Ontem, foi publicado no Diário Oficial da União, mais um decreto assinado por Bolsonaro, que transfere a concessão de florestas públicas federais do Ministério do Meio Ambiente (MMA), de Ricardo Salles, para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de Tereza Cristina.
Agora, quem decide o destino dessas áreas protegidas é ela, o que representa mais um golpe na preservação ambiental e mais uma confirmação de que este governo está a serviço do agronegócio.
Desde que assumiu a pasta do meio ambiente, Salles tem feito um bom trabalho nesse sentido. Segue empenhado em destruir todos os mecanismos de proteção do meio ambiente: altera leis, flexibiliza ameaças, apoia invasores e destrói a estrutura dos órgãos de fiscalização, como o Ibama (exonerou chefes de fiscalização contra o desmatamento por cumprirem sua função) e o ICMBio (que, de tantos militares em postos de comando, ganhou o apelido de IPMBio). Mas o governo quer ir além, certamente, e, nas mãos da ministra pode ser mais rápido.
Inconstitucionalíssimamente
O convite de Bolsonaro à Salles para assumir o ministério, quinze dias depois de ter sido condenado pela justiça paulista por alterar mapas e favorecer mineradora em área de proteção ambiental, já indicava suas intenções. Portanto, não há porque nos surpreendermos com qualquer decisão tomada pelo presidente ou pelo ministro nos últimos 17 meses. Esta é apenas mais uma, que ambientalistas já disseram ser inconstitucional e que representa conflito de interesses prejudicial aos ecossistemas.
Segundo Flávio Ahmed, presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RJ, em entrevista ao Globo, o decreto vai contra a Política Nacional de Meio Ambiente, lei de 1981 que rege a gestão florestal, , entre outros fatores. Ele destaca também que um decreto, como esse, não pode alterar leis.
“O modo adequado para substituir a lei é através de um novo projeto de lei, que tramite pelo Congresso Nacional. A concessão da gestão de florestas é o modo como governo federal cede para terceiros a exploração de recursos ambientais de uma determinada área, mas impondo a obediência a normas de sustentabilidade. Para seguir este processo, o ministério precisa dominar diversas informações, como zoneamento da área concedida, as espécies que vivem ali e sua situação de vulnerabilidade. Não sei se o Mapa tem expertise para fazer este trabalho”.
Mercantilismo e falta de visão
Para o advogado, o decreto se traduz em retrocesso na política ambiental porque a floresta – vista nas últimas três décadas como um bem natural, é vista sob uma perspectiva mercantil, “como se o valor de uma árvore fosse condicionado à exploração de sua madeira”.
Trata-se de mais uma medida que declara a visão que o governo tem de nossas florestas: simples recursos disponíveis para exploração. Bolsonaro fez um decreto porque não quer ouvir a sociedade e não quer que parlamentares “deem pitaco” ou tenham a oportunidade de impedir que sua decisão siga o curso por ele desejado.
A falta de visão do governo e do agronegócio é inadmissível. Pelo Brasil afora, há áreas degradadas suficientes – reunidas, devem ser equivalentes ao tamanho de Minas Gerais – para atender aos anseios desse setor.
E mais: sem floresta, não há futuro para esse e outros tantos negócios, como sabemos, e o mercado internacional está se transformando. Por pressão dos consumidores, principalmente, compradores e investidores estão ignorando países que não apoiam medidas de proteção ao meio ambiente e de combate às mudanças climáticas. Estamos na contramão das duas questões.
Ajudinha para o Serviço Florestal Brasileiro
Para justificar a medida, o MAPA apenas declarou, em nota, que o novo decreto elimina “gargalos legais e administrativos” que afetam a implementação de funções do Serviço Florestal. “Esta importante política pública valoriza a floresta em pé e os povos da floresta, induz o aumento da legalização do setor madeireiro, apoia o combate a ações ilegais incluindo o desmatamento ou a grilagem de terras públicas, e ainda gera emprego e renda locais”.
Fiéis à cartilha de Bolsonaro, se valem de características muito distantes de seu plano antiambiental. Em resumo: mentem.
Vale lembrar que, logo no início do governo, o ministério do meio ambiente perdeu o Serviço Florestal Brasileiro para o MAPA, que deu a gestão do órgão ao ex-deputado Valdir Colatto, coautor do projeto de lei que defende a caça de animais silvestres, também em unidades de conservação.
Não falta coerência no governo de Bolsonaro. Todas as “peças” estão “azeitadas” para funcionar contra a preservação. Alguém tem alguma dúvida sobre isso, ainda?
Foto: Rafael Salazar/Imaflora
Fontes: O Globo, Folha de São Paulo, UOL