
Gustavo de Almeida Fernandes, Marcelo Aron Cwerver, Daniel Gutierrez Govino e João Vitor Pereira Romano. Estes são os nomes dos brigadistas de Alter do Chão presos na semana passada, acusados de atear fogo nas matas da região. Justo eles que, no ano passado, criaram a Brigada de Alter (que integra o Instituto Aquífero Alter do Chão) para atuar em cooperação com o Corpo de Bombeiros no combate aos incêndios florestais, que já haviam aumentado consideravelmente e, este ano, se alastraram de forma trágica neste paraíso.
A Polícia Civil entendeu – com base em gravações e imagens que foram tiradas do contexto e não provam nada – que os quatro eram criminosos. E os manteve detidos numa cela do presídio de Santarém por três dias, até que o governador Helder Barbalho, certamente preocupado com a repercussão nacional e internacional do caso, resolveu intervir. Em seu Twitter, declarou que ninguém pode ser preso e julgado sem provas, e que havia acionado a Corregedoria da Polícia Civil para apurar as investigações e trocado o delegado responsável.
Horas depois, os brigadistas foram soltos, mas com inúmeras restrições ou medidas cautelares. Tiveram que entregar seus passaportes; não podem deixar a cidade sem comunicar seu paradeiro e, caso autorizados, não podem ficar ausentes por mais de 15 dias; devem se apresentar à Justiça mensalmente e, em dias de trabalho devem se recolher entre 21h e 6h, entre outras exigências. Ou seja, continuam respondendo a um inquérito frágil, que não se sustenta. Por isso, toda manifestação de apoio é importante, neste momento.
Vale destacar, aqui, que, as investigações da Polícia Federal sobre os incêndios em Alter apontam apenas grileiros, fazendeiros e madeireiros – além de gente envolvida com especulação imobiliária – como suspeitos. Não há ONGs entre eles. Nem a da Brigada, nem o Projeto Saúde e Alegria, que teve sua sede invadida pelos policiais no mesmo dia em que os brigadistas foram presos.
Para esclarecer dúvidas e refutar mentiras divulgadas neste episódio – que ficará marcado na história da cidade, do país e em suas trajetórias -, Daniel, João, Marcelo e Gustavo conversaram com jornalistas no domingo, 1/12 . O que eles mais querem é que tudo seja esclarecido o mais rápido possível, que eles sejam inocentados e que suas vidas voltem ao normal.
(no final deste post, você pode assistir à entrevista na íntegra, publicada no Instagram da Brigada)
Grande injustiça
“A gente só quer continuar com esse trabalho e voltar à nossa vida normal, mas ainda não é possível”. Daniel contou que, desde que foram soltos, os quatro recebem, todos os dias, ameaças por WhatsApp. “Os ataques que sofremos por pré-julgamento colocaram a gente em risco. Recebemos ameaças diárias em grupos de WhatsApp de Alter do Chão. Isso dá medo”. Ele contou que até o portão de sua casa foi arrombado.
“Tudo fica irrelevante com você entrando em custódia, tendo a certeza de que tudo aquilo é injusto, mentiroso e irreal. Parece um filme, uma ficção”, relatou Gustavo. “Mas o que vale é a nossa inocência. A gente tem muita gratidão pelo apoio. Isso vai nos fortalecer, mas a gente espera ser inocentado o mais rápido possível”.
Importante ressaltar que o trabalho que realizam como brigadistas é totalmente voluntário. Eles não ganham dinheiro com a Brigada. “Fazemos nosso dinheiro com nossos trabalhos comerciais”. No entanto, tanto o trabalho voluntário, como o que lhes dá suporte financeiro estão parados por causa do inquérito. Não podem se dedicar a nenhum deles, “enquanto sofremos essa injustiça”, ressaltou Daniel.
No encontro com a imprensa, os quatro brigadistas destacaram que estão sendo vítimas de uma grande injustiça. Ele foram acusados de terem iniciado um grande incêndio em Alter do Chão em meados de setembro e, por isso, decretaram sua prisão preventiva.
Mas isso não só vai contra tudo que fazem e acreditam – e todos na região conhecem -, como o grupo sempre colaborou com as investigações, por isso, os quatro ficaram surpresos com a prisão preventiva, o encarceramento.
“A missão da Brigada de Incêndio de Alter do Chão é a proteção da floresta. Lutamos em defesa da floresta, não contra ela, como nos acusam”. Daniel ainda lembrou que o trabalho do grupo vai muito além de apagar fogo: envolve a prevenção, a educação das comunidades e a articulação de atores de Alter e Santarém, como prefeituras, secretarias de Meio Ambiente, bombeiros e polícia militar.
São, portanto, vítimas de uma acusação leviana, que vai contra tudo que realizam e defendem diariamente. “Tudo o que mais fazemos, como profissionais e como voluntários, é preservar o ambiente e proteger a floresta. Foi revoltante perceber que nos transformaram em suspeitos por algo que é o oposto do que acreditamos”, contou Marcelo.
Mas a indignação não para por aí. Eles lembraram que nenhum dos quatro estava próximo da área onde se iniciou o fogo que resultou num incêndio devastador. Daniel trabalhava com fotografia e turismo na Floresta Nacional Tapajós. Marcelo participava de uma atividade turística no primeiro dia da festa do Sairé, muito famosa na região. Gustavo tinha viajado para o interior de São Paulo, para o casamento do cunhado. E João estava com sua família, em casa.
Intimidação

Os policiais prenderam Daniel, João, Gustavo e Marcelo muito cedo na terça-feira, 26/11. “Minha esposa e meus filhos ainda estavam dormindo”, contou Marcelo. “No começo, achei que se tratava de alguma coisa que acontecia ali perto, na rua, que eles estavam entrando para pedir algum tipo de auxílio, porque isso já tinha ocorrido antes”.
Em relação ao comportamento da polícia da prisão ao presídio, os brigadistas disseram que não se opuseram a nenhum procedimento. E as cabeças (e barbas) raspadas, que chamaram tanto a atenção? Afinal, essa é uma prática comum em casos de presos condenados. Mas nenhum deles se importou com o significado que poderia ter essa ação radical.
João – o mais cabeludo e barbudo deles – contou que, apesar de não se opor ao procedimento, ficou bastante abalado. Revelou que não cortava o cabelo desde que soube da gravidez da esposa, há cerca de dois anos e que sua filha está com dez meses. Emocionado, desabafou: “Foi um grande baque para mim, eu não sabia se minha filha ia me reconhecer ao me ver”.
Gustavo afirmou que, “pessoalmente, o cabelo não é nada diante da injustiça contra nós. Agora, a gente espera ser inocentado o mais rápido possível”.
Campanhas e transparência
A Brigada de Incêndio de Alter do Chão foi criada em 2018 e faz parte da ONG Instituto Aquífero Alter do Chão, sem fins lucrativos. Seu objetivo é cooperar no combate a incêndios na região, com o suporte do Corpo de Bombeiros (inclusive no treinamento) e com o apoio de pessoas físicas voluntárias. E se trata de uma organização apartidária também, como fizeram questão de frisar no final do encontro. “Esta é uma premissa que está no primeiro artigo do nosso estatuto, porque acreditamos na ação, no nosso trabalho, no diálogo entre todos. Somos a favor da natureza e da vida”.
Uma das acusações às quais Daniel, João, Gustavo e Marcelo respondem se refere ao recebimento de doações internacionais, mais precisamente do WWF-Brasil, que não constam da declaração de doações do instituto. Eles explicaram que o envolvimento com a ONG se limita a um contrato de cooperação técnica, no início de outubro, que restringe a parceria à aquisição de equipamentos destinados à Brigada.
No processo, está indicada uma doação de R$ 70 mil feita por essa ONG, mas o processo não registra o contrato de cooperação técnica. O montante foi usado para comprar equipamentos, o que o WWF-Brasil confirma. Não é uma doação, portanto. Com um detalhe: o contrato foi firmado após a entrega da prestação de contas e os recursos recebidos serão consolidadas em um novo relatório e declarados até o final da primeira quinzena deste mês, conforme acordado com o WWF-Brasil.
“Pela natureza do Instituto, somos obrigados a trabalhar com transparência e cumprindo os requisitos de prestações de contas aos financiadores e parceiros e declarações aos órgãos competentes”, explicou Marcelo, que ressaltou que o instituto vem cumprindo rigorosamente com todas as exigências. Eles confirmaram que os documentos contábeis estão em dia e que não há discrepâncias nos valores recebidos, que incluem doações de outras ONGs e também de pessoas físicas, tanto do Brasil quanto do exterior. São muitos os doadores deste tipo. “Portanto, quaisquer discrepâncias alegadas são justificadas pelo cronograma de apresentação dos relatórios de prestação de contas, ainda em andamento”.
Periodicamente, a Brigada realiza campanhas de arrecadação de recursos para que ela possa manter o grupo bem equipado – são mais de 200 pessoas envolvidas – ou capacitar mais membros para enfrentar o fogo. Este ano, foram realizadas duas campanhas: uma para formar brigadistas, outra para comprar equipamentos de proteção individual. Falamos disso, aqui, no Conexão Planeta e convidamos nossos leitores a doar porque acreditamos nesse trabalho.
“A gente agora só quer continuar com esse trabalho e voltar à nossa vida normal”, é o desejo de Daniel, João, Gustavo e Marcelo. O nosso também.
Abaixo, assista à entrevista coletiva publicada no perfil da Brigada no Instagram.

Foto: Tiago Silveira/Divulgação