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Ângelo Machado, cientista, escritor e “um grande líder da conservação da biodiversidade”, morre aos 85 anos

Confesso que ainda não tinha ouvido falar de Ângelo Machado, até que o biólogo e amigo querido, José Sabino, me avisou de seu falecimento, ontem. E acrescentou: “Ele era um gênio da comunicação. Uma das pessoas mais marcantes que conheci”. Rapidamente fui atrás de informações. Precisava saber quem era essa figura tão respeitada por Sabino, que ainda o chamou de “um grande líder da área da conservação da biodiversidade”.

Pois bem, Machado é tudo isso e mais um pouco. Me encantei ao descobrir que ele fez tanto, e lamentei não tê-lo conhecido em vida. Sua trajetória não cabe neste post, mas vou tentar contar um pouco sobre o grande legado que deixou, em áreas tão diversas.

O mineiro Ângelo Barbosa Monteiro Machado nasceu em 22 de maio de 1934 e tinha numerosos talentos. Era escritor, dramaturgo, professor, cientista, médico, ambientalista e entomólogo (especialista em insetos), considerado uma das pessoas mais queridas e respeitadas de Belo Horizonte.

Apaixonado por libélulas, dizia que era “o bicho mais bonito do mundo, depois de sua mulher”, a pesquisadora Conceição Ribeiro da Silva Machado, falecida em 2007. Há quatro anos, doou sua coleção de libélulas, a maior da América do Sul, para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): tinha mais de 35 mil exemplares e 1.052 espécies, reunidas desde que ele tinha 16 anos, ao longo de 65 anos de pesquisas.

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Lecionou até o ano passado, como professor voluntário

Formado pela faculdade de medicina da UFMG – com pós-doutorado na Northwestern University, em Chicago – costumava brincar que, “para a sorte dos doentes”, não exerceu a profissão. Dedicou-se à pesquisa e, em 1960, mudou o conceito sobre lesões do sistema nervoso autônomo na doença de Chagas. Também criou o Laboratório de Neurobiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais e o Centro de Microscopia Eletrônica. Em 1987, aposentou-se. Mas não para descansar.

No mesmo ano, prestou novo concurso para docência e tornou-se professor adjunto de Zoologia, em entomologia. Na nova profissão, descreveu 48 novas espécies e quatro gêneros de libélula. Devido à sua dedicação aos insetos, seu nome foi incorporado a 27 seres vivos entre libélulas, borboletas, besouros, aranhas… mas não só: amigos pesquisadores o homenagearam dando seu nome a um fungo.

Se aposentou em 2004, mas manteve o vínculo com a universidade: preferiu ficar como professor voluntário do que ser incluído na categoria de inativo. E, assim, continuou dando aulas até o primeiro semestre do ano passado, no Departamento de Zoologia da UFMG. Com uma peculiaridade: tinha a voz fanhosa e era conhecido por isso. Bem humorado, contava que muita gente dizia que ele não poderia ser professor por causa disso. “Dei aulas, fanhoso, durante 55 anos. Os alunos se acostumam logo”.

Foi ambientalista e dirigiu a Fundação Biodiversitas, ONG especializada na conservação de espécies ameaçadas de extinção. Também foi secretário regional e integrante do conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Também criou o Laboratório de Neurobiologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e o Centro de Microscopia Eletrônica

Nos anos 1980, Machado integrou o grupo que elaborou o projeto da revista Ciência, Hoje, das Crianças (hoje comandada por Roberto Carvalho). A sucursal mineira funcionou durante anos no Laboratório de Entomologia, coordenado por ele no Instituto de Ciências Biológicas.

Ensinou sobre a natureza para crianças e adolescentes

Escreveu quase 50 livros. Seu público favorito era composto por crianças e adolescentes – para os quais falou muito da natureza. Entre os prêmios que recebeu estão o Jabuti de literatura infantil, pelo livro O Velho da Montanha, uma Aventura Amazônica (1993) e o Sesc-Sated de melhor texto de teatro infantil, pela peça O Casamento da Ararinha-Azul (1997), que ainda se transformou em curta de animação em 2012.

Nessa produção, mais um talento de Machado se revelou: o de compositor. A canção Não Sei Viver Sem Seu Amor, que ele havia composto em homenagem à mulher, dona Conceição, foi incluída na trilha-sonora do filme.

Machado também flertou com o teatro: sete de seus livros foram transformados em peças de teatro, como a comédia Como Sobreviver em Festas com Buffet Escasso, com Carlos Nunes, e, em outubro do ano passado, seu último espetáculo, A Comédia dos Defuntos sem Cova. Em 2015, lançou seu primeiro livro para adultos, Borboletas eróticas.

Ocupava a cadeira 26 da Academia Mineira de Letras, fundada por José Eduardo da Fonseca e que já havia sido ocupada por Mário Casassanta, Henriqueta Lisboa, Lacyr Schettino, João Batista Megale e Bartolomeu Campos de Queiroz. Também era membro da Academias Brasileira de Ciências e da Academia Mineira de Medicina.

Livro de memórias, inacabado

Ângelo Machado estava internado desde o dia 3/4 devido a complicações de saúde. Um dos filhos, Paulo Augusto, contou ao site O Tempo: “O papai estava com uma degeneração muscular muito séria há um tempo e estava sendo assistido 24 horas. Por conta disso, estava tendo dificuldades para se locomover, além de deglutir, de respirar. Na sexta, ele aspirou o próprio refluxo e acabou sendo internado”.

Parecia se recuperar bem, mas teve uma parada cardíaca na manhã de ontem. Ao apresentador Jô Soares disse, em dezembro de 2015: “Pretendo chegar aos 100. Mas quando chegar aos 99, peço prorrogação”.

O pesquisador deixa um livro de memórias inacabado. “O livro já estava quase no final. Vou reunir meus irmãos e, quem sabe, concluí-lo, até como uma forma de homenageá-lo”, revelou.

Fontes: O Tempo, G1

Foto: Ramon Lisboa/Divulgação/UFMG

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