A Mostra Ecofalante de Cinema – um dos maiores festivais do Brasil e o mais importante evento de áudio-visual sul-americano dedicado à temática socioambiental – está de volta em sua 12ª edição, exibindo, de 1 a 14 de junho, uma super seleção de 101 filmes de 39 países em 39 espaços culturais de São Paulo, com entrada franca.
Racismo ambiental, pós-colonialismo, povos indígenas e questões econômicas presentes e futuras são os temas de destaque das obras escolhidas, assinadas por Jorge Bodanzky, Gabriela Cowperthwaite, Eduardo Coutinho, Paul Leduc, Gillo Pontecorvo, Ousmane Sembène, Safi Faye, Marta Rodríguez, Jorge Sanjinés e William Klein, entre outros.
Alguns dos filmes que serão exibidos foram premiados em festivais de cinema como de Cannes, Berlim, Cinéma du Réel, CPH:DOX e Tribeca, ou selecionadas para participar dos festivais de Roterdã, Toronto, Sundance, Hot Docs, Locarno e IDFA-Amsterdã.
Como sempre, as atividades paralelas brindam os cinéfilos com encontros muito preciosos com mestres. Este ano, a mostra oferece uma masterclass com o pensador martiniquês Malcolm Ferdinanda respeito de Ecologia Decolonial (que explora o conceito de Plantationoceno) e uma oficina com o diretor Jorge Bodanzki intitulada A Prática do Cinema Ambiental.
O ciclo de debates colocará em pauta temas como racismo ambiental, futuro da energia, desmatamento e economia e reunirá especialistas e diretores.
Além das tradicionais sessões Panorama Contemporâneo, Competição Latino-Americana e o Concurso Curta Ecofalante (que destaco mais adiante), a Ecofalante programou uma Mostra Histórica – intitulada Fraturas (pós-)coloniais e as Lutas do Plantationoceno – que apresenta 17 ícones do cinema militante produzidos entre 1966 a 1984, que discutem a herança do colonialismo em diferentes partes do planeta.

O termo ‘Plantationoceno’ – que aparece na aula de Malcolm Ferdinand e no título desta mostra – foi cunhado pelas teóricas norte-americanas Dona Haraway e Anna Tsing, nos anos 2010, e se contrapõe a Antropoceno ao reconhecer os fundamentos coloniais e escravagistas da globalização e do sistema socioeconômico hegemônico hoje.
Completam a programação estreias mundiais de longas brasileiros, um cardápio especial de filmes para a criançada, uma sessão especial com mulheres conservacionistas e um trabalho de realidade virtual na floresta. Vamos a eles!
Estreias mundiais
Os três títulos brasileiros selecionados abordam o embate entre indígenas e garimpeiros, queimadas em quatro biomas do país e deslocamento de uma população:
– Cinzas da Floresta, de André D’Elia, registra uma expedição com o artivista Mundano que percorreu mais de dez mil quilômetros por quatro grandes biomas: Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica como o objetivo de produzir uma cartela em tons de cinza a partir do carvão e das cinzas de restos de árvores e de animais carbonizados.

Com esse material, ele pintou um painel para homenagear os brigadistas, inspirado na famosa obra modernista do artista plástico Candido Portinari (1903-1962): O Lavrador de Café.
– Escute, A Terra Foi Rasgada, de Fred Rahal Mauro (de BR Acima de Tudo) e Cassandra Mello, registra o acampamento Luta pela Vida, em Brasília, no qual lideranças dos povos Mebêngôkre (Kayapó), Munduruku e Yanomami se uniram numa Aliança em Defesa dos Territórios e escreveram uma carta-manifesto em repúdio à atividade garimpeira.
Na sessão promovida pela Ecofalante, estão confirmadas as presenças das lideranças dessa aliança: Davi Kopenawa, Beka Munduruku e Maial Kayapó.
– Parceiros da Floresta, também de Fred Rahal Mauro, percorre três continentes evidenciando casos de parcerias entre setores privado, público e comunidades locais que geram soluções para a proteção e restauração de florestas tropicais globais aliando tecnologia, negócios e conhecimento tradicional para gerar benefícios verdadeiramente compartilhados.
Panorama Internacional Contemporâneo
Este ano, a sessão apresenta 27 filmes de 26 países, destacando-se uma seleção de títulos que abordam, sobretudo, questões ligadas ao racismo e ao “legado” do colonialismo e suas muitas consequências socioambientais, que nos impactam até hoje, destacando fluxos migratórios e discussões econômicas, sempre presentes.
Hoje, 31/5, na sessão de abertura da mostra (exclusiva para convidados) será projetado o impactante longa-metragem Nação Lakota Contra os EUA (fotos abaixo), de Jesse Short Bull e Laura Tomaselli, que utiliza rico material de arquivo e entrevistas íntimas com ativistas veteranos e jovens líderes. O resultado, segundo a crítica, é lírico e provocativo. Exibido nos festivais de Tribeca, Cleveland e Denver, o filme tem, entre seus produtores executivos, os atores Marisa Tomei e Mark Ruffalo.
Competição Latino-americana
Temáticas relativas aos povos indígenas e seus territórios marcam parte das produções selecionadas (33, incluído Lakota Nation) para esta programação, que promove discussões sobre racismo, migração e trabalho. Entre eles, vale destacar:
– A Invenção do Outro (fotos abaixo), de Bruno Jorge, retrata a maior expedição realizada pela Funai nas últimas décadas na Amazônia – liderada pelo indigenista Bruno Pereira, assassinado no Vale do Javari, no ao passado, com o jornalista Dom Phillips – para tentar encontrar e estabelecer o primeiro contato com um grupo de indígenas isolados da etnia Korubo, em estado de vulnerabilidade, e ainda promover um delicado reencontro com parte da família já contatada poucos anos antes. O filme foi o grande vencedor do Festival de Brasília em 2022.
– Amazônia, A Nova Minamata?, do consagrado diretor Jorge Bodanzky, acompanha a saga do povo Munduruku para conter o impacto destrutivo do garimpo de ouro em seu território ancestral, enquanto revela como a doença de Minamata (Japão), decorrente da contaminação por mercúrio, ameaça os habitantes de toda a Amazônia, hoje;
– o inédito Mamá, de Xun Sero (de descendência maia), que relata como, sendo mexicano tzotzil, cresceu cercado pela sacralidade da Virgem de Guadalupe e da Mãe Terra – e sendo ridicularizado por não ter pai;
– Odisseia Amazônica, de Terje Toomistu, Alvaro Sarmiento e Diego Sarmiento, testemunha o trabalho feito nos barcos que constituem o principal meio de transporte de mercadorias e pessoas no rio Amazonas.
Concurso Curta Ecofalante
Este ano, a competição entre curtas-metragens realizados em universidades e cursos audiovisuais exibe 18 produções, que representam os estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Sessão especial
Exibe Mulheres na Conservação, dirigido pela jornalista Paulina Chamorro e pelo fotógrafo João Marcos Rosa. O documentário, desenvolvido a partir da websérie homônima patrocinada pela Fundação Toyota, mostra o trabalho realizado por sete mulheres que lutam pela conservação da biodiversidade no país e que são referência em suas áreas de atuação.
Realidade Virtual
Assinado por Estêvão Ciavatta (de Amazônia Sociedade Anônima, exibido na 9ª edição da Ecofalante), Amazônia Viva tem, como protagonista, a cacica Raquel Tupinambá, da comunidade de Surucuá (Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, no Pará), que guia o espectador em uma viagem pelo rio Tapajós, em um passeio virtual em 360º.
Sessão infantil
Este ano, o destaque fica para o longa A Viagem do Príncipe, de Jean-François Laguionie e Xavier Picard, exibido nos festivais de Locarno, Roterdã, BFI Londres e na Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo.
Fotos: Ecofalante/divulgação