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A incoerente estratégia brasileira para a Amazônia

*Por Brenda Brito e Mariano Cenamo, especial para o OC

Em novembro, os países se reuniram em mais um ciclo de discussões vitais para a política climática mundial, durante a 23ª Conferência do Clima das Nações Unidas, realizada em Bonn, Alemanha. O Brasil levou como notícia a redução de 16% no desmatamento da Amazônia em relação à 2016. No entanto, entre 2013 e 2017, observou-se um aumento de 38% da taxa média de desmatamento na região, o que mostra que não podemos comemorar ou acreditar que o problema está controlado.

De fato, o país continua órfão de uma estratégia consistente para manutenção e uso sustentável de um dos nossos principais ativos ambientais: a Floresta Amazônica. Do jeito como as coisas caminham, o país seguirá fechando portas para oportunidades que poderiam atrair até US$ 60 bilhões para conservação de florestas nos próximos 15 anos. Isso porque a estrutura criada para regulamentar o mecanismo de REDD+, central para a captação de recursos, continua ineficiente.

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O REDD+ é um mecanismo internacional, respaldado pelo Acordo do Clima de Paris, que prevê a remuneração pela Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, bem como manejo florestal e enriquecimento de estoques de carbono — daí, a sigla. O primeiro passo para o Brasil captar recursos “lá fora” é estabelecer as regras e regulamentos para o funcionamento do mecanismo “aqui dentro”. O problema é que a Comissão Nacional para REDD+ (Conaredd+), criada pelo Decreto nº 8576/2015 para assumir esse papel, tem atuado de forma equivocada e contrária aos interesses do país.

Com uma estrutura de governança desequilibrada, ela limita a participação da sociedade civil, de comunidades e povos da floresta, o que vai contra as próprias diretrizes de REDD+ acordadas internacionalmente. Apesar de manifestações de instituições como Observatório do Clima, Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e o Fórum de Governadores da Amazônia Legal, o governo federal tem ignorado o compromisso de ampliar o número de assentos na Conaredd+, para garantir maior participação da sociedade.

Isso compromete a legitimidade da Comissão para criar regras, limitando sua atuação como instituição nacional regulamentadora do REDD+. O resultado é uma atuação parcial nas suas duas funções (regulamentadora e reguladora), o que prejudica o desenvolvimento do mecanismo no país. Inexiste um instrumento de denúncias ou de resolução de conflitos ligados a atividades de REDD+. Falta também um registro de redução de emissões e transações realizadas, pilar de qualquer mecanismo de captação e distribuição de recursos.

Outro impasse é a recusa da Conaredd+ em pautar uma discussão técnica sobre captação via offsets. No jargão técnico, os offsets permitem a um setor (transportes, por exemplo) ou país compensar suas emissões adquirindo créditos de carbono gerados por outras atividades, caso da manutenção de florestas. O Brasil aceita a política de offsetem várias situações, mas se recusa a discutir a inclusão de REDD+ nessa prática.

A estimativa de que o país deixará de captar US$ 60 bilhões nos próximos 15 anos por recusar offsets para REDD+ é da organização americana Environmental Defense Fund (EDF). Os recursos assim obtidos poderiam ser reinvestidos na descarbonização de outros setores, como o de energia, e no desenvolvimento de uma economia florestal robusta, em benefício das populações tradicionais da floresta (o que já se comprova em iniciativas estaduais de REDD+ na Amazônia). Estudos demonstram ainda que esses benefícios são alcançáveis sem prejuízo aos compromissos de redução de emissões assumidos pelo país no Acordo do Clima. Ou seja, apenas o excedente de redução de emissões seria negociado via offsets.

Ao abrir mão dessa possibilidade, a Conaredd+ faz com que o Brasil feche portas em um cenário de grave crise econômica e fiscal. A área ambiental não possui um percentual mínimo e obrigatório de recursos garantidos no orçamento público. Por isso, é uma das que sofre os maiores cortes em uma situação de redução de arrecadação, como a atual. O resultado é o enfraquecimento das ações de controle ambiental, que pode refletir no aumento de degradação da floresta e na diminuição da capacidade nacional de cumprir seus compromissos climáticos.

Há solução. O primeiro passo é ampliar a composição da Conaredd+ e compatibilizar suas regras de governança com um modelo existente e elogiado internacionalmente: o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa). Significa criar três segmentos (governo federal; governo subnacional, ou seja, estados e municípios; e sociedade civil) e determinar que as decisões serão tomadas por votos de cada segmento. Tal reformulação aumentaria a representatividade de cada um e proporcionaria legitimidade aos posicionamentos e decisões da Comissão.

A falta de funcionalidade da Conaredd+ já tem trazido prejuízos, ao se basear no único modelo de remuneração pela floresta em pé aceito pelo governo federal até o momento: o de doações, como as da Noruega e da Alemanha para o Fundo Amazônia. A questão é que essa prática pode estar com os dias contados — basta lembrar que neste ano o Brasil perdeu 50% da contribuição norueguesa devido ao avanço do desmatamento na Amazônia em 2015 e 2016. Além disso, doações podem conviver em harmonia com a inclusão do REDD+ para offsets.

O posicionamento brasileiro é acompanhado com interesse por potenciais investidores, como o setor de aviação civil internacional, que deve se valer de REDD+ para compensar emissões. Colocar a Conaredd+ em um caminho virtuoso é fundamental para permitir que o Brasil busque liderança no fornecimento de uma commodity — o crédito de carbono florestal — de importância vital em uma nova economia, que primará pela descarbonização. É bom para o clima, para as comunidades brasileiras que vivem na floresta e para o futuro do país.

Brenda Brito é doutora em ciência do direito pela Universidade Stanford e pesquisadora associada ao Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon); é integrante do Comitê de Coordenação do Observatório do Clima

Mariano Cenamo é especialista em finanças climáticas e cofundador do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam)

*Texto publicado originalmente em 14/12/2017 no site do Observatório do Clima

Foto: Ibama/Creative Commons/Flickr

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