A maranhense Pureza Lopes Loyola nasceu em Presidente Juscelino, cidade a 85 km de São Luís. Anos mais tarde mudou-se para Bacabal, perto da família do marido. Com o fim do casamento, precisou trabalhar ainda mais duro numa olaria para sustentar os filhos. Só foi aprender a ler e a escrever aos 40 anos, para poder compreender a bíblia.
Mas a viagem do caçula, Abel, para tentar a sorte com o garimpo mudaria completamente a vida de “Dona” Pureza, como ficou conhecida. Sem mandar notícias, preocupada a mãe decidiu ir para o Pará na tentativa de encontrá-lo. Essa trajetória e sua luta desde então contra o trabalho em condições análogas às da escravidão no Brasil se tornaram mundialmente famosas e tema do filme Pureza (2019), do cineasta Renato Barbieri.
Ao longo de sua jornada de três anos, Pureza que trabalhava como cozinheira em fazendas ao longo do caminho, se deparou com a situação degradante imposta aos funcionários dessas propriedades. Muitos tinham os documentos confiscados pelos patrões em troca de moradia e comida, e enquanto isso derrubavam grandes áreas da Floresta Amazônica para transformá-las em pasto e lavoura.
Sem conseguir achar Abel, Pureza buscou ajuda na Comissão Pastoral da Terra (CPT). A partir daí não parou mais. Entrou em contato com o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho no Maranhão, no Pará e em Brasília, escreveu cartas para presidentes da República. Denunciou o aliciamento de trabalhadores e a forma brutal como eles eram tratados.
Graças a todo seu esforço, e com a ajuda de autoridades, ela conseguiu resgatar o filho mais novo. E sua determinação fez com que o governo criasse no final da década de 90 o Grupo Especial Móvel de Fiscalização, que faz o monitoramento das condições de trabalhos e do respeito à lei trabalhista na região Norte, unindo diversas esferas público, como o Executivo, o Ministério Público do Trabalho e o Judiciário.
Entre 1995 e 2022, o Grupo Móvel de Fiscalização libertou mais de 60 mil trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Antes mesmo de se tornar conhecida pela sociedade brasileira, com o lançamento de Pureza, em que a atriz Dira Paes interpreta sua vida, essa brasileira já tinha sido homenageada, em Londres, com o Prêmio Anti-Escravidão da Anti-Slavery International, mais antiga entidade mundial de combate ao trabalho escravo.
E na quinta-feira, 15/06, a maranhense de 80 anos recebeu mais uma reconhecimento no exterior. Ela foi uma das oito pessoas condecoradas com o 2023 Trafficking in Persons Report Hero Award, concedido pelo Departamento de Estados dos Estados Unidos. Ela é a primeira mulher brasileira a ganhar o prêmio (em 2017, o jornalista Leonardo Sakamoto recebeu o mesmo prêmio).
Na sede do órgão, em Washington D.C., Pureza participou da cerimônia que contou com a presença do Secretário de Estado, Antony Blinken, que entregou a ela uma placa.
“Essa homenagem é um reconhecimento à defesa inabalável dela mesma, de seu filho e de outras pessoas que sofreram trabalho forçado. Pureza conseguiu documentação de evidências e testemunhos para ilustrar a gravidade e a proliferação de condições de exploração no Brasil rural, e estimulou um movimento nacional que levou o governo brasileiro a estabelecer unidades móveis de inspeção do trabalho para aumentar a identificação das vítimas”, disse Cindy Dyer, diretora do Escritório de Monitoramento e Combate ao Tráfico de Pessoas do Departamento de Estado dos EUA.
Dona Pureza, ao lado da atriz Dira Paes, durante a gravação do longa-metragem sobre a sua vida
(Foto: divulgação)
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Foto de abertura: State Department by Chuck Kennedy/ Public Domain