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Concentração de carbono na atmosfera é a mais alta dos últimos 800 mil anos

Concentração de carbono na atmosfera é a mais alta dos últimos 800 mil anos, aponta relatório da Organização Meteorológica Mundial

Por Priscila Pacheco*

As mudanças climáticas intensificadas por ações humanas pioraram em 2024, com os impactos econômicos e sociais sem precedentes. Algumas dessas consequências serão irreversíveis por centenas ou milhares de anos, como o aquecimento dos oceanos. As informações foram divulgadas nesta quarta-feira (19/03) no relatório “Estado do Clima Global”, da Organização Meteorológica Mundial (OMM), que alerta para a necessidade de ações urgentes para conter o aquecimento do planeta.

O relatório teve contribuições de mais de 70 especialistas. Um dos principais pontos analisados é o aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Em 2023, foram alcançados níveis recorde: a concentração de CO2 ficou 151% acima do nível pré-industrial de 1750, o maior dos últimos 800 mil anos. As concentrações de metano e óxido nitroso ficaram, respectivamente, 266% e 124% acima do nível pré-industrial.

Os números consolidados de 2024 ainda não estão disponíveis, mas dados preliminares indicam que a concentração desses gases continuou crescendo. Os gases de efeito estufa retêm o calor enviado pelo Sol à Terra e, em excesso, desequilibram o processo natural, elevando as temperaturas globais.

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Neste cenário, 2024 foi o ano mais quente já registrado, com um aumento médio de aproximadamente 1,55 °C em relação ao período pré-industrial (1850-1900). No entanto, isso não significa que o limite proposto pelo Acordo de Paris tenha sido ultrapassado. “As metas de 1,5 °C e 2 °C do Acordo de Paris referem-se ao aquecimento ao longo de décadas, não ano a ano”, aponta o relatório. Ainda assim, a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, alerta: “Embora um único ano acima de 1,5°C de aquecimento não signifique que as metas de temperatura de longo prazo estejam fora de alcance, isso indica que estamos aumentando os riscos para nossas vidas, economias e para o planeta”.

A OMM destaca que cada um dos últimos dez anos foi individualmente um dos dez mais quentes já registrados. A temperatura global é um dos principais parâmetros das negociações climáticas internacionais, diz a especialista em política climática do Observatório do Clima, Stela Herschmann, e o novo relatório da OMM evidencia que o aumento da temperatura é apenas parte de um quadro maior: “O documento reúne uma coletânea de recordes quebrados”.

Cada ano da última década está entre os 10 mais quentes já registrado (Fonte: OMM)

Oceanos e geleiras

Um dos recordes citados é o de aquecimento dos oceanos, que já impacta ecossistemas marinhos, provoca perda de biodiversidade e reduz a capacidade de absorver carbono. Esse fenômeno também favorece a formação de furacões e contribui para o aumento do nível do mar. Cerca de 90% do calor extra retido pelos gases de efeito estufa é absorvido pelos oceanos. “Cada um dos últimos oito anos estabeleceu um novo recorde de calor nos oceanos”, afirma a OMM.

Os oceanos também têm se tornado mais ácidos (pH menor) devido ao aumento da concentração de CO2. Aproximadamente 25% das emissões anuais de CO2 antropogênico são absorvidas pelos oceanos, reduzindo o pH em taxas não observadas nos últimos 26 mil anos. Essa acidificação compromete a capacidade dos oceanos de absorver CO2 e impacta a segurança alimentar, afetando a produção de peixes e outros organismos marinhos. Segundo a OMM, a acidificação dos oceanos continuará aumentando durante o século 21. As mudanças no pH das águas profundas também são irreversíveis em escalas de séculos a milênios.

O planeta também enfrenta problemas com o derretimento do gelo. Em 11 de setembro de 2024, a extensão mínima diária do gelo marinho no Ártico foi de 4,28 milhões de km², o sétimo menor registro em 46 anos. Esta mínima foi 1,17 milhão de km2 abaixo da média de 1991-2020, uma área quase do tamanho da África do Sul. 

Na Antártida, foi o terceiro ano consecutivo em que a extensão mínima ficou abaixo de 2 milhões de km². O derretimento das geleiras contribui para o aumento do nível do mar, que atingiu um novo recorde em 2024. A taxa de elevação mais que dobrou desde 1993, passando de 2,1 mm/ano (1993-2002) para 4,7 mm/ano (2015-2024). “Mesmo apenas alguns milímetros de aumento podem ter um grande impacto em inundações, erosão costeira e infiltração de água salgada em aquíferos, colocando populações em risco”, alerta a OMM.

A diminuição das geleiras, especialmente nas cadeias montanhosas da Ásia e das Américas, ameaça a segurança hídrica de milhões de pessoas. Embora os dados completos de 2024 ainda não estejam disponíveis, análises preliminares indicam mais um ano de perdas significativas de massa glaciar.

Eventos extremos e impactos climáticos recordes

O relatório também enfatiza a intensificação de eventos extremos, como ondas de calor, tempestades, inundações e secas. No Brasil, houve a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul e as secas históricas na Amazônia.

Stela Herschmann reforça que cada fração de grau de aquecimento importa para evitar eventos extremos ainda mais intensos, que causam perdas humanas e econômicas. “O mundo precisa agir mais rápido e com mais força. O ano de 2025 é uma oportunidade crucial para isso”, afirma. Ela lembra que 2025 é o ano para as nações signatárias do Acordo de Paris apresentarem novas metas climáticas (as NDCs, Contribuições Nacionalmente Determinadas) com foco até 2035. O prazo para entrega dessas metas era 10 de fevereiro, mas, até agora, apenas 10% dos 195 países signatários submeteram seus compromissos.

Os impactos climáticos  recordes também foram destaque no relatório da OMM. Em relação à insegurança alimentar, a organização afirma que a atual crise global de alimentos e nutrição é a maior da história moderna e é agravada por eventos climáticos extremos. Na África Austral, por exemplo, em países como Zimbábue, Botswana, Zâmbia e Namíbia, as chuvas de janeiro a março de 2024 — período de colheitas — foi mais de 50% abaixo da média. Houve quebra de colheitas de mais de 40% para a área plantada com milho, e a produção total de grãos diminuiu em mais de 50% em relação ao ano anterior.

Eventos climáticos extremos também impulsionaram um recorde de deslocamentos forçados em 2024, o maior número dos últimos 16 anos. No Brasil, apenas em Porto Alegre (RS) as inundações históricas deslocaram cerca de 420 mil pessoas. Na África Ocidental e Central, com destaque para o Chade e a Nigéria, inundações destruíram ou danificaram mais de 639 mil casas e forçaram mais de 1 milhão de pessoas a deixarem suas residências.

A OMM ressalta que, além dos deslocamentos registrados em 2024, muitas populações ainda enfrentam os efeitos prolongados de desastres anteriores, como a seca no Chifre da África, as inundações no Burundi e no Paquistão, além das tempestades consecutivas que atingiram Madagascar, Moçambique e Malawi em 2022.

Ações urgentes

O relatório também elenca medidas fundamentais para enfrentar as mudanças climáticas. Entre elas, a ampliação dos sistemas de alerta precoce, que permitem que populações vulneráveis se preparem para eventos extremos. Atualmente, um terço da população mundial, principalmente em países menos desenvolvidos, ainda não conta com esse tipo de sistema.

A redução das emissões de gases de efeito estufa é outro ponto importante. “Sem reduções imediatas e profundas de emissões de gases de efeito estufa em todos os setores e regiões, será impossível manter o aquecimento abaixo de 1,5 °C”, alerta o relatório.

Stela lembra que, na COP28, em 2023, os países reconheceram que, para manter a meta de 1,5 °C, seria necessário abandonar os combustíveis fósseis nos sistemas de energia de maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década. No entanto, nenhum avanço concreto ocorreu desde então. Pelo contrário, países produtores de petróleo seguem defendendo novos projetos de exploração, apesar de os combustíveis fósseis serem a principal fonte global de emissões.

“Para que essa transição aconteça, ela precisa ser articulada entre os países. Cada nação tem uma realidade diferente em relação ao petróleo, seja em termos de dependência econômica, energética ou de suas responsabilidades históricas. Tudo isso deve ser considerado ao definir o calendário e os próximos passos da transição. Se esperarmos mais, será tarde demais”, diz Stela.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, também enfatizou a necessidade de ação imediata, cobrando que os países atualizem suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). “Nosso planeta está emitindo sinais de alerta – mas este relatório mostra que ainda é possível limitar o aumento da temperatura global a longo prazo para 1,5°C. Os líderes precisam agir para tornar isso realidade, aproveitando os benefícios das energias renováveis baratas e limpas para suas populações e economias, especialmente com a atualização dos planos climáticos nacionais prevista para este ano”, declarou.

Outro ponto abordado no relatório goi o financiamento climático. “Em um cenário de transição para 1,5 °C, os investimentos anuais em financiamento climático precisam crescer mais de seis vezes, chegando a quase US$ 9 trilhões até 2030 e mais US$ 10 trilhões até 2050”, aponta o documento.

*Texto publicado originalmente no site do Observatório do Clima em 19/03/25

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Foto de abertura: domínio público/pixabay

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