Em julho do ano passado, o líder indígena, pensador, jornalista, autor, poeta e ambientalista Ailton Krenak (Ailton Alves Lacerda Krenak) foi eleito pela maioria dos membros da Academia Mineira de Letras (AML) para ocupar a cadeira 24.
Ele recebeu 36 dos 39 votos, sendo eleito para ocupar a vaga que foi do escritor e jornalista Eduardo Almeida Reis, até março de 2022, quando faleceu.
Tendo como patronesse a poetisa e ativista política Barbara Eliodora, a cadeira 24 foi inaugurada em 1909 pelo poeta, contista e romancista João Lúcio Brandão. E ocupada sucessivamente pelo professor e tradutor e fundador da faculdade de filosofia da UFMG, Cláudio Brandão, pelo poeta Henrique Vieira de Resende e pelo médico e poeta Sylvio Miraglia, até Reis.
A cerimônia de posse foi realizada na semana passada, em 3 de março, apenas para convidados. Krenak – o primeiro indígena a assumir uma cadeira em academias de letras no país – estava acompanhado pelo cacique Rondan Krenak e pela presidente da Funai, Joenia Wapichana.
Na plateia, sua mãe, Luci, e a amiga Anna Dantes, criadora e articuladora do Selvagem – Ciclo de Estudos sobre a Vida, do qual Ailton participa ativamente.
Vigoroso ativismo
O pensador foi apresentado pelo presidente da instituição, Rogério Tavares. “A posse de Ailton Krenak é um momento privilegiado para celebrar a potência de sua literatura. Seus livros são traduzidos para vários países, alcançando uma legião imensa de leitores em várias partes do mundo. A trajetória de Ailton Krenak em defesa dos povos originários, de sua cultura e de sua arte é admirável”. E salientou:
“A sua eleição foi, ainda, um gesto de reverência da Academia Mineira de Letras à inestimável contribuição que os indígenas do Brasil deram e continuam dando ao desenvolvimento da cultura nacional”.
Em seguida, Maria Ester Maciel, escritora, professora e pesquisadora do CNPq, que ocupa a cadeira 15 da AML, destacou a importância e o ineditismo do acontecimento.
“O grande líder indígena Ailton Krenak tem conjugado um vigoroso ativismo em defesa dos povos originários ao trânsito criativo por diferentes linguagens, culturas e territórios. A isso se soma também seu impressionante trabalho de reflexão sobre o mundo devastado do presente e as práticas genocidas que, desde o início da colonização, veem sendo infligidas contra as comunidades indígenas do país”. E acrescentou:
“Seus livros, depoimentos, relatos, narrativas e poemas são registros vivos de um pensador-escritor que, com sabedoria, inteligência e sensibilidade poética, é capaz de ver a ancestralidade no futuro e nos apresentar vias possíveis para o adiamento do fim do mundo”.
Ester comparou Krenak graciosamente com um arbusto em extinção que tem como principal característica a capacidade de sobreviver em ambientes hostis, lembrando que ele foi descoberto em agosto de 2020 e batizado pelos pesquisadores das universidades federais de Juiz de Fora (UFJF) e do Rio de Janeiro (UFRJ) como Lippia krenakiana em sua homenagem.
A acadêmica ainda destacou o projeto Biblioteca Krenak – lançado pelo Ciclo de Estudos Selvagem, idealizado por Ana Dantes, da Dantes Editora -, criado em junho de 2021, durante a pandemia, para reunir palestras (ela participava de três por dia!), textos e livros do indígena (como contamos aqui). “Como diz o próprio Ailton, é uma biblioteca que fala, que não pede silêncio”.
Tradição oral
Muito à vontade, Ailton Krenak brincou logo no início de sua fala: “Depois de tantas palavras elogiosas, parece que tudo o que eu fiz (na vida) foi bom”.
“Eu acredito que essa atenção que a Academia Mineira de Letras sinaliza em relação à cultura indígena, à produção intelectual, à literatura indígena vai influenciar para que outros espaços como esse acolham outros escritores indígenas que estão no Pará, no Amazonas,…”.
Depois de ler o texto Diplomacia indígena – uma escrita possível?, comentou sobre seu estilo literário.
“Minha escrita é pela oralidade. Alguém me perguntou certa vez se, agora, eu me dedicaria a sentar para escrever um livro, afinal, as minhas obras são transcrições de palestras. Aí eu respondi: pode ser que eu me dedique a falar um livro, porque é assim que eu escrevo”.
Comentou sobre os ataques a que os povos originários têm sido submetidos e salientou que, desde o início da cerimônia, Joenia Wapichana – que foi a primeira deputada federal indígena, atuando no Congresso Nacional nos quatro anos de Bolsonaro, e que assumiu a presidência da Funai em fevereiro, com o governo Lula -, havia saído do auditório três vezes para atender ao telefone porque a aldeia de uma etnia do Mato Grosso do Sul estava sendo atacada por grileiros.
“É a primeira vez que um indígena ocupa uma cadeira em uma Academia de Letras”, afirmou. “Sobretudo neste momento que vivemos [de genocídio]”. E finalizou:
“Eu acredito que essa atenção que a Academia Mineira de Letras sinaliza em relação à cultura indígena, à produção intelectual, à literatura indígena vai influenciar para que outros espaços como esse acolham outros escritores indígenas que estão no Pará, no Amazonas…”.
“Temos autores indígenas em diversos lugares e essa expressão cresceu muito, publicando até fora do Brasil. Então, espero que não fiquem só na apreciação da minha produção, espero que isso se amplie”, acrescentou.
Vale lembrar que, na edição 81 da revista institucional da Academia Mineira de Letras, Krenak compartilhou a organização de um dossiê de Poesia Indígena de Minas Gerais com Maria Inês de Almeida (acessível para download).
No final da cerimônia, o líder indígena recebeu o diploma e o distintivo das mãos de acadêmicos da AML: o deputado federal Patrus Ananias e o prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo.
Fontes: G1, Estado de Minas, redes sociais da AML
Foto: AML/Divulgação