“Amazônia: seu verde úmido e sufocante revela a imensidão da vida em poucos segundos”


Maria Fernanda Ribeiro é jornalista e, assim como eu, ouviu o chamado da floresta.

Sem saber como seria, sem garantias, sem muito planejamento, ela se jogou rumo à maior aventura de sua vida. O ‘ano sabático’ todo aconteceu ali, dentro da Amazônia, por vários Estados e com direito a boas paradas em comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas. Ela foi para a floresta e, apesar de não morar mais lá, assim como eu, nunca mais voltou.

Neste post, reproduzo a conversa deliciosa que tivemos sobre sua experiência:

Como vc se envolveu com a Amazônia?
A primeira vez em que pisei na Amazônia foi em janeiro de 2016. Meu pai tinha morrido dois meses antes e um primo, que mora em Alter do Chão e trabalha com turismo, me convidou para passar uns dias com ele. Eu nunca tinha ouvido falar de Alter do Chão, mas sabia que, se meu primo morava lá, só podia ser bom. Aceitei o convite.
Um dia antes de embarcar, ele me liga e diz que não ia mais poder ficar comigo naqueles 15 dias de férias porque havia surgido uma viagem com clientes pelo rio Tapajós. Disse que não havia problema, que eu poderia ficar sozinha, mas sugeriu que eu pegasse carona com ele no barco e fosse até uma comunidade ribeirinha chamada Atodí, no rio Arapiuns, e passasse uns dias lá.
Ele conhecia bem aquela comunidade e me apresentaria para as pessoas. Topei. Então, no dia seguinte, quando cheguei ao aeroporto de Santarém, fomos imediatamente ao porto pegar o barco que nos levaria até a comunidade. Chegamos lá quase nove horas depois. Já era noite.
Me apresentou para a comunidade, me entregou uma rede (eu nunca tinha dormido em uma) e partiu com a orientação de que, em três dias, passaria um barco de linha por lá e eu poderia pegá-lo para voltar para Santarém e nos encontrarmos de novo em Alter do Chão.
No primeiro dia, curti um ócio misturado com tédio naquela natureza imensa sem internet ou telefone. Resolvi que não poderia passar todos os dias lá assim e decidi me envolver com a comunidade. Saí para caminhar, entrar nas casas, brincar com as crianças, conversar com os velhos. E foi aí que tudo começou a mudar na minha vida, pois conheci pessoas que viviam totalmente diferente dos grandes centros, com outros valores, outros desejos e anseios, outras necessidades. Que se relacionavam com a natureza, com laços familiares efetivos. Ao voltar para São Paulo, nada mais fez sentido para mim e comecei a organizar minha partida para iniciar uma jornada floresta adentro.
O que você sentiu na primeira vez em que pisou na floresta?
Meu primeiro contato com a floresta foi o rio Tapajós e lembro de ter me feito a seguinte pergunta, já nos primeiros segundos em que comecei a navegar por ele: onde é que eu estive até agora que ignorei, por tantos anos, este Brasil todo? Me senti ignorante politicamente, economicamente, geograficamente e uma jornalista que sabia pouco da vida além daquela bolha classe média na qual eu estava inserida.
Como você começou a se relacionar com os povos indígenas?
Minha jornada pela Amazônia começou em uma aldeia indígena no Acre. Fiquei amiga do cacique e ele me apresentou para as lideranças de outras etnias, que me recebiam muito bem. E assim conheci nove etnias (se não me engano) em diferentes Terras Indígenas.
Também conheci comunidades quilombolas, de produtores de açaí, ribeirinhos etc. Mas realmente, no ano que passei na Amazônia, convivi mais com os povos indígenas. Criei laços com eles, fiz amigos, participei de rituais muito especiais, registrei a rotina deles. E sinto saudades, muitas saudades.
E os medos que todo mundo manifesta sobre a Amazônia? O que você pensa sobre isso?
Acredito que o medo vem do desconhecido. Eu ouvi muito antes de ir para lá sobre como eu ia lidar com a malária, febre amarela, cobras, mosquitos, alimentação. Eu tentei me envolver pouco com isso para que o medo não se tornasse um obstáculo psicológico que pudesse barrar a viagem, ou que me fizesse desistir, ou que fizesse com que eu chegasse lá cheia não só de medo, mas de preconceitos. Fui de coração aberto para enfrentar o que viesse. E, apesar das dificuldades, porque, sim, elas existiram, fui recompensada por todo o acolhimento da floresta e de seus povos.
Fale um pouco também sobre os preconceitos que muita gente tem contra os povos indígenas. Como superá-los?
O preconceito vem da ignorância. E quando digo ignorância é no sentido mais genuíno da palavra. É preciso conhecer para saber e entender. Eu era como a maioria dos brasileiros antes de ir para a Amazônia. Não tinha interesse pelos povos indígenas ou por temas relacionados a eles, como demarcação de terras, direitos etc. Lia notícias sobre a usina de Belo Monte e isso não me afetava.
Hoje, depois de ter conhecido de perto a realidade desses povos e a maneira como eles se relacionam com a floresta, tudo mudou. O que eu mais quero é contar essas histórias e tentar aproximar o brasileiro comum dessas vidas que parecem não nos pertencer, e mostrar que estamos todos relacionados. É preciso ainda entender a história desses povos: do contato com os brancos, das interferências das missões religiosas, das grandes obras que os aproximaram das cidades. Só o conhecimento é capaz de superar preconceitos.
Qual tem sido seu maior aprendizado na relação que desenvolveu com a floresta e os povos que a habitam?
O maior aprendizado é que não devemos impor um modelo de sociedade para os outros, que acreditamos ser boa para nós.
Como era a Maria Fernanda antes e como é a Maria Fernanda depois da Amazônia?
Aquela Maria Fernanda não existe mais. Costumo dizer que surfei a maior onda da minha vida e não tem mais como voltar a ser o que um dia fui. Mudei minha relação com o consumo, com a alimentação, com as pessoas. Aprendi que cada um tem sua bagagem e sua história e é preciso respeitá-las antes de julgar o que, no seu conceito, é certo ou errado.
Conte um pouco sobre seu trabalho pela floresta e por seus povos?
Meu objetivo ao conhecer os povos da floresta foi para conhecer e compartilhar suas histórias. Como vivem, como se relacionam, como lidam com o dinheiro, como vivem longe dos grandes centros. Criar empatia. Aproximar as pessoas.
Nas comunidades indígenas por onde passei, eu ia sem nenhuma pauta definida. Pedia apenas para ficar lá e acompanhar o dia a dia deles. Participar da rotina. Ia às escolas, brincava com as crianças, conhecia os roçados, comia o que eles comiam.
As fotos que tirei por exemplo…, eram raras as ocasiões em que eu pedia para eles pararem o que estavam fazendo para serem fotografados. A luz podia estar ruim, o cenário não ser o ideal, mas eu não me importava. Meu objetivo era mostrar a realidade desses povos como ela é.
Por quais caminhos você imagina ser possível reconectar as pessoas afetivamente com a região Norte do Brasil?
Acredito que o caminho seja aproximar as pessoas da Amazônia. É praticamente impossível ir para lá e voltar impávido, como se nada tivesse acontecido.
A última viagem que meu pai fez antes de morrer foi para a Amazônia. Ele e minha mãe saíram nesses barcos para conhecer os rios Negro e Solimões. Naquela época, eu não entendia porque meu pai queria fazer tanto aquela viagem, pois eu não tinha a menor curiosidade pela floresta.
Quando eles voltaram, liguei para o meu pai pra saber da viagem e ele disse: Foi a melhor da minha vida. Já posso até morrer. Hoje, eu entendo o que ele quis dizer com isso.
Em um tweet, Maria Fernanda escreveu para seus seguidores o que resume bem o afeto que tem pela floresta:
“Amazônia vale a pena por que… seu verde úmido e sufocante vai te mostrar a imensidão da vida em poucos segundos”.

Fotos: Álbum pessoal

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Karina Miotto

Conectada com a força da floresta – guiada, protegida e inspirada por ela. Jornalista ambiental, educadora e fundadora do Reconexão Amazônia. Há mais de uma década tem se dedicado a proteger a Amazônia, onde morou por cinco anos. Mestre em Ciências Holísticas pela Schumacher College, Inglaterra, é formada em Educação para a Sustentabilidade pelo Gaia Education e Vivências com a Natureza pelo Instituto Romã.