Suas cores não são das mais chamativas, nem o seu tamanho. Esses bagres em questão medem entre 5 e 20 cm, mas apesar disso possuem uma habilidade pouco comum entre outros peixes: eles conseguem escalar cachoeiras!
São dezenas de espécies deles que foram descritas desde 2020 por pesquisadores brasileiros. A maioria pertence ao gênero Trichomycterus, conhecidos como bagres neotropicais.
“Essas descrições fazem parte de um grande projeto, com vários trabalhos, envolvendo pesquisadores de diversas instituições do país”, explica o biólogo Wilson Moreira da Costa, professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Esse é um grupo de peixes muito pouco estudado. Eles são especializados em regiões montanhosas, em lugares altos, com muita correnteza e próximos a cachoeiras, e cada espécie ocorre numa área relativamente pequena”.
Por viverem em locais com difícil acesso, o trabalho em campo se torna bem mais complicado. Não se chega de carro, é preciso caminhar muitas horas, pedir permissão para entrar em áreas particulares… Há ainda a falta de especialistas que conseguem detectar a diferença entre as espécies.
Mas graças a esforços feitos nos últimos anos, está sendo possível conhecer mais sobre esses peixes, alguns que vivem escondidos embaixo de pedras e tocas, mas sempre em águas com baixa temperatura e bastante oxigenadas.
Já a capacidade de conseguir subir em cachoeiras se deve à uma característica muito peculiar que é possuir uma série de dentes, chamados de odontóides, situados fora da cavidade bucal. Como são bastante numerosos e pontiagudos, esses bagres os utilizam para escalar as cachoeiras.
“Pelas fendas das rochas, eles vão rebolando, fazendo movimentos com a cabeça e apoiando os odontóides nessas cavidades, e assim conseguem escalar. Sempre com o fluxo de água contra eles”, revela o pesquisador. “Com isso eles colonizam áreas que nenhum outro peixe colonizou, é uma vantagem evolutiva. Ali não há competição com outros peixes. São totalmente soberanos”.
Novas espécies de bagres no Triângulo Mineiro
Um dos muitos trabalhos citados mais acima por Costa, que culminou mais recentemente na publicação de um artigo científico, foi a descrição de seis novas espécies encontradas da bacia do médio Rio Grande, das quais duas são provenientes de um riacho em Veríssimo, em Minas Gerais. Entre esses bagres está o Trichomycterus uberabensis, que recebeu esse nome por ser observado na bacia do rio Uberaba.
Todas essas espécies sendo estudadas ocorrem em regiões de serra do Sul e Sudeste do Brasil, nos biomas Mata Atlântica, Pampa e Cerrado.
“Estou trabalhando ainda em mais espécies não descritas. São totalmente inéditas, nunca receberam um nome. Algumas já estavam em coleções e outras descobertas a partir de coletas muito recentes”, revela Costa. “Existe uma diversidade absurda escondida nas nossas montanhas”.
Para conseguir fazer a descrição científica de cada nova espécie, especialistas realizam um trabalho minucioso. Analisam todas as informações morfológicas e ecológicas de cada espécime, estudam todos os seus ossos e fazem ainda o sequenciamento do DNA.
“É uma base de dados muito robusta. Muito mais do que se via no passado, quando os peixes eram analisados apenas pelas suas características externas. Hoje percebemos que muitas vezes as estruturas internas, as ossificações e as musculaturas são completamente diferentes”, diz o biólogo.
O Trichomycterus coelhorum, uma das espécies descobertas no Triângulo Mineiro
(Foto: reprodução artigo científico)
Apesar dessa biodiversidade gigantesca, o pesquisador ressalta que muitas dessas populações de bagres são extremamente reduzidas, devido ao desmatamento, um nível elevado de poluição em riachos de montanhas, construção de barragens e implantação de sistema de drenagens.
“Essas espécies são endêmicas de regiões bastante pequenas, geralmente restritas a algumas cabeceiras e trechos de rios”, ressalta o pesquisador.
Para ele, a descrição é apenas um primeiro passo.
“Estamos dizendo ao mundo que elas existem. A partir daí outros cientistas podem entender mais sobre processos naturais, propriedades que esses organismos porventura usufruam e que, eventualmente, possam até ajudar o próprio ser humano, nas indústrias farmacêutica ou de cosméticos. O importante é saber que existem entidades que ainda são desconhecidas pela nossa ciência e temos muito pela frente para descobrir”.
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Foto de abertura: reprodução artigo científico
Já vi um na minha cidade, estou observando ele direto!