Texto atualizado às 22h
Alessandra Korap contou há pouco, em live no seu perfil no Instagram, nos bastidores da cerimônia de entrega do prêmio, que a presidente da Funai, Joenia Wapichana, assinou o documento de homologação do território Sawré Muybu do povo Munduruku. Agora, faltam as assinaturas da ministra Sonia Guajajara e do presidente Lula, o que pode acontecer durante o Acampamento Terra Livre, esta semana. Na torcida!
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Hoje, 24 de abril, Alessandra Korap, liderança do povo Munduruku, que vive no Pará, revelou, em seu Instagram, que gostaria de estar em Brasília na companhia de ‘parentes’ de todas as regiões para inaugurar o 19º Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena do país, que vai até a próxima sexta-feira, 28/4.
Mas ela está muito longe da capital – em São Francisco, Califórnia, nos EUA – por um lindo motivo: esta noite, receberá um dos prêmios mais importantes de meio ambiente no mundo: o The Goldman Environmental Prize (Prêmio Ambiental Goldman).
Lançado por Richard e Rhoda Goldman em 1989, o prêmio foi entregue pela primeira vez em 1990 e, desde então, é concedido anualmente a seis ativistas de diferentes regiões da África, Ásia, Europa, Ilhas e Nações-Ilhas, e Américas do Norte, do Sul e Central.
Seu objetivo é reconhecer indivíduos comuns como líderes “de base” por suas realizações notáveis na proteção do meio ambiente e dos recursos naturais, promovendo a participação cidadã ou da comunidade, de forma que chame a atenção do público inspirando-o a participar de ações urgentes.
Mineradora desiste da exploração
Aos 38 anos, reconhecida no país e fora dele como uma das principais lideranças indígenas do país, Alessandra está entre os seis vencedores do prêmio deste ano devido à sua trajetória de luta contra a invasão e a destruição do território dos Munduruku, um dos muitos que ainda aguardam reconhecimento e demarcação do governo.
Foi graças à atuação aguerrida de Alessandra e do grupo do qual faz parte que a mineradora britânica Anglo American desistiu de explorar o território Sawré Muybu, dos Munduruku, que ocupa 178 mil hectares localizados no trecho central do rio Tapajós.
Segundo a organização do Prêmio Goldman, de 2011 a 2020, 97 pedidos de mineração foram protocolados por empresas para exploração nessa região. Nesse período, só a Anglo American fez 13 solicitações para avaliar a exploração de cobre em terra Munduruku: entre 2017 e 2019 foram cinco.
A mobilização de Alessandra foi essencial para mudar esse quadro. Em meio a mobilizações, protestos e reuniões, ela sofreu ataques e ameaças de morte e teve sua casa invadida, mas nunca capitulou.
Ela alertou a comunidade sobre o impacto desses projetos e articulou estratégias para tornar o tema prioritário, ainda liderando ações para arrecadar fundos. Em 2020, participou de um encontro liderado pelo cacique Raoni, com 45 lideranças e 200 participantes, no qual foi assinado manifesto contra o garimpo e o desmatamento na Amazônia.
Em 2021, mesmo com autorização para fazer pesquisas exploratórias em terra indígenas nesse bioma, a Anglo American desistiu do empreendimento, que contemplava 13 pedidos somente na área da Sawré Muybu. Em seguida, a Vale anunciou a retirada de todos as solicitações de pesquisa de minérios na região.
Vale destacar que, em 2022, algo inédito aconteceu! De acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), nenhuma das 130 empresas filiadas havia protocolado pedidos para exploração mineral em terras indígenas em todo o país.
“Este reconhecimento é pra todos que defendem os territórios, as águas e a floresta!”
“Muita gente falava ‘por que vocês não recebem o dinheiro que eles vão oferecer? Vocês iam ter tudo!’. Só que, pra nós, o povo é mais importante! A vida dos nossos filhos, a vida do rio e da floresta é mais importante! Não tinha dinheiro que poderia comprar os nossos filhos e o nosso povo”, declarou hoje à tarde.
“Agora, este reconhecimento é para todos que defendem os territórios, as águas e a floresta! Estou com mais cinco ganhadores que também lutam por seu povo e seus rios!”. São eles: Chilekwa Mumba, da Zambia, Zafer Kizilkaya, da Turquia, Tero Mustonen, da Finlândia, Delima Silalahi, da Indonesia, e Diane Wilson, dos EUA.
Os homenageados fazem uma viagem de dez dias a São Francisco e Washington D.C. onde participam da cerimônia de apresentação e entrega dos prêmios, encontros com a imprensa, reuniões com líderes políticos e financeiros, ambientalistas e formadores de políticas sociais.
Alessandra viajou na companhia do cacique Juarez Saw Munduruku, com quem aparece nas fotos publicadas no Instagram, realizadas próximo à Golde Gate Bridge, cartão postal da cidade de São Francisco, segurando o troféu Goldman Prize (abaixo).
A cerimônia será transmitida ao vivo pelo canal do Youtube do Goldman Prize em duas ocasiões: hoje, 24/4, às 9h30 PM (ou 22h30, horário de Brasília), de São Francisco, e em 26/4, de Washington D.C., no mesmo horário.
Direito e autodemarcação
Alessandra nasceu em Itaituba, no Pará, um dos principais centros do território indígena Sawré Muybu. Sua luta em defesa do território começou quando era professora e se deu conta da destruição de rios e florestas.
Isso aconteceu por volta de 2014, 2015, quando grandes empresas se instalavam na região onde vivia, dando início ao desmatamento e ao loteamento de terras. Foram diversas as vezes em que ela e amigos retornavam a locais onde costumavam caçar ou colher frutas e não havia mais floresta…
Depois de vencer a resistência das mulheres – que achavam que lutar por direitos era “pra homem” – e dos homens e dos caciques, por ser mulher, além de esposa e mãe, em 2018 Alessandra começou a estudar Direito na Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém.
Ela queria tornar-se advogada e se preparar para poder representar os Munduruku na justiça contra garimpeiros e as empresas que tinham interesse em explorar a região. Mas, com os ataques cada vez mais constantes do governo Bolsonaro e de seu apoio aos invasores, Alessandra desistiu dos estudos e aderiu ao movimento indígena e à luta por seu território.
Por não ser homologado e demarcado pelo Estado brasileiro, o Sawré Muybu é ainda mais vulnerável a invasões e à ação de madeireiros e garimpeiros.
Em 2019, devido aos rumos que o governo tomava em relação aos povos indígenas, os Munduruku iniciaram uma mobilização de autodemarcação em seu território, expulsando invasores e queimando seus equipamentos, como contamos aqui.
Quem sabe a terra do povo Munduruku está entre as que serão homologadas pelo presidente Lula durante o Acampamento Terra Livre, esta semana…
Brasileiros homenageados
Nestes 33 anos, apenas três brasileiros receberam o prêmio, também conhecido como Nobel Verde: Carlos Alberto Ricardo, mais conhecido como Beto Ricardo (1992), Marina Silva (1996) e Tarcísio Feitosa da Silva (2006).
O primeiro foi um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA) e ex-coordenador do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi). Recebeu o prêmio por sua atuação na garantia dos direitos dos povos indígenas durante a elaboração da Constituição Federal de 1988 e pela demarcação da Terra Yanomami.
Marina Silva foi reconhecida por seus esforços contra o desmatamento e na implantação das Reservas Extrativistas no Acre. Ela ajudou a estabelecer uma reserva de 2 milhões de hectares administrada por comunidades tradicionais.
Já Feitosa recebeu a distinção devido à sua trajetória em defesa dos direitos humanos e pela proteção ambiental e desenvolvimento sustentável na região do Xingu e na Terra do Meio, no Pará.
Agora, assista ao vídeo que a organização do Prêmio Goldman produziu sobre Alessandra Korap:
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Fonte: Goldman Environmental Prize, BBC
Foto: Goldman Environmental Prize/divulgação