No dia 3 de março, 52 ararinhas-azuis chegaram ao aeroporto de Petrolina, em Pernambuco, vindas de Berlim, e de lá seguiram para um centro de reintrodução, construído especialmente para elas, em Curaçá, na Bahia, dentro de uma Unidade de Conservação.
Era o primeiro passo de um longo processo, que durou muitos anos, para permitir a reintrodução dessa ave em seu habitat natural.
Espécie endêmica do Brasil, ou seja, ela só existe (ou melhor, existia) em nosso país e em nenhum outro lugar do mundo, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) foi vítima do tráfico ilegal de aves e a cobiça de grandes colecionadores europeus. Fascinados pelo sua beleza e azul vibrante, eles não economizaram esforços (e muito dinheiro) para poder ter um exemplar da famosa arara brasileira.
Com isso, a ararinha-azul acabou sendo extinta no país. O último indivíduo voando livre, na natureza, foi observado por volta do ano 2000.
As ararinhas que estão agora na Bahia nasceram em cativeiro na Europa, parte de uma parceria entre o governo brasileiro e a Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), na Alemanha, e também, a Pairi Daiza Foundation, na Bélgica.
Depois da chegada na Bahia, foi necessário que as aves passassem por um período de quarentena, para garantir que nenhum indivíduo estivesse doente e não houvesse risco de transmissão de patógenos (vírus ou bactérias) para as espécies locais, que já vivem na região.
Há poucos dias, o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade – ICMBio, órgão vinculado ao ministério do Meio Ambiente, responsável pelo Plano de Ação Nacional a Conservação da Ararinha-azul, divulgou que a quarentena acabou e as aves foram liberadas na semana passada para um aviário externo.
O recinto possui uma dupla camada de proteção para permitir que as ararinhas tenham contato com o clima da Caatinga e também, para protegê-las do possível ataque de outros animais.
O ambiente tem galhos, folhas e outras estruturas que devem auxiliar no gradativo processo de reintrodução da espécie no bioma. Segundo o ICMBio, aos poucos, serão oferecidos mais frutos e sementes locais para que quando as aves forem soltas saibam o que comer.
“O processo de isolamento aos humanos é fundamental nesta fase para evitar que as ararinhas fiquem mansas e de fácil captura por traficantes, sendo assim, visitas ao centro são restritas”, explicam os pesquisadores.
O próximo passo para a reintrodução será realizar a soltura de algumas delas com maracanãs (outra espécie de psitacídeo que possui hábitos semelhantes às ararinhas-azuis).
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*Nós, do Conexão Planeta, torcemos muito pelo sucesso de reintrodução da ararinha-azul no Brasil! Mas por uma questão de ética jornalística e coerência com nosso trabalho, não podemos deixar de mencionar que a volta da espécie ao país envolve diversas acusações ao proprietário da ACTP, Martin Guth.
Em 2018, uma denúncia do jornal britânico The Guardian levantou uma série de fatos sobre Guth e Association for the Conservation of Threatened Parrots. De acordo com a reportagem, o alemão, que ficou preso durante 5 anos por crimes de extorsão e sequestro, poderia ter envolvimento com tráfico ilegal de aves.
O Conexão Planeta repercutiu a denúncia no Brasil e fez várias matérias sobre o assunto. Descobriu que muitos biólogos e criadores no país já tinham ouvido falar sobre a má fama de Guth, mas todos relataram medo em denunciar o criador (leia mais aqui).
Há uma petição internacional, que já tem 54 mil assinaturas, que pede uma investigação ao governo alemão sobre o criador de aves ameaçadas. Mas segundo o Bundesamt für Naturschutz (BfN), Agência Federal para a Conservação da Natureza da Alemanha, não há indícios de ilegalidade no trabalho da associação.
Procurado pelo Conexão Planeta, o ministério do Meio Ambiente, ainda sob a gestão de Edson Duarte e atualmente sob o comando de Ricardo Salles, nunca se posicionou sobre as denúncias.
Recentemente, em entrevista por e-mail, Martin Guth disse que sua ficha criminal está limpa e prefere não envolver sua vida pessoal com o projeto das ararinhas.
Entretanto, entidades de conservação internacional, como a Rare Species Conservatory Foundation, dos Estados Unidos, alegam falta de evidências e cooperação científica, além de transparência no trabalho da ACTP, principalmente porque não se sabe a origem do dinheiro que o financia.
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Fotos: reprodução Facebook ICMBio/ACTP