Doze dos mais renomados pesquisadores ambientais do país se uniram para escrever artigo científico publicado esta semana pela revista científica Biological Conservation, – portanto, submetido ao crivo de outros pesquisadores – que denuncia a atuação de um grupo de pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em especial do agrônomo Evaristo de Miranda.
Para Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – que lidera o grupo -. Carlos Nobre e Antonio Donato Nobre, ambos do Inpe, Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB), Evandro Cunha, Camilla Marcolino e Britaldo Soares-Filho (UFMG), Tiago Ribeiro Duarte (UnB), Gerd Sparovek (UFMG e Universidade de São Paulo, USP), Ricardo Rodrigues (USP), Carlos Valera, da Universidade Federal de Santa Catarina e Letícia Santos de Lima (UFMG e Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha), Miranda é uma espécie de “guru ambiental de Bolsonaro”.
Com o título The risk of fake controversies for Brazilian environmental policies (O risco das falsas controvérsias para as políticas ambientais brasileiras), o estudo destaca que “O ataque às políticas ambientais foi impulsionado por um esforço sistemático e velado de um pequeno grupo de contrários para desinformar os tomadores de decisão e a sociedade”, liderado por Miranda.
A má fama de Miranda não é recente, nem é de hoje a crítica da academia contra ele, que demorou um pouco para agir: “Ao considerá-las indignas de atenção, a comunidade científica permitiu que falsas alegações científicas permanecessem incontestadas. A academia também é culpada pela longa e crescente capacidade das falsas controvérsias científicas influenciarem as políticas ambientais”, declaram os cientistas no texto.
Há cerca de 30 anos, Miranda lidera um grupo de pesquisadores na Embrapa – os ‘contrários’, indicados no estudo -, negacionistas e céticos que usam de suas credenciais científicas para influenciar a opinião pública, evitando o avanço de políticas regulatórias e o cumprimento das leis ambientais.
Esse grupo tem demonizado e deslegitimado a ciência com o objetivo claro de apoiar empresários e políticos interessados em desmantelar políticas de conservação, principalmente em favor da bancada ruralista e do agronegócio.
É uma cruzada negacionista e retrógrada como as que atuam contra o clima e as vacinas no país.
Currículo pífio
Os pesquisadores também revelam como Miranda sempre transitou tranquilo pelo Congresso e o Palácio do Planalto. Isso se explica também devido a seu currículo na Plataforma Lattes, esmiuçado pelos cientistas. Nele, o agrônomo cita a publicação de 83 textos como artigos científicos completos. No entanto, não é bem assim…
A maior parte de seus artigos é de ensaios ou notas técnicas sem validação acadêmica: apenas 17 foram publicados em periódicos científicos e, destes, só 10 artigos apresentam-se indexados em bases de dados reconhecidas por cientistas.
Além de identificar textos não publicados em revistas científicas – portanto, “sem revisão por pares” -, os cientistas descobriram que a maior parte das produções de Miranda não detalha a metodologia utilizada, nem apresenta dados, impedindo que as informações ofertadas por ele sejam verificadas e sejam debatidas no meio científico.
Por tudo isso, no governo Bolsonaro, Miranda encontrou o eco perfeito para suas ideias nefastas.
Vale destacar que ele foi diretor da Embrapa Territorial (sua criação, no órgão) até o início deste ano. E que nem todos os cientistas da instituição o apoiavam: muitos foram os que o denunciaram, mas sem nenhum resultado, tamanho era o seu poder.
Foco no desmatamento
Entre os impactos de suas mentiras, os cientistas indicam pelo menos cinco relacionados à política ambiental:
– o Código Florestal: amenizou o desmatamento ilegal ao alterar e flexibilizar o código em 2012, anistiando 58% dos responsáveis pelo desmatamento ilegal praticado até 2008;
– unidades de conservação e a demarcação de terras indígenas: embasou o desmantelamento dessas áreas protegidas, alvos da política descaradamente antiambiental do governo, garantida por Salles;
– a aplicação das multas por crimes ambientais;
– os incêndios na Amazônia, Pantanal, Cerrado e outros biomas: as orientações de Miranda embasaram o desmantelamento das políticas de controle de fogo e desmatamento; e
– a queima de cana-de-açúcar em São Paulo: postergou a proibição do uso do fogo nessas plantações.
Além disso, de acordo com os signatários do documento, o agrônomo produziu “estatísticas criativas” visivelmente ideológicas para distorcer a verdade. Tasso Azevedo, engenheiro florestal e diretor do MapBiomas, explica muito bem isso em vídeo da série Fatos Florestais (realizada em parceria com o Observatorio do Clima e o site O Eco).
Para tentar deter e eliminar políticas de redução do desmatamento, sob a batuta de Miranda, a Embrapa tem produzido conteúdo farto para o setor do agronegócio e o governo se refestelarem.
E como isso tem sido feito? Eles plantam dúvidas a cerca do resultado das pesquisas cientificas, produzindo novas versões para o que refutam. Exemplo: dizem que o Brasil é o país que mais protege a natureza, que o agronegócio não tem espaço para se desenvolver e que a maior parte das florestas está em terra privada. Você certamente já ouviu alguma dessas barbaridades?
Miranda e seus amigos também têm desconsiderado a literatura científica e atuado sem qualquer fundamento científico, claro! Mas usaram de sua ‘autoridade científica’ para promover ‘falsas controvérsias’.
Agora, assista ao vídeo de abril de 2019, em que Tasso Azevedo derruba as mentiras divulgadas por Evaristo de Miranda e a Embrapa sobre produção e conservação no Brasil:
Foto: Alan Santos/Divulgação Presidência da República