Diante da grave crise climática que o Pantanal enfrenta – só nos cinco primeiros meses de 2024, o bioma teve um aumento de 898% nas queimadas -, mais de 30 organizações, integrantes do Observatório do Pantanal, enviaram uma carta ao Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) e aos governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, propondo que seja acionado um pedido de auxílio internacional, por meio do Centro de Coordenação de Resposta de Emergência da União Europeia (CCRE), para o combate à seca e aos incêndios florestais na região.
O grande temor de especialistas é que o bioma fique sujeito novamente a uma tragédia como aquela que aconteceu em 2020, quando incêndios sem controle devastaram quase 30% de sua área e mataram 17 milhões de animais.
“As previsões para os próximos meses são alarmantes, não apenas diante das mudanças climáticas, mas também de eventos climáticos esperados para 2024, como a transição do El Nino para La Niña que poderá agravar ainda mais a seca no segundo semestre, conforme nota emitida pelo Centro Nacional de Monitoramento e Desastres Naturais (Cemaden)”, diz o texto da carta. “Neste cenário, é essencial que o governo do estado reconheça suas limitações operacionais, de recurso, equipamento e equipes para combate dos incêndios florestais no Pantanal e para a proteção das vidas humanas e não-humanas que habitam o bioma”.
Os incêndios atuais já são preocupantes e a temporada de seca no bioma está apenas começando. Historicamente, o época do fogo na região acontece entre agosto e outubro, com um pico em setembro.
Para agravar a situação, o rio Paraguai, o mais importante do Pantanal, apresenta um nível baixíssimo e há receio que atinja uma marca histórica negativa.
Um estudo divulgado esta semana pelo MapBiomas Fogo revelou que o bioma brasileiro que mais queimou proporcionalmente à sua área foi o Pantanal, no período entre 1985 e 2023. Embora represente apenas 4,5% do território nacional, essa extensão representa 59,2% de toda sua área. Por mais que seja adaptado ao fogo, a região enfrenta incêndios intensos principalmente devido às secas prolongadas (leia mais aqui).
Confira abaixo o texto, na íntegra, na carta enviada pelas ONGs ao Ibama e aos governos estaduais:
“Nós, do Observatório Pantanal, representando mais de 30 organizações da sociedade civil que subscrevem esta carta, pedimos ao senhor que solicite ajuda internacional para enfrentamento da seca e dos incêndio florestais que assolam o Pantanal através do Centro de Coordenação de Resposta deEmergência da União Europeia.
O Pantanal ainda se recupera dos incêndios florestais que destruíram quase um terço de sua área em 2020 e de outros que o atingiram em anos subsequentes. No entanto, ainda no início da estação seca, já enfrenta novamente grandes incêndios florestais que o devastam mais uma vez neste ano.
Em maio, o Serviço Geológico Brasileiro (SGB) alertou que o Pantanal poderia enfrentar neste ano uma de suas piores secas. As projeções do SGB mostravam que, se nos próximos meses chovesse dentro da média (160 mm), 2024 poderia ter um cenário semelhante ao ano de 2020, quando o rio Paraguai atingiu -32 cm em Ladário – estação de referência e com a série histórica mais longa.
O órgão ainda alertou que, em um cenário de chuvas abaixo da média, a situação poderia ser ainda mais grave. Ainda no mesmo mês, dias mais tarde, a Agência Nacional de Águas (ANA) declarou situação crítica de escassez de recursos hídricos na bacia do rio Paraguai, a principal fonte de água do Pantanal. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse recentemente que “isso é a primeira vez que estáacontecendo”.
De janeiro até o dia 10 de junho foram registrados mais de 1300 focos de calor na maior área úmida tropical do mundo. O número é mais de 940% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado.
As previsões para os próximos meses também são alarmantes, não apenas diante das mudanças climáticas, mas também de eventos climáticos esperados para 2024, como a transição do El Nino para La Niña que poderá agravar ainda mais a seca no segundo semestre, conforme nota emitida pelo Centro Nacional de Monitoramento e Desastres Naturais (Cemaden).
Neste cenário, é essencial que o governo do estado reconheça suas limitações operacionais, de recurso, equipamento e equipes para combate dos incêndios florestais no Pantanal e para a proteção das vidas humanas e não-humanas que habitam o bioma.
Neste ínterim, pedimos, através deste ofício, que o governo do estado de Mato Grosso acione o Centro de Coordenação de Resposta de Emergência da União Europeia.
Qualquer país do mundo pode pedir ajuda ao mecanismo de Proteção Civil da União Europeia quando a dimensão de uma emergência ultrapassa as suas capacidades de resposta a nível individual. Na sequência do pedido de assistência de um país, o CCRE coordena e mobiliza a assistência ou os conhecimentos técnicos disponibilizados pelos Estados-Membros.
Nos últimos anos, o fundo alocou recursos para o combate de incêndios florestais na América do Sul. Especificamente, em 2017, 2019 e 2023, a União Europeia enviou peritos e bombeiros para ajudar o Chile e a Bolívia a combater alguns dos piores incêndios florestais registados no continente.
O Brasil já recebeu ajuda do fundo em 2020, diante da crise sanitária de COVID-19; em 2023, diante da crise nutricional da população Yanomami; e também em 2024, em resposta às inundações devastadoras que afetaram 90% do território do Rio Grande do Sul.
Além disso, diante do aumento das catástrofes climáticas na América Latina, em 15 de maio de 2024, foi estabelecido um Memorando de Entendimento histórico sobre a gestão do risco de catástrofes como um novo instrumento de colaboração entre a União Europeia e a região da América Latina e Caribe, o que denota a compreensão da União Europeia acerca das necessidades crescentes de países como o Brasil de obterem auxílio internacional no enfrentamento de tragédias relacionadas ao colapso climático.
É de responsabilidade do governo do estado não só ampliar ao máximo a sua capacidade de enfrentamento desta temporada de incêndios florestais e seus desdobramentos, mas também de reconhecer as suas limitações de operação e solicitar toda a ajuda necessária e disponível em âmbito nacional e internacional.
Cordialmente,
Luciana Leite,
Co-fundadora e coordenadora geral, Chalana Esperança”
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Foto de abertura: Gustavo Figueiroa / SOS Pantanal