Como biólogo taxonomista (especialista que nomeia e descreve novas espécies de organismos), o paulistano Vinicius Ferreira viaja o mundo atrás de coleções científicas. Para suas pesquisas, elas são recursos preciosíssimos, já que servem como verdadeiras bibliotecas de seres vivos, contendo materiais – espécimes da fauna e da flora – coletados em várias partes do planeta, em diversos períodos da nossa história.
Foi assim que o brasileiro se deparou com um besouro inusitado na coleção da Universidade de Lund, na Suécia. O inseto foi achado pelo naturalista sueco Richard Baranowski, em Oaxaca, no México, em 1991, a uma altitude de 2.900 metros. Todavia, o pequeno ser com 2.9 mm (um terço de um centímetro) nunca tinha sido estudado ou descrito.
Entretanto, apesar de minúsculo, o besouro não passou despercebido pelo olhar atento de Ferreira, que logo viu nele algo inédito.
“Eu estava procurando outros besouros para minha pesquisa de pós-doutorado – na época sendo desenvolvida na Universidade de Copenhagen, na Dinamarca -, e estava focado na evolução de pedomorfia em besouros”, contou ele ao Conexão Planeta. “Mas logo percebi que aquele era um besouro macho, cuja principal característica era não ter asas nem élitros“.
Aquele realmente não era um besouro qualquer. Tratava-se de um novo gênero e consequentemente, uma nova espécie, jamais descrita pela ciência, que agora tem um nome oficial, o Xenomorphon baranowskii.
O besouro sem élitros
Mas para entender o que exatamente significa essa descoberta tão incrível, primeiro se faz necessário compreender o que são élitros. Contudo, antes disso, o biólogo nos dá uma pequena aula sobre essas criaturas.
“Besouros são o grupo de animais com o maior número de espécies conhecidas na face da Terra. Das cerca de 1,2 milhão de espécies descritas da fauna, quase 90% delas são insetos, e besouros correspondem por cerca de 40% de todas, com números variando de 350 a 400 mil espécies. E com novas descobertas aumentando, literalmente, todos os dias”, explica. “Apenas para termos de comparação, temos aproximadamente 11 mil espécies de aves descritas no mundo e uma média de 6.500 de mamíferos”.
O especialista revela que dentre as explicações para um número tão grande de espécies de besouros está o fato deles terem sobrevivido a grandes extinções em massa, incluindo aquela que matou os dinossauros 65 milhões de anos atrás.
Mas um dos fatores mais importantes que os ajudou a persistir tanto tempo é a estrutura característica de adultos de besouros: os élitros.
“Os élitros são a “capinha” característica que esses bichos têm. Esse tipo de carapaça protege os besouros de predadores e permite que eles consigam explorar ambientes que seriam impossíveis para outros insetos que voam, como lugares apertados, ambientes aquáticos (já que os élitros cobrem o sistema de respiração dos besouros impedindo que eles afoguem), e por tornarem estes insetos tanques de guerra blindados contra o ambiente externo”, diz o biólogo.
Todavia, a ausência de asas em besouros já havia sido observada em outras espécies.
“Na história de vida dos besouros, como resposta evolutiva ao ambiente em que eles estão expostos, vários grupos desses insetos perderam as asas membranosas (as que fazem eles voarem), ou tiveram os élitros reduzidos, porém, a nossa descoberta é a primeira a encontrar um adulto macho completamente desenvolvido que não possui élitros ou asas membranosas”, ressalta o pesquisador, que atualmente trabalha no Canadian Museum of Nature, em Ottawa.
A seta em vermelho mostra um dos élitros de uma outra espécie de besouro e
mais abaixo estão as asas membranosas
(Foto: Natural History Museum – Coleoptera Section from South Kensingon, London, UK,
CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons)
Mistério evolutivo
Ferreira e os demais colegas pesquisadores que assinam o artigo em que a nova espécie é descrita na publicação internacional Zoological Journal of the Linnean Society revelam que, embora não tenham uma explicação definitiva para a ausência de élitros no Xenomorphon baranowiskii, existe a hipótese de que ele pode ser afetado pela chamada síndrome de pedomorfia.
“A síndrome da pedomorfia tem como resultados indivíduos adultos que retem características encontradas em suas formas juvenis, o que no caso de besouros significa se parecerem com suas larvas – estas também não possuem élitros nem asas”, diz.
A outra suspeita levantada é relacionada ao tipo de vida que esses bichos possuem, vivendo em grandes altitudes.
“Muitas outras espécies de besouros e insetos localizadas em topos de montanhas possuem reduzida capacidade de voar, como resposta aos fortes ventos em grandes altitudes, o que se reflete em alguns casos com a ausência de asas membranosas, porém a completa ausência de élitros em machos era inédita”.
Alguns estudos anteriores conjecturam ainda que linhagens de organismos afetadas pela síndrome da pedomorfia possuem uma tendência maior a especiar, ou seja, a formar novas espécies, já que os indivíduos ficam muito isolados e não entram em contato com outras populações.
Um nome alienígena
Como o biólogo paulistano descobriu não somente uma nova espécie de besouro, mas também um novo gênero, ele pode escolher um nome para ambos. Decidiu por bem homenagear o naturalista que encontrou o inseto no México e o levou para a coleção na Suécia e também, um personagem da cultura pop.
O termo Xenomorphon, escolhido para nomear o gênero, vem do grego e significa “forma estranha”. Ele não só faz alusão à particular anatomia e morfologia do besouro mexicano, mesmo quando comparado com outros insetos, mas também por sua semelhança com outra criatura, bem mais aterrorizante, o Xenomorfo, o alienígena da famosa série de filmes de ficção científica Alien.
“A mensagem mais importante a se levantar aqui é a de que esse tipo de descoberta só foi possível devido à existência de coleções científicas. Milhares de descobertas que não recebem atenção alguma do público são feitas anualmente, graças aos esforços colaborativos de cientistas, coletores, curadores e diversos profissionais que se empenham e dedicam suas vidas a manter essas coleções, que são repositórios de saber e contém muitos mistérios ainda a serem desvendados”, finaliza Ferreira.
O personagem Xenomorfo, do filme Alien
(Imagem: divulgação 20th Century Fox)
Leia também:
Besouro de espécie invasora pode matar mais de 1 milhão de árvores nos EUA, alertam cientistas
Cientista britânico batiza besouro com nome de Greta Thunberg, em homenagem à jovem ativista
Espécie raríssima de besouro venenoso é encontrada no interior de São Paulo
Cor de besouro
Foto de abertura: Vinicius Ferreira