
Mosaico, no “dicionário ambiental”, é um modelo de gestão que reúne um conjunto de áreas protegidas
próximas ou sobrepostas, de diferentes categorias de manejo, administradas de forma integrada e participativa. É assim com o Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Madeira (MBRM), no estado do Amazonas, iniciado há cerca de dois anos e reconhecido oficialmente – pelo governo federal – em 20 de fevereiro, último dia do III Workshop Nacional de Mosaicos de Áreas Protegidas, realizado na sede do ICMBio (Instituto de Conservação da Biodiversidade), em Brasília (DF).
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, esteve presente ao encontro para assinar a portaria Nº 1.331 (publicada no Diário Oficial da União em 24/2), que garante o reconhecimento do mosaico formado por cinco Unidades de Conservação estaduais, uma federal e duas Terras Indígenas (é o segundo mosaico a incluir este tipo de território!). Juntas, elas somam aproximadamente 2,4 milhões de hectares, na área de influência de uma das rodovias mais polêmicas do país, a BR-319 (Rodovia Álvaro Maia, mais conhecida como Rodovia Manaus / AM – Porto Velho / RO).
As áreas protegidas que compõem o Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Madeira são:
– as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Amapá, do Rio Madeira, do Igapó-Açu, do Matupiri e o Parque Estadual do Matupiri, sob gestão da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (SEMA/AM);
– a Reserva Extrativista (Resex) do Lago Capanã Grande, gerida pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade); e
– as Terras Indígenas Cunhã-Sapucaia e Arary, sob gestão da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
“O interflúvio Purus-Madeira é uma região singular da Amazônia porque é composta por florestas muito intactas e que tem muito endemismo. Então, várias espécies da grande biodiversidade amazônica só existem aqui. E, ao mesmo tempo, é uma região que tem uma ocupação baixa, mas com potencial de muita pressão por conta do projeto de repavimentação da BR-319“, explica Marcos Amend, diretor-executivo da WCS Brasil.
A falta de fiscalização ao longo da rodovia facilita diversas ameaças à região como grilagem de terras, tráfico de drogas, desmatamento, queimadas, pesca ilegal, garimpo, abertura de ramais, invasões e tráfico de animais silvestres, como relatam moradores e especialistas. O reconhecimento do mosaico pelo governo federal e o apoio de organizações ambientais como a WCS podem ajudar a transformar esse cenário, garantindo mais segurança e prosperidade ao território.

“Inteligência social, cultural, de gestão e ancestral”
Antes da assinatura da portaria durante o workshop, Marina Silva ressaltou o aspecto inovador dos mosaicos para a gestão de áreas protegidas, que, na maioria das vezes, são criadas individualmente.
“O que temos aqui é uma inteligência social, cultural, de gestão e ancestral que aprendeu que os melhores equipamentos do mundo são aqueles criados pela natureza, responsáveis por manter os rios e o clima equilibrado, controlar as forças do vento”.
“Criar modalidades de gestão é uma nova abordagem. E o que vocês estão fazendo aqui é um grande altar. Um altar de pedras não lavradas, que se encaixa na beleza da diferença, da diversidade biológica, cultural, pictórica, imagética e acústica, que oferecem as terras indígenas, as unidades de conservação, em suas diferentes modalidades. E eu me sinto inteiramente parte deste mosaico, que todos nós e a democracia acabamos de criar aqui”.

Foto: Fernando Donasci / MMA
O reconhecimento do MBRM pelo MMA ampliará a proteção ambiental e promoverá o ordenamento territorial na região, ao fortalecer estratégias de governança, fiscalização ambiental e incentivar a geração de renda sustentável por meio do turismo e da agricultura familiar.
Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, também participou da cerimônia e definiu a iniciativa como um gesto de valorização do modo de vida dos povos indígenas e das comunidades.
“É muito importante, neste momento, reconhecermos os mosaicos como mais um instrumento para a garante a valorização dos modos de vida das pessoas que ali vivem, que são indígenas, ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, todos aqueles que estão ali e que dependem dessa terra. Mas toda essa proteção não garante apenas isso, vai além: é também a garantia da vida no planeta. Por isso que é importante essa integração, para que cada um entenda sua importância e, juntos, também compreendam como é essencial essa gestão compartilhada”.
E a ministra do MPI acrescentou: “Estamos diante de um instrumento que promove a proteção dos territórios, mas, principalmente, da cultura. E, neste momento de tantas crises e diante de uma crise climática – que não é mais um problema do futuro, mas do presente -, precisamos cada vez mais fortalecer esse tipo de instrumento”.

Foto: Fernando Donasci / MMA
Sonia ainda contou que, este ano, uma delegação indígena busca o reconhecimento do Mosaico Gurupi, área formada por várias unidades de conservação, terras indígenas e outras áreas protegidas na fronteira dos estados do Maranhão e Pará, que também conta com o apoio da WCS Brasil.
Entre os territórios e etnias que formam esse mosaico destacam-se as Terras Indígenas Tembé, Awa-Guajá e Guajajara, além de unidades de conservação como a Floresta Nacional de Caxiuanã (PA) e a Reserva Biológica do Gurupi (MA). “Então, que a gente possa discutir e acelerar o reconhecimento do Mosaico Gurupi! Eu me comprometi e já pautei com a Iara [Vasco Ferreira, do ICMBio], que é a senhora dos mosaicos e muito empenhada com essa pauta”.
E finalizou: “Com a ministra Marina, compomos uma equipe comprometida com a proteção do meio ambiente, da biodiversidade e das culturas, então vamos trabalhar juntos e juntas para que possamos, ainda no ATL (Acampamento Terra Livre) deste ano (de 7 a 11 de abril, em Brasília) apresentar algumas respostas concretas a respeito”.

do Mosaico Gurupi, reivindicado por indígenas Tembé, Awa-Guajá e Guajajara
Foto: Fernando Donasci / MMA
Em seguida, Mauro Pires, presidente do ICMBio, destacou que o órgão “vê a formação de mosaicos como forma de fortalecer a proteção ambiental no Brasil”.
Agenda integrada
Representante da Rede Nacional de Mosaicos de Áreas Protegidas (Remap), Marcos Pinheiro explicou que “o Mosaico do Baixo Rio Madeira faz parte de uma estratégia de pensar uma gestão integrada ao longo da BR-319. “Quando a gente começou a trabalhar a proposta, pensou que, ao longo dessa rodovia, poderiam ser criados cinco mosaicos setorizados. E, no caso do Madeira, consideramos todas as UCs que têm afinidade e drenam seus rios para o Madeira. Um dos componentes mais importantes deste mosaico é o ordenamento do território no contexto da 319, para garantir que ele tenha o propósito de facilitar a logística das reuniões comunitárias, da mobilização social, como se fosse uma célula”.
Pinheiro destacou algumas das ameaças sobre as quais relatei anteriormente: “Com o asfaltamento da 319, vem a preocupação da construção de ramais ilegais no coração da Amazônia. Não que isso não esteja acontecendo, mas ao promover a gestão integrada existe a possibilidade de uma maior fiscalização que pode ajudar a evitar que esse tipo de ameaça cresça”.
“Além disso, há muito garimpo nesta região. E alguns moradores desse território, extrativistas, praticam o garimpo como alternativa de renda. Esta também é uma questão importante pra pensarmos o ordenamento do território”.
Por fim, lembrou dos efeitos das mudanças climáticas, que têm promovido secas extremas na região. “Na emergência climática, a gestão integrada também é essencial para pensarmos estratégias de mitigação e adaptação. No Rio Negro, por exemplo, há um movimento do conselho do mosaico para pensar o abastecimento. Imagino que, no Rio Madeira, vão acontecer movimentos semelhantes”.

Foto: Marcos Amend / WCS Brasil
Marcia Lederman, gerente de conservação da WCS Brasil, por sua vez, enfatizou que o Mosaico do Baixo Rio Madeira é apenas o segundo a incluir terras indígenas. E que agora existe uma agenda política integrada – com a participação do MMA, do ICMBio, da SEMA, dos ministérios dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial, da Funai –, que vai além da integração do território.
“Este mosaico proporciona uma integração de políticas publicas, de interesses políticos, de interesses temáticos”, resume. “Reúne órgãos de governo, sociedade civil organizada (ONGs) e associações comunitárias para atuar com resiliência frente aos efeitos das alterações do clima e aos impactos de uma grande obra de infraestrutura como a BR-319, que altera a dinâmica territorial do estado do Amazonas”.
Os 26 mosaicos brasileiros
O Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Madeira é o 26º Mosaico do Brasil, o 4º Mosaico do Amazonas, que já tinha o Apuí, o Amazônia Meridional e o Baixo Rio Negro, e o 6º Mosaico da Amazônia, integrado também pelo Mosaico Lago de Tucuruí e pelo Mosaico da Amazônia Oriental. “É importante enfatizar que o MBRM é o 2º mosaico do Brasil a integrar terras indígenas, afinal, elas têm papel imprescindível na conservação da natureza. O do Amapá foi o primeiro”, acrescenta Marcos Amend, da WCS Brasil.
Agora, o Brasil reconhece oficialmente 26 mosaicos (MOS) de áreas protegidas, entre unidades de conservação federais, estaduais e terras indígenas. São eles:
- MOS Lago de Tucuruí;
- MOS Serras da Capivara e Confusão;
- MOS Lagamar; MOS Bocaina;
- MOS Mata Atlântica Central Fluminense;
- MOS Serra da Mantiqueira;
- MOS Jureia-Itatins;
- MOS da Serra de São José;
- MOS Jacupiranga;
- MOS das Ilhas e Áreas MArinhas do Litoral Paulista;
- MOS Sertão Veredas Pereaçu;
- MOS Apuí;
- MOS do Manguezal da Baía de Vitória;
- MOS da Serra do Espinhaço-Jequitinhona Cabral;
- MOS Mico-Leão-Dourado;
- MOS Baixo Rio Negro;
- MOS da Foz do Rio Doce;
- MOS Extremo Sul da Bahia;
- MOS Carioca;
- MOS da Amazônia Meridional;
- MOS do Paranapiacaba;
- MOS da Amazônia Oriental;
- MOS do Jalapão;
- MOS da Serra do Espinhaço – Serra do Cipó;
- MOS do Serrado Paulista;
- MOS da Serra do Espinhaço – Quadrilátero Ferrífero e
- MOS do Baixo Rio Madeira.

A ideia, o processo e os próximos passos
“A ideia do Mosaico do Baixo Rio Madeira surgiu da necessidade de pensar a governança do território no entorno da BR-319 e criar condições de vida mais adequadas, além de ações de proteção ambiental que ajudem a evitar grandes danos por conta da estrada”, explica Marcos Amend, da WCS Brasil.

Foto: Marcos Amend / WCS Brasil
E só foi possível graças a dois anos de planejamento e de diálogo entre órgãos ambientais, associações comunitárias, pesquisadores e organizações do terceiro setor.
Oficinas de gestão integrada e debates fizeram parte do processo, consolidando um plano de ação estruturado em três eixos principais: proteção e governança, comunicação e informação e geração de renda sustentável.
Para os próximos anos estão previstas ações para fortalecer as bases de fiscalização, implementar sistemas de monitoramento ambiental, incentivar atividades produtivas sustentáveis e criar mecanismos de forma a ampliar a participação social na gestão do território.
A seguir, assista ao documentário ‘Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Madeira’, produzido pela Banksia Films, com o apoio da WCS Brasil, que oferece uma maior dimensão da importância do reconhecimento desse novo mosaico para a proteção e a segurança da região.
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Foto: Marcos Amend / WCS Brasil
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