
O presidente Lula está em Nova York – com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e outros ministros – para participar da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que reúne 193 estados-membros e termina na próxima quarta-feira (25). Ontem (21), o líder brasileiro discursou durante a Cúpula do Futuro, convocada por António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas ONU), a fim de debater formas efetivas para o enfrentamento das crises de segurança emergentes, acelerar o cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e abordar as ameaças e oportunidades das tecnologias digitais.
A partir dos debates foi produzido um documento – o Pacto do Futuro –, aprovado hoje e que deve ser assinado por todos os participantes do encontro.
O Pacto do Futuro
Em seu discurso na Cúpula do Futuro, Lula destacou a importância de um documento como o Pacto, salientando que ele aponta uma direção a seguir.
Como pontos positivos do documento, ele destacou o fato de tratar “de forma inédita” da dívida de países em desenvolvimento e da tributação internacional, como também a “criação de uma instância de diálogo entre Chefes de Estado e de Governo e líderes de instituições financeiras internacionais”.
O texto negociado entre os estados-membros reforça a cooperação global e estabelece compromissos para uma melhor adaptação aos desafios atuais, de forma a garantir um sistema multilateral renovado e eficaz, em benefício das gerações futuras.
Para o presidente brasileiro, o pacto pode contribuir para recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial.
O presidente reconheceu que há avanços importantes a fim de que alcancemos uma governança digital inclusiva, reduzindo “as assimetrias de uma economia baseada em dados e mitigue o impacto de novas tecnologias como a inteligência artificial”. Mas alertou: “Todos esses avanços serão louváveis e significativos, mas, ainda assim, nos falta ambição e ousadia”.
Governança global em crise
Para o presidente brasileiro, “a crise da governança global requer transformações estruturais” e citou os recentes conflitos armados que afligem o mundo.
“A pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais. A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir as suas decisões. A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o conselho econômico e social foi esvaziado”.
O presidente criticou o Conselho de Segurança da ONU, destacando que sua legitimidade só diminui “cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades”.
Vale lembrar que, em 2023, o Brasil não conseguiu aprovar Resolução – que propunha a instalação de um corredor humanitário em Gaza – nesse Conselho, a fim de minimizar os efeitos do conflito que envolve Israel e o grupo terrorista Hamas, no qual as forças israelenses têm dizimado o povo palestino desde outubro de 2023.
Como aconteceu com outras resoluções, o voto dos Estados Unidos – que é um dos membros permanentes – impediu a aprovação da proposta brasileira. De acordo com as regras do conselho, uma resolução só é aprovada com o apoio de, pelo menos, 9 dos 15 membros. E nenhum dos membros permanentes (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) pode vetar o texto.
Lula também declarou que “o Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico” e criticou instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, visto que “desconsideram as prioridades e as necessidades do mundo em desenvolvimento”.
Ao mesmo tempo, o presidente destacou o avanço da agenda multilateral de reforma do sistema ONU, nas últimas duas décadas. E citou como positivas a criação da Comissão para Consolidação da Paz, em 2005 (em fevereiro deste ano, o Brasil assumiu a presidência dessa comissão até o fim de 2024) e do Conselho dos Direitos Humanos, em 2006.
Fracasso dos ODSs e aliança contra a fome
Para Lula, apesar de os ODSs, lançados pela ONU em 2000, serem “o maior empreendimento diplomático dos últimos anos”, podem terminar como “nosso maior fracasso coletivo”. E justifica: “no ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo”. Uma vergonha!
E o presidente aproveitou a oportunidade para lembrar que, à frente do G20, na reunião que acontecerá em 18 e 19 de novembro de 2024, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o Brasil vai lançar oficialmente a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza (pré-lançada em julho), a fim de “acelerar a superação desses flagelos”.
Brasil, ONU e a COP 30
Como era de se esperar, as mudanças climáticas também foram citadas pelo presidente que destacou a falta de compromisso global como impedimento para que os esforços para redução das emissões de gases de efeito estufa e o financiamento climático sejam insuficientes para manter o planeta seguro.
“Em parceria com o secretário-geral [da ONU, António Guterres], como preparação para a COP30, vamos trabalhar para um balanço ético global, reunindo diversos setores da sociedade civil para pensar a ação climática sob o prisma de justiça, da equidade e da solidariedade”.
Diante do cenário catastrófico registrado em diversas partes do mundo devido a eventos extremos – e, em especial, no Brasil, diante dos incêndios criminosos do último mês, que devastam todos os biomas -, espera-se que Lula desista de empreendimentos que ser ainda mais devastadores para o país, em especial para a Amazônia.
Falo da abertura de novos pontos para a exploração de petróleo em qualquer lugar do país (principalmente na Foz da Bacia do Amazonas) e da reconstrução da BR-319 – a rodovia liga Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia –, que contempla sua pavimentação. A obra foi suspensa pela Justiça Federal do Amazonas, em julho deste ano, devido à falta de medidas para evitar destruição da Amazônia.
A agenda do presidente na ONU
A Cúpula do Futuro é um dos eventos (20 a 23/9) que antecedem o Debate Geral, que será realizado na próxima terça-feira (24) e no qual Lula fará o tradicional discurso de abertura. Desde a 10ª assembleia, o presidente do Brasil é sempre o primeiro país a discursar.
Em sua estada em Nova York, Lula ainda participa da segunda reunião de Chanceleres do G20 e de encontros bilaterais.
O discurso, na íntegra, e em vídeo
“Agradeço ao Secretário-Geral António Guterres pela iniciativa de promover esta Cúpula do Futuro.
Cumprimento a Alemanha e a Namíbia, por meio do chanceler Olaf Scholz e do presidente Nangolo Mbumba, por conduzirem o processo que nos trouxe até aqui.
Há quase vinte anos, o então Secretário-Geral Kofi Annan nos convidou a pensar em como revigorar o multilateralismo para fazer frente aos desafios do novo milênio.
Naquela ocasião, ressaltei nesta tribuna a necessidade de reformas para que a ONU pudesse cumprir seu papel histórico.
Aquela reflexão conjunta rendeu frutos como a Comissão de Consolidação da Paz e o Conselho de Direitos Humanos. Outras ideias não saíram do papel.
Temos duas grandes responsabilidades perante aqueles que nos sucederão.
A primeira é nunca retroceder. Não podemos recuar na promoção da igualdade de gêneros, nem na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação.
Tampouco podemos voltar a conviver com ameaças nucleares. É inaceitável regredir a um mundo dividido em fronteiras ideológicas ou zonas de influência.
Naturalizar a fome de 733 milhões de pessoas seria vergonhoso. Voltar atrás em nossos compromissos é colocar em xeque tudo o que construímos tão arduamente.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos e caminham para se tornarem nosso maior fracasso coletivo.
No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo.
Na presidência do G20, o Brasil lançará uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza para acelerar a superação desses flagelos.
Na COP 28 do Clima, o mundo realizou um balanço global da implementação das metas do Acordo de Paris. Os níveis atuais de redução de emissões de gases do efeito estufa e financiamento climático são insuficientes para manter o planeta seguro.
Em parceria com o Secretário-Geral, como preparação para a COP 30, vamos trabalhar por um balanço ético global, reunindo diversos setores da sociedade civil para pensar a ação climática sob o prisma da justiça, da equidade e da solidariedade.
Nossa segunda responsabilidade comum é abrir caminhos diante dos novos riscos e oportunidades.
O Pacto para o Futuro nos aponta a direção a seguir. O documento trata de forma inédita temas importantes como a dívida de países em desenvolvimento e a tributação internacional.
A criação de uma instância de diálogo entre Chefes de Estado e de Governo e líderes de instituições financeiras internacionais promete recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial.
O Pacto Global Digital é um ponto de partida para uma governança digital inclusiva, que reduza as assimetrias de uma economia baseada em dados e mitigue o impacto de novas tecnologias como a Inteligência Artificial.
Todos esses avanços serão louváveis e significativos. Mas, ainda assim, nos faltam ambição e ousadia.
A crise da governança global requer transformações estruturais.
A pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais.
A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões.
A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado.
A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades.
As instituições de Bretton Woods desconsideram as prioridades e as necessidades do mundo em desenvolvimento.
O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico.
A Carta da ONU não faz referência à promoção do desenvolvimento sustentável. Precisamos de coragem e vontade política para mudar, criando hoje o amanhã que queremos.
O melhor legado que podemos deixar às gerações futuras é uma governança capaz de responder de forma efetiva aos desafios que persistem e aos que surgirão. Muito obrigado“.
A seguir, assista ao discurso completo de Lula na Cúpula do Futuro:
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Foto (destaque): Ricardo Stuckert/PR
Com informações da Agência Brasil e G1