Gabriela, meu amor, ouviu um gritinho muito parecido com o miado de um gatinho, só que mais agudo e com pouca intensidade, vindo de uma árvore ao lado de casa. Imediatamente associou à voz de uma perereca ao ser trancada na porta.
Quem ouviu este grito, jamais esquece e já salvou várias pererecas de serem esmagadas; porém, desta vez, a sorte estava do lado do arapaçu.
Ao olhar pela janela, viu que era mesmo uma perereca, e estava sendo traçada pelo pássaro, bem no meio de um tronco de jerivá.
Há um ano nos mudamos para a Baía da Babitonga, no norte do estado de Santa Catarina, com uma bela floresta ao redor de casa. Durante muito tempo, um arapaçu foi nosso vizinho na Reserva Rio das Furnas, frequentava a nossa casa e passou a dormir no beiral, protegido do frio e das serpentes.
Lá conhecemos o comportamento dessa ave, também conhecida por picapona, por ter o hábito de percorrer os troncos das árvores, sempre na vertical e com a cabeça pra cima, furuncando cascas com seu bico forte, assim como o pica-pau, em busca de larvas, abelhas, moscas, aranhas e escorpiões.
O arapaçu é ave discreta, voa silenciosamente, passando muitas vezes como sombra. No Brasil temos 64 espécies de colorido discreto, que vai do marrom ao verde-azeitona ou ferrugíneo, com riscas ou pequenos pontos brancos. Ao sentir-se ameaçado esconde-se atrás dos troncos e não sai da floresta, onde encontra abrigo seguro.
Nem o grito salvou a perereca de virar lanche de arapaçu
O interessante foi presenciar esse pássaro traçando uma perereca! Provavelmente, achou a bichinha dormindo debaixo de alguma bromélia, como é seu hábito durante o dia, já que este anuro costuma andar por aí à noite. O arapaçu batia de um lado para o outro e rapidamente destrinchou o enorme prato, quase do seu tamanho. Nem se importou com a nossa presença e, logo após o rango, voou para uma árvore ao lado e estacionou, eriçou as penas e deu um tempo, parecia fazer a “siesta”…
Me aproximei cada vez mais, em busca de bons ângulos para foto e cheguei mesmo a entrar no seu raio de segurança, e ele nem aí. Estava farto e sem o mínimo de vontade de se mexer.
Ficou assim, estático, por um longo tempo, até sair para outra árvore e recomeçar a fuçar debaixo de uma bromélia, arremessando pedaços de folhas e cascas para todo lado.
Parece que a perereca só tinha aberto o apetite de nosso vizinho!
O arapaçu-de-garganta-branca (Xiphocolaptes albicollis) mede entre 27 e 33 cm de comprimento
e pesa entre 110 e 130 gramas
O arapaçu-de-garganta-branca é o maior dentre a sua família, a dendrocolaptídeo: ele pode ser observado no sudeste e sul do Brasil, ocorrendo desde a Bahia e Minas Gerais até o Rio Grande do Sul
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Fotos: Renato Rizzaro
Nossa! Triste notícia.