Um crime hediondo e sem sentido foi cometido na noite de 27 de setembro contra a árvore mais icônica da Inglaterra: a Sycamore Gap (Acer pseudoplatanus), que, em 2016, concorreu com outras 200 espécies e ganhou a competição de Árvore Inglesa do Ano, criada pela Woodland Trust*.
Localizada na Muralha de Adriano – que fica ao norte do país (próximo da atual fronteira com a Escócia), dentro do Northumberland National Park e é um importante ponto turístico – a árvore de mais de 200 anos (dizem que são mais de 300) ficou famosa em 1991 com o filme Robin Hood: Príncipe dos Ladrões, protagonizado por Kevin Costner.
Numa das principais cenas do filme (que você pode ver no final deste post), Costner (Robin Hood) e Morgan Freeman (o mouro Azeem) conversam enquanto andam pela muralha, até que chegam a Sycamore. Param por alguns minutos sob sua copa – Hood chega a arrancar-lhe um pequeno galho de tão próximo que está de seus galhos mais baixos – e depois seguem viagem.
Nessa sequência, a majestosa árvore pode ser vista de distâncias e ângulos diversos, no que poderíamos chamar de “uma ponta” de respeito no filme que arrecadou 390 milhões de dólares (cerca de 1 bilhão de reais) nas bilheterias de todo o planeta.
Como não ficar famosa com tanta visibilidade? Não é à toa que também ficou conhecida como A Árvore de Robin Hood.
Sycamore Gap está entre as árvores mais fotografadas do Reino Unido (selecionei algumas imagens bonitas que encontrei para ilustrar este post, no final), mas infelizmente voltou ao noticiário, com destaque, porque amanheceu tombada em 28/9.
Assim, que a polícia chegou ao local, instalou uma fita de isolamento azul e branca e orientou visitantes a ficarem longe dali. Em suas redes sociais, o Parque Nacional de Northumberland também solicita a seus visitantes que evitem passar pelo local.
O crime e as investigações
Os suspeitos do “ato deliberado de vandalismo”, como denominaram os investigadores do caso, são um adolescente de 16 anos e um homem de 60 anos.
O jovem foi preso no dia seguinte ao crime, mas liberado após pagamento de fiança. O homem foi preso ontem, 29/9, e, segundo o jornal britânico The Guardian, está sob custódia policial, “auxiliando os policiais nas investigações”.
Segundo repórteres da agência AFP, parte da árvore apresentava marcas de tinta branca e parecia ter sido cortada com uma serra elétrica. O que foi confirmado, no X (ex-Twitter), por Steven Bridgett, parlamentar local: “Ela foi definitivamente cortada com uma serra elétrica”.
Repercussão
Rebecca Fenney-Menzies, inspetora-chefe da polícia de Northumbria (que engloba o extremo norte da Inglaterra e o sudeste da Escócia) contou à reportagem do The Guardian que “a destruição sem sentido do que é, sem dúvida, um marco de renome mundial – e um tesouro local – resultou, com razão, numa onda de choque, horror e raiva em toda a região e além”.
E, por isso, solicitou ao público que “evite qualquer especulação tanto na comunidade como nas redes sociais”, visto que a investigação ainda está no início.
Também destacou que qualquer informação do público é importante para ajudar a esclarecer o crime. “Se você viu ou ouviu algo suspeito que possa ser do nosso interesse, imploro que entre em contato conosco”.
Por fim, Rebecca declarou que espera que o adulto suspeito e preso colabore com a mesma seriedade que os policiais comprometidos nessa missão têm empreendido para que “os responsáveis sejam identificados e levados à Justiça”.
Tony Gates, executivo-chefe do Parque Nacional de Northumberland, disse à Agência AFPque parecia que a árvore havia sido derrubada deliberadamente. “É realmente triste que alguém tenha assumido a responsabilidade de cometer um ato realmente terrível de vandalismo. Não podemos, neste momento, especular sobre (por) quem ou por que isso aconteceu”.
Gates contou que a sensação que ele e voluntários do parque sentiram foi de uma grande perda e que muitas pessoas choraram com a notícia porque, para algumas, a árvore era um local especial que marca datas especiais e a realização de festividades familiares. “Algumas pessoas podem ter espalhado as cinzas de entes queridos aqui”.
Chamando o crime de “sem sentido”, Kim McGuinness, Comissário de Polícia e Crime de Northumbria, acrescentou: “Sycamore Gap era um lugar de memórias felizes e comoventes para milhões de pessoas e um símbolo de lar para pessoas em todo o mundo”.
Ao jornal The Times, John Parker, presidente-executivo da Associação Arborícola, disse que “a onda de choque e raiva foi um lembrete da importância cultural das árvores para as pessoas”. Mas Jack Taylor, ativista do Woodland Trust, retrucou, comentando que “muitas espécies antigas não têm proteção legal”.
Mary Fox, deputada local, tratou o crime como “ato de vandalismo ridículo” e “doloroso”. E completou: “Este é dia muito triste para a icônica Sycamore Gap, que causará dor a tantas pessoas em todo o país e até no mundo”.
Petição online
Logo que soube do crime contra Sycamore Gap, a Woodland Trust lançou uma petição online convocando o público a reivindicar junto aos governos do Reino Unido, da Escócia, do País de Gales e da Irlanda do Norte a proteção das árvores mais antigas, centenárias e mais importantes, além de apoiar os gestores das terras que as abrigam.
Se você conhece alguém que mora num desses lugares, compartilhe esta campanha. Lembre-se que “leva séculos para uma árvore crescer e apenas alguns instantes para alguém derrubá-la”.
Memorial
“Estamos profundamente tocados com todas as mensagens de apoio e ideias que continuamos a receber”, destaca o Parque Nacional de Northumberland em suas redes sociais. “Sabemos que tanto a árvore como a Muralha são importantes para muitas pessoas, por isso, pedimos a todos que, por favor, permitam ao Parque Nacional e aos nossos parceiros o tempo e espaço necessários para progredir com os próximos passos”.
A instituição criou um espaço na sala de celebração do The Sill: National Landscape Discovery Centre (Centro Nacional de Descoberta de Paisagens) para que as pessoas deixem suas homenagens e memórias para Sycamore Gap. Quem sabe será criado um memorial natural no mesmo local que a acolheu por tantos anos…
A muralha
A construção da Muralha de Adriano foi iniciada no ano 122 (depois de Cristo) durante o reinado do Imperador Adriano para marcar a fronteira entre a Britânia romana e a invicta Caledônia ao norte.
Milhares de soldados e suas famílias viveram ao longo da muralha, deixando, no local, estruturas e itens que possibilitaram aos arqueólogos ter uma visão profunda da vida romana nos limites ao norte do seu império.
Um marco internacional que, em 1987, recebeu o título de Patrimônio Mundial da Unesco.
Antes de assistir ao trecho de Robin Hood em que Sycamore Gap aparece, veja algumas das imagens dessa árvore tão amada por turistas e moradores locais, registradas por visitantes, que selecionei durante minha pesquisa. São homenagens eternas.
No filme Robin Hood
A seguir, a partir de 2’18” (dois minutos e dezoito segundos), assista às cenas em que Kevin Costner e Morgan Freeman percorrem a Muralha de Adriano. Em dado momento, Costner para exatamente abaixo da copa de Sycamore Gap.
No filme, a famosa árvore serviu de cenário perfeito para diversas cenas que são bons registros de sua beleza e exuberância, que, agora, são apenas boas lembranças.
Foto (destaque): montagem Clementp1986 (Wikimedia Commons) e Parque Nacional Northumberland
* Woodland Trust é a maior instituição de caridade e de conservação de florestas no Reino Unido, que trabalha na criação, proteção e restauração do patrimônio florestal nativo.