A dois dias de completar 4 anos, o caso do rompimento da barragem da Mina de Córrego do Feijão (gerida pela mineradora Vale), em Brumadinho, Minas Gerais, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, que causou uma das maiores tragédias ambientais e trabalhistas do país, foi retomado, agora pela Justiça Federal.
Ontem, 24/1, a juíza Raquel Vasconcelos Alves de Lima, da 2ª Vara Criminal Federal, aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) no dia anterior, 23/1, e transformou (novamente) em réus 16 pessoas ligadas à mineradora Vale e à consultoria alemã Tüv Süd pelos crimes relacionados ao rompimento da barragem da Vale.
Todos os denunciados respondiam no processo que tramitava na esfera estadual, que foi invalidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente (com os votos dos ministros Nunes Marques, André Mendonça e Gilmar Mendes, que concluíram que o caso é de competência federal, contra decisão de Edson Fachin) e deixaram de ser réus na justiça estadual.
Entre os acusados estão Fábio Schvartsman, presidente da Vale na época, dez funcionários da mineradora, além de cinco representantes da Tüv Süd. Todos vão responder por uma série de crimes ambientais – contra a fauna, contra a flora e de poluição – e por homicídio doloso qualificado, devido ao fato de que as vítimas não tiveram condições de proteger suas vidas.
O rompimento da barragem da Vale despejou 12 milhões de m2 de rejeitos de mineração – contaminando o rio Paraopeba (autoridades recomendam que a água bruta não seja utilizada; e a pesca de espécies nativas também continua proibida, em toda a bacia) e destruindo 297 hectares de Mata Atlântica -, impactou 26 municípios e matou 272 pessoas.
Os corpos de três vítimas ainda estão desaparecidos e são procurados, todos os dias, pelo Corpo de Bombeiros: Maria de Lourde Costa Bueno (59 anos), Tiago Tadeu Mendes da Silva (34) e Natália de Oliveira Porto Araújo (25).
A maioria das vítimas trabalhava nas estruturas da mineradora, que operava respaldada por auditorias da consultoria alemã, que assinou declaração de estabilidade para que as atividades não parassem.
A denúncia apresentada pelo MPF é basicamente a mesma formulada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e que levou ao processo que tramitava na Justiça mineira desde fevereiro de 2020.
Caso condenados, os 16 poderão pegar penas entre 12 e 30 anos, somente pelo crime de homicídio. As empresas também foram denunciadas por crimes ambientais e podem ser penalizadas com sanções diversas. Mas será, mesmo, que federalizar o caso é o melhor?
O novo processo
Atendendo a pedido dos familiares de uma das vítimas, que declarou temer que o crime prescrevesse, na semana passada, a ministra Rosa Weber, presidente do STF, determinou que o processo penal fosse iniciado na esfera federal, imediatamente.
A Justiça mineira, então, encaminhou os autos para a Justiça Federal. Mas nada do que foi feito antes vale para este processo, que vai começar do zero: o MPMG não pode atuar e os réus terão que fazer, novamente, suas defesas, assim que novos prazos forem abertos.
Assim que assumiu a responsabilidade pelo caso, o MPF divulgou comunicado ratificando a denúncia do MPMG, que aponta conluio entre a Vale e a Tüv Süd, que resultou em declarações falsas com o objetivo de proteger as atividades da mineradora, mantendo seu risco em sigilo.
De acordo com o comunicado, a denúncia ainda pode ser alterada: “Na petição, o MPF destacou que se reserva o direito de aditar a denúncia, a qualquer momento, para, se for o caso, acrescentar ou substituir denunciados ou fatos delituosos”.
O que dizem as empresas
Segundo a Agência Brasil, a Vale afirmou, por meio de nota, que “sempre pautou suas atividades por premissas de segurança” e “segue comprometida com a reparação e a compensação de danos”.
Seu advogado, David Rechulski, reclamou que a denúncia foi aceita apenas um dia após sua apresentação pelo MPF com o “objetivo de evitar a prescrição dos crimes ambientais”, e que a denúncia “de 477 folhas, capeando mais de 80 volumes, num total de mais de 24 mil páginas” foi “recebida em menos de 24 horas”. A Tüv Süd se recusou a comentar o caso.
Imbróglio judicial
O primeiro processo foi aberto em setembro de 2021 – somente um ano e meio após a denúncia dos parentes das vítimas ser aceita – para que os réus apresentassem suas defesas na Justiça estadual. Mas a tramitação ficou praticamente paralisada desde que foi levantada a discussão sobre a competência judicial: estadual ou federal?
No mês seguinte, cinco ministros, integrantes da sexta turma do STJ, entenderam que o caso não era de alçada estadual, e que o julgamento deveria ser federalizado, visto que envolvia a acusação de declarações falsas prestadas ao órgão federal, além de descumprimento da Política Nacional de Barragens e possíveis danos a sítios arqueológicos, que fazem parte do patrimônio da União.
Mas o MPF discordou dessa tese, se alinhando ao entendimento do MPMG: “Não há descrição de crime federal, não há crime federal, não há bem jurídico da União atingido aqui na denúncia”, declarou a subprocuradora-geral da República, Luiza Frischeisen, no julgamento do STF a respeito do caso.
E, depois de uma tentativa de manter o processo na justiça estadual, a decisão pela federalização foi mantida. Mesmo assim, o MPMG não descarta a possibilidade de o caso voltar à Justiça estadual, já que apresentou um requerimento – ainda não apreciado -, para que a discussão volte ao plenário do STF, com a participação de mais ministros.
Receio dos atingidos
Nesse cenário instável, a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos de Brumadinho (Avabrum) se manifestou, organizando protestos para lamentar o atraso no processo e defender a manutenção do caso na esfera estadual.
O receio de ninguém seja responsabilizado pelo rompimento da barragem é grande: “O crime aconteceu aqui, em terras mineiras, e não há motivo para a federalização do processo. Os responsáveis por esse crime odioso querem escolher quem vai julgá-los e isso é inaceitável! Não cabe ao réu escolher o foro de seu julgamento”, alerta a Avabrum em seu site.
Os atingidos temem que, na Justiça Federal, o caso tenha o mesmo tratamento do processo da tragédia em Mariana (MG), ocorrido em novembro de 2015, e que também envolve a Vale.
O rompimento de uma barragem da mineradora Samarco (joint-venture da Vale com a inglesa BHP Billigton) deixou 19 mortos, destruiu comunidades e causou impactos socioeconômicos e ambientais 26 municípios da bacia do Rio Doce (também a aldeia onde vive o líder indígena Ailton Krenak).
Depois de sete anos, ninguém foi condenado! Dos 22 denunciados, apenas 7 ainda figuram como réus, mas se livraram de responder por homicídio: agora, respondem apenas por crimes ambientais.
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Com informações da Agência Brasil
Foto: Movimento dos Atingidos por Barragens/Divulgação