*Por Jeremy Hance
Traduzido por Roberto Cataldo
Cada vez mais, os mais ameaçados habitats insulares do mundo não estão no mar nem no topo das montanhas: são ilhas de biodiversidade cercadas por comunidades humanas. E poucos biomas no planeta são mais fragmentados do que a Mata Atlântica. De uma área original estimada em 133 milhões de hectares, hoje restam cerca de 7% do bioma, a maior parte em trechos isolados e pressionados pela expansão urbana.
Mas há esperança para o que resta, se alguns dos fragmentos puderem ser reconectados e ampliados. Essa é a missão da Saving Nature, uma ONG que iniciou, em 2007, a regeneração de seu primeiro corredor florestal, conectando fragmentos isolados da Mata Atlântica do Rio de Janeiro. O projeto, batizado de Fazenda Dourada, foi selecionado para ajudar a apoiar uma espécie-símbolo da região, o mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), atualmente em perigo.
“Você fragmenta a floresta e esses fragmentos perdem espécies. E quanto menores forem, mais perdem”, explica o cientista da conservação Stuart Pimm, fundador da Saving Nature, que até 2019 se chamava Saving Species. Ao longo dos anos, a ONG criou 14 projetos de corredores e proteção florestal em seis países, com iniciativas em andamento na América do Sul, na Ásia e na África.
Viaduto vegetado sobre a BR-101, no Rio de Janeiro, conectando a Reserva Biológica de Poço das Antas à Fazenda Igarapé, que está sendo reflorestada
(Foto: Luis Paulo/Saving Nature)
Restaurando ilhas de floresta em meio a um mar humano
Pimm, professor de ecologia da conservação na Universidade Duke, nos Estados Unidos, e um dos mais importantes biólogos conservacionistas do mundo, viu pela primeira vez os princípios da biogeografia insular em ação ao ajudar a fazer pesquisas sobre ilhas na costa britânica e na Amazônia brasileira. A segunda vez foi uma iniciativa inovadora lançada pelo ecologista Tom Lovejoy, batizada de Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (BDFFP, na sigla em inglês), que tem catalogado perdas em fragmentos de floresta tropical por décadas.
A biogeografia insular, conceito criado na década de 1960 pelo ecologista Robert H. MacArthur e pelo biólogo E. O. Wilson, e para o qual Lovejoy contribuiu de maneira significativa, define um ambiente insular como uma área de habitat adequada a um determinado ecossistema, mas cercada por habitats inadequados.
Essas “ilhas de habitat” foram reconhecidas inicialmente como ilhas terrestres isoladas pelo oceano, como as do arquipélago do Havaí, mas hoje elas também existem como cumes alpinos isolados pelo avanço das mudanças climáticas, em lugares como as florestas nubladas da Costa Rica ou cercados pelo desenvolvimento humano, como os fragmentos de habitat encontrados na Mata Atlântica brasileira.
A má notícia, como Pimm entendeu desde o início, é que, quanto menor for o habitat insular, menos espécies poderão ocupá-lo e mais raso será seu pool genético, dificultando cada vez mais a adaptação às mudanças. Esse estreitamento do gargalo da biodiversidade aumenta em muito a probabilidade de extinções, uma dinâmica definida pelos biogeógrafos insulares como relação espécie-área.
Mas também há uma boa notícia: quanto maior o habitat insular, mais resiliente ele se torna – daí o valor extraordinário dos corredores de vida silvestre que restabelecem a conectividade, permitindo que as espécies se desloquem entre os fragmentos.
“Para mim, ficou bastante óbvio que, quando você olha os tipos de paisagem que dominam os hotspots [de biodiversidade] do mundo, eles estão quase todos fragmentados. Isso de fato se aplica [à Mata Atlântica] porque o Código Florestal [brasileiro] exige que as pessoas reservem uma certa quantidade de suas terras como florestas. Então, o que normalmente se vê são os topos das colinas [cobertos por] árvores, e todo o resto foi limpo”, diz Pimm. “O que vamos fazer para reduzir a taxa de extinção? Está claro que precisamos reconectar.”
Fragmentos de Mata Atlântica vistos de um helicóptero. A reconexão desses fragmentos pode aumentar a biodiversidade e a resiliência das florestas
(Imagem: Saving Nature/divulgação)
Viajando pelo Brasil em 2006, Pimm se deparou com a Reserva Biológica União, uma Unidade de Conservação federal no interior do Rio de Janeiro, em uma região de Mata Atlântica altamente fragmentada. “Eram 2.500 hectares e estava isolada das florestas da encosta por uma enorme área de pasto para gado”, lembra. A seguir, ele fez a seguinte pergunta: “Quanto custaria para comprar o pasto e reflorestar?’ A resposta foi 300 mil dólares.”
Com esse objetivo em mente, Pimm fundou a Saving Species (atualmente, Saving Nature) e, em poucos anos, levantou verba para um corredor de 100 hectares. Ele deu o dinheiro a uma ONG parceira local, a Associação Mico-Leão-Dourado, que comprou a terra para reflorestamento e a entregou à Reserva Biológica União.
“Quinze anos depois, temos uma floresta encantadora. As imagens de satélite são muito impressionantes. Ela está completamente conectada”, diz Pimm. “A [reserva] não está mais isolada. Descobrimos que as espécies [silvestres] voltaram, movimentando-se pelos corredores muito mais rapidamente do que [esperávamos]. Eu pensei que eu teria que viver até os 100 anos para ver isso, mas a realidade é que se trata dos trópicos: é quente e úmido e as árvores crescem rápido.”
Hoje, o habitat protegido da área inclui 20 mil hectares de floresta contígua, tudo sob algum tipo de gestão ambiental – um aumento de quase dez vezes em relação ao fragmento original. E quanto mais o habitat cresce, mais as espécies silvestres prosperam. “Agora é só continuar fazendo mais do mesmo”, diz Pimm, ao avaliar o sucesso da Reserva Biológica União.
Área na Reserva Biológica União em 2008, destinada para o corredor ecológico
(Foto: Saving Nature/divulgação)
A mesma área em 2020, depois de reflorestada pela Saving Nature e sua parceira,
a Associação Mico-Leão-Dourado
(Foto: Saving Nature/divulgação)
Conectando ilhas de floresta na Mata Atlântica
A seguir, em 2018, a equipe voltou sua atenção à Reserva Biológica Poço das Antas, também no Rio de Janeiro, criada em 1974 para proteger o mico-leão-dourado e a preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus). Mas, no limite norte da reserva, um recente alargamento da BR-101 estava prestes a tornar impossível a passagem de animais da parte localizada em um lado da rodovia para o outro.
Para corrigir isso, o Governo Federal exigiu a construção de um viaduto vegetado na altura do km 218, para que os animais pudessem atravessar a rodovia de quatro pistas. A estrutura foi concluída em 2020, mas ainda havia um problema: uma lacuna de pastagem entre os dois fragmentos de mata. A Saving Nature procurou então as parceiras DOB Ecology e Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD) para conectar a reserva, através do viaduto, às terras agrícolas recém-adquiridas, mas degradadas, e às florestas fragmentadas da Fazenda Igarapé. O reflorestamento está em andamento.
Brian Rodgers, membro do conselho da Saving Nature, pronto para plantar uma árvore na Mata Atlântica. (Foto: Saving Nature/divulgação)
Atualmente, a Saving Nature trabalha para arrecadar 2 milhões de dólares, a serem investidos em seu terceiro projeto na Mata Atlântica, em colaboração com a Reserva Ecológica de Guapiaçu (Regua), também no Rio de Janeiro. As parceiras planejam criar um corredor de 522 hectares para proteger os animais silvestres e uma bacia hidrográfica vital para a cidade do Rio de Janeiro. “A gente recebe muito retorno pelo nosso investimento. Nossos parceiros não compraram grandes quantidades de terra, mas reconectaram quantidades espetaculares,” diz Pimm.
Embora adquiridos, em grande parte, com a biodiversidade em mente, esses corredores reflorestados também terão impactos climáticos positivos. Uma pesquisa chinesa mostrou que ecossistemas maiores e mais biodiversos têm capacidade de armazenar mais carbono do que florestas plantadas ou terras agrícolas degradadas. Corredores arborizados restaurados também aumentam a resiliência do ecossistema contra as mudanças climáticas ao conectar e ampliar fragmentos de floresta vulneráveis.
E o público pode contribuir para o aumento desses benefícios climáticos: a Saving Nature tem ferramentas para permitir que qualquer pessoa compense voos de companhias aéreas ou sua pegada de carbono como um todo e, no processo, gere doações que não apenas armazenem carbono florestal, mas também protejam a biodiversidade.
À medida que o clima do mundo aquece, as árvores restauradas da Mata Atlântica também fornecerão sombra para espécies vulneráveis e para os seres humanos, ao mesmo tempo em que ajudam a reter a umidade do solo e da atmosfera. O mais recente projeto de reflorestamento da Saving Nature tem tudo a ver com a preservação de uma bacia hidrográfica urbana vital – extremamente importante em um mundo em aquecimento, onde as secas estão se tornando mais intensas.
Fragmento de floresta de encosta próximo à Reserva Ecológica Guapiaçu (RJ) aguarda conexão com novo corredor florestal que ocupará terras agrícolas degradadas que aparecem em primeiro plano
(Foto: Saving Nature/divulgação)
O processo de conectividade pragmática
As florestas fragmentadas estão por toda parte na paisagem moldada pelo ser humano. Portanto, a Saving Nature precisa ser criteriosa em suas prioridades com relação aos lugares onde atua, para maximizar o impacto. A ONG inicia seu processo de seleção de locais com o foco nos hotspots globais de biodiversidade, conforme definido pelo ecologista Norman Myers em 1988.
“Atualizamos as ideias de Norman, fazendo um mapeamento melhor”, diz Pimm, acrescentando: “nós produzimos algumas iniciativas de mapeamento muito, muito sofisticadas, trazendo dados de sensoriamento e crowdsourcing, trazendo eBird e iNaturalist. Nós temos mapeamentos muito bons sobre onde achamos que queremos estar.”
O grupo também examina a possibilidade de intensificar os impactos relacionados às mudanças climáticas, preferindo projetos que envolvam mudança de altitude, para que animais e plantas possam se deslocar a partes mais elevadas de um corredor à medida que a região aquece. Nós sabemos que as espécies estão subindo. Sabemos qual é o problema e sabemos qual é a solução”, diz Pimm. “É preciso criar corredores que permitam que as espécies vão para áreas mais elevadas.”
Depois de selecionar um projeto, a ONG coleta dados aéreos, geralmente usando drones. Em seguida, a equipe vai se reunir com organizações e pessoas locais e percorrer a área. “Você tem que ir lá, tem que sujar os pés!”, diz Pimm.
Uma série de considerações práticas dita onde um corredor será localizado. “[O dono] vai vender a terra? É muito cara? Está no lugar certo? Provavelmente uma dúzia de razões diferentes” é levada e consideração antes de se escolher uma rota final, explica Pimm.
Mico-leão-dourado na Mata Atlântica, atualmente classificado como em perigo na Lista Vermelha da IUCN, o primata tornou-se símbolo desse ecossistema degradado e foi salvo da extinção por conservacionistas e programas de reprodução em cativeiro
(Fonte: Saving Nature/divulgação)
Se tudo sai como a Saving Nature pretende, eles se unem a grupos locais e, como diz Pimm, “aí é só deixar que [eles] continuem” – ou seja, prossigam com o trabalho concreto de conservação e restauração.
“A ideia de que podemos fazer conservação sentados dentro de um prédio com ar-condicionado, sem sair do anel viário de Washington, eu acho uma bobagem. O que nós queríamos fazer era empoderar grupos locais”, diz Pimm. Antes de entregar dinheiro do projeto, a Saving Nature examina cuidadosamente organizações de conservação locais respeitadas.
Essas parceiras locais tratam dos detalhes específicos de um projeto – determinando o que é plantado, como e onde –, embora a Saving Nature forneça pesquisa e suporte técnico.
“Nós queremos que eles plantem árvores, mas há um grau muito elevado de contingência local”, explica Pimm. Em alguns projetos da Saving Nature, como os da Colômbia, os grupos locais só precisam retirar o gado do pasto, e a vegetação nativa voltará rapidamente.
“No Brasil, é muito mais difícil”, diz ele. Aqui, os projetos “costumam exigir uma quantidade imensa de preparação da terra, e é preciso combater permanentemente as ervas daninhas para garantir que elas não voltem. Nossos parceiros entendem que existem alguns princípios: você coloca primeiro as árvores de crescimento rápido, elas dão sombra, depois você cultiva as árvores de crescimento lento por baixo”.
Replantar não é simples. “Você não pode só ir até um viveiro de mudas e dizer: ‘Eu quero 100 espécies de árvores’”, diz Pimm. A equipe de conservação geralmente conta com uma arma secreta ao fazer parceria com organizações locais durante o replantio: “as avós”.
Quando começou a parceria com a Associação Mico-Leão-Dourado, Pimm conheceu Maria da Conceição Coelho, a Dona Graça, uma brasileira que assumiu o cultivo de mudas para o projeto. Pimm estima que dezenas de milhares de árvores atualmente prósperas sejam resultado do trabalho dela.
A Dona Graça “é impressionante, porque ela já sabe fazer germinar provavelmente 100 espécies de árvores”, diz. “Ela explica como faz com cada uma delas [para quem quiser aprender e participar]. Ela se tornou totalmente autodidata.”
À esquerda, Maria da Conceição Coelho, conhecida como Dona Graça, em meio a seu viveiro de plantas da Mata Atlântica. À direita, cestas de sementes nativas prontas para germinar na Mata Atlântica
(Fonte: Saving Nature/divulgação)
A ênfase está sempre em plantar árvores, diz Pimm, e não em pesquisas caras. É por isso que a Saving Nature não exige que os grupos locais pesquisem seus corredores continuamente. Ciência custa dinheiro, aponta Pimm, e a Saving Nature prefere gastar suas verbas limitadas em mais corredores, em vez de estudar os que já estão crescendo.
“Se você dissesse: ‘Olha, eu tenho 100 mil dólares. Você quer gastar fazendo ciência ou quer gastar comprando outro corredor?’” Pimm pergunta, e já responde: “Eu opto pelo outro corredor”.
Isso não significa que o grupo não esteja de olho na mudança que ocorre nos corredores: grupos locais rastreiam os movimentos dos animais silvestres por meio de armadilhas fotográficas, redes de neblina e avistamentos gravados. Mas nem sempre isso é feito com o objetivo de publicar futuramente em revistas acadêmicas.
“O que nós não fazemos é perder o sono pensando se existem dez maneiras diferentes de se fazer isso. Nós plantamos árvores”, afirma Pimm. A razão disso, diz ele, é que a relação entre a fragmentação do habitat e a extinção está praticamente estabelecida.
“Quantas centenas a mais de estudos sobre fragmentação de habitat são necessárias”, ele pergunta. “O problema está aí. Sabemos que é um problema. Vamos conectar as coisas e fazer com que funcionem novamente.”
*Texto publicado originalmente em 12/05/23 no site do Mongabay Brasil
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Foto de abertura: Andreia Martins/AMLD