
Por Nicoly Ambrosio* (com colaboração de Luciana Olivieria/Rondônia)
O Tribunal do Júri de Rondônia condenou, ontem (15), o comerciante João Carlos da Silva, também conhecido como Guiga, acusado pelo brutal assassinato do professor e líder indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, em abril de 2020.
O julgamento ocorreu no município de Jaru e o réu tem direito a recorrer. Ele foi condenado a 18 anos de prisão por homicídio qualificado, em regime inicial fechado.
Ari morava na aldeia 621 Jaikara, na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, e era conhecido por ser parte da equipe de vigilantes Guardiões da Floresta, que protege o território indígena e combate invasões de madeireiros e grileiros.

Foto: Gabriel Ushida/divulgação
O líder indígena foi encontrado morto na margem esquerda da estrada estadual RO 010, km 12, no distrito de Tarilândia. O corpo tinha sinais de espancamento na cabeça e no pescoço.
A denúncia oferecida pelo Ministério Público de Rondônia afirma que o assassino usou dois instrumentos para matar Ari, um contundente e um pérfuro-cortante. Na noite de 17 de abril, o líder indígena passou no bar do denunciado e João Carlos ofereceu bebida para a vítima que, inconsciente, foi brutalmente assassinada.
O documento diz, ainda, que o denunciado arrastou o corpo de Ari, possivelmente em uma moto com “carretinha”, e levou o veículo para outro local, com o objetivo de atrapalhar a investigação. Deixou o corpo de Ari de um lado e a motocicleta do outro.
A partir dos elementos colhidos no inquérito policial, o MP concluiu que houve a participação de uma terceira pessoa. Contudo, não foi possível comprovar a autoria.
Como relatou a agência Amazônia Real na ocasião do crime, inicialmente a Polícia Civil disse ter dúvidas sobre se a morte havia sido por homicídio. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) constou como “indefinida [sic] a consequência do óbito do indígena”. Os Uru-Eu-Wau-Wau rebateram a suspeita desde o começo afirmando que Ari havia sido assassinado.
Boroap Uru-Eu-Wau-Wu, viúva de Ari, relatou em entrevista à Amazônia Real que, na época do crime, ninguém queria contar a ela sobre o ocorrido. “Fui para uma aldeia nova e sofri bastante na época”, lembra.
O assassino de Ari é acusado por outro crime de homicídio, que aconteceu em 2021. O caso do crime contra o líder indígena chegou a ser tratado em âmbito federal. Em agosto de 2022, a Polícia Federal concluiu as investigações e apontou que a morte do ativista “não tem ligação com crimes ambientais”. Segundo a PF, Ari foi morto porque o suspeito estaria incomodado com a presença dele na região.
O julgamento do réu foi transmitido ao vivo pelo site do Tribunal de Justiça de Rondônia. A primeira etapa foi reservada aos depoimentos das cinco testemunhas de acusação, incluindo Mandeí Uru-Eu-Wau-Wau e Tejubi Uru-Eu-Wau-Wau, irmã e sobrinha de Ari, respectivamente. Também foi ouvida uma testemunha de defesa.
Ramires Andrade de Jesus, assistente da acusação, afirmou que não há dúvidas sobre quem cometeu o crime. “Pelo que nós vimos aqui, eventualmente, isso já está confirmado”.
Acusado nega crime
Os debates entre acusação e defesa abalaram os indígenas presentes ao julgamento, sobretudo quando fotos do corpo no laudo pericial foram apresentadas. Uma parte deles deixou o plenário.
Em depoimento emocionado, a irmã de Ari, Mandeí Uru-Eu-Wau-Wau, relembrou sua personalidade gentil e corajosa. “Eu fico sem entender, até hoje, por que foi tirada a vida dele daquele jeito. Ele era um menino bom, que sempre defendeu nosso território e sempre lutou”, contou.
Na denúncia do Ministério Público Estadual (MPE/RO), Mandeí foi ouvida em juízo como informante. Ela disse que suspeita que seu irmão tenha sido morto porque era defensor das terras indígenas e que João Carlos Silva o matou a mando de uma terceira pessoa. Mandeí ainda contou que Ari frequentava o bar do Guiga, mas só nos finais de semana.
O réu, assistido pela Defensoria Pública de Rondônia, negou ter matado a liderança indígena. Silva afirmou, em depoimento, que “falaram por aí” que Ari havia sido assassinado por invasores do território Uru-Eu-Wau-Wau, mas não citou nomes.
O promotor Roosevelt Queiroz, representante do Ministério Público, apresentou provas testemunhais e de escutas telefônicas autorizadas com diálogos entre a mãe e o irmão do acusado. Ele destacou a vida pregressa do réu, que inclui outras investigações por homicídios e violência doméstica, além da condenação pelo assassinato do cunhado em 2021.
A defensora pública Danilla Neves, que acompanhou o réu, apontou a falta de provas e criticou a investigação do crime. Para ela, o que consta nos autos não são provas suficientes para uma condenação.
Com intensa campanha nas ruas e nas redes sociais, os indígenas exigiram a condenação do réu e perguntaram: quem mandou matar Ari?
Para Ivaneide Bandeira, a Neidinha, fundadora da Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental, a expectativa era de que o assassino fosse condenado à pena máxima. Ela acompanhou o julgamento “O Ari era um defensor da floresta, era um guardião da floresta”, destacou.
Legado do guardião
A morte de Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi um dos episódios mais marcantes do premiado documentário O Território, vencedor do Emmy 2023.

Foto: divulgação
Coproduzido pelos indígenas e com produção executiva da jovem liderança Txai Suruí, o filme retrata a luta contra o desmatamento na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau.
A liderança indígena também se tornou inspiração para arte de rua que representa sua resistência. Em janeiro de 2023, o artivista Mundano produziu mural de 600 m² na empena de um edifício no centro da capital paulista, em homenageou Ari Uru-Eu-Wau-Wau (foto abaixo).
Terra e cinzas de queimada da Amazônia foram matérias-primas para a fabricação das tintas utilizadas por Mundano.

Foto: Amauri Nehn, reprodução do Instagram de Mundano
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* Este texto foi publicado no site da agência Amazônia Real em 15/4/2024
Foto: Gabriel Ushida/divulgação