o meio ambiente podem orientar nossas escolhas atuais e futuras. Os povos originários têm um respeito profundo pela mãe terra que precisamos aprender.
A questão da vida em comunidade também é muito importante. Na aldeia, não existe este sentimento de egoísmo. As pessoas compartilham tudo e se ajudam mutuamente.
Outra questão importante é sobre o tempo. Nesse processo de realização do livro, percebi que o tempo na floresta não é o tempo da cidade e, muitas vezes, essa pressa e essa urgência que temos para fazer as coisas não podem ser assim. A vida precisa de pausas, de paciência.
Uma vez, fui ao Xingu fotografar os Kayapó. Quando cheguei na aldeia Metuktire, encontrei o cacique Raoni. Queria muito fotografá-lo, mas percebi que ele não estava à vontade. Então, eu desisti. No último dia da viagem, o Raoni me convidou para um banho de rio. Eu deixei o equipamento de lado e me preparei. Aí o Raoni quis saber se eu não levaria a máquina. Pensei: agora é a hora de fotografar, agora ele deixou. E aprendi que o tempo não é nosso. É deles.
À esquerda, Penha Góes, aos 22 anos, na Comunidade Nazaré. Amazonas, 1997.
À direita, Penha, aos 39 anos, em 2015
3. Qual foi a maior dificuldade em realizar este trabalho, para que ele retratasse de forma sensível e real esses indivíduos e não de maneira estereotipada?
A relação com os indígenas para a realização desse projeto vem sendo construída há bastante tempo, com inúmeras idas em suas aldeias, tentando me inserir em seu cotidiano, esforçando-me para observar e aprender com eles as importantes lições que esses povos têm para nos ensinar como o sentimento de preservação de sua cultura, amor, solidariedade coletiva, respeito à terra, dentre tantos outros importantes aprendizados diluídos em nossa sociedade. Acredito que essa aproximação honesta e genuína criou as condições de confiança que me permitiu fotografá-los.
Abaixo algumas das imagens que fazem parte do livro:
Fotos: Ricardo Stuckert/divulgação Editora Tordesilhas