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Senado aprova Medida Provisória sem ‘emendas’ que enfraqueceriam a Lei da Mata Atlântica, incluídas pela Câmara dos Deputados

Senado aprova Medida Provisória sem 'emendas' que enfraqueceriam a Lei da Mata Atlântica, incluídas pela Câmara dos Deputados

Por Oswaldo Braga de Souza*

O plenário do Senado Federal aprovou, na noite de ontem, 16/5, a Medida Provisória 1.150/2022, ainda do governo Bolsonaro, sem os “jabutis” inseridos pela Câmara que enfraqueceriam a Lei da Mata Atlântica, Unidades de Conservação, como parques e reservas, e Áreas de Preservação Permanente (APPs) (saiba mais no final deste post).

A MP foi aprovada pelos deputados, em 30/4, e agora será analisada por eles mais uma vez. E é aqui que mora o perigo.

Jabuti” ou “contrabando legislativo” é o jargão usado no Congresso para uma emenda sem relação com o tema principal de uma proposta legislativa, no caso, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012), que substituiu o antigo Código Florestal, de 1965. 

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O próprio relator da MP, senador Efraim Filho (União-PB), reconheceu como “matéria estranha” parte dos pontos incluídos pelos deputados na MP e os retirou de seu relatório. 

“Embora legítimas as preocupações do relator da matéria na Câmara, deputado Sérgio Souza [MDB-PR], para acomodar alterações que seriam necessárias  à legislação florestal e da Mata Atlântica, divergimos do texto da Câmara, porque esse importante bioma brasileiro, elevado ao status de patrimônio nacional pela Constituição Federal, deve ter sua legislação discutida em projeto de lei específica”, defendeu. 

O parecer foi aprovado após quase duas horas de polêmica porque um grupo de parlamentares ‒ Omar Aziz (PSD-AM), Alessandro Vieira (PSDB-SE) e Otto Alencar (PSD-BA) à frente ‒ revoltou-se contra os “jabutis” relacionados à Mata Atlântica e o que classificou como prática recorrente dos deputados de enviarem esse tipo de proposta ao Senado. 

Eliziane Gama negocia com Rodrigo Pacheco a retirada dos ‘jabutis’ da MP 1.150/2022 / Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Eles pediram que o presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acatasse o requerimento de Eliziane Gama (PSD-MA) para impugnar a “matéria estranha” da MP. Os presidentes das duas casas legislativas têm essa prerrogativa e, nesse caso, seria dado um recado político mais duro à Câmara, pois a impugnação, em tese, inviabilizaria a reinserção desses pontos específicos pelos deputados.  

“Concordo integralmente a respeito [da avaliação negativa] dos prejuízos da inclusão de artigos que desmontavam, desconstruíam totalmente a Lei da Mata Atlântica, que levamos 14 anos [de tramitação] no Congresso para que fosse real. A Mata Atlântica é o bioma brasileiro com a maior degradação hoje. Nós temos apenas 12% da sua cobertura [original] assegurada”, lembrou Eliziane, que liderou a articulação pela contestação dos “jabutis”.  

Polêmica entre Câmara e Senado

Foi aí que outras polêmicas do Congresso imbricaram-se na discussão. Pacheco informou que, apesar de uma impugnação não poder ser revertida em tese, segundo o regimento interno, já houve um caso em ela foi interpretada como “supressão” de texto pela Câmara, que, assim, acabou retomando a redação original. 

Além disso, os comandos das duas casas legislativas viveram recentemente uma disputa sobre o rito previsto na Constituição para apreciar as MPs, primeiramente, numa comissão mista, formada por senadores e deputados, e só depois pelos plenários de cada uma das duas casas. 

A regra foi suspensa durante a pandemia para facilitar a tramitação das MPs em um momento excepcional de dificuldade dos trabalhos legislativos. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), porém, insiste em manter o procedimento ou em aumentar o número de deputados nas comissões mistas. Ele reclama que eles estariam sub-representados nos colegiados, que hoje são paritários entre deputados e senadores. 

Diante da insistência dos parlamentares, Pacheco propôs que o plenário deliberasse sobre a impugnação dos “contrabandos legislativos”, para não ter de tomar uma uma decisão sozinho e evitar novos atritos com Lira. Mas o impasse sobre a forma mais adequada de resolver o assunto continuou. 

O líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), chegou a propor a retirada de pauta da MP, sob o compromisso do Planalto reeditá-la. Depois, garantiu que o presidente Luís Inácio Lula da Silva vetaria o texto se a Câmara insistisse em resgatá-lo. Afinal, o plenário aprovou de forma simbólica, com concordância do governo e oposição, a impugnação dos “jabutis” e o parecer de Efraim Filho. 

“Aprovação unânime do Senado em defesa da Lei da Mata Atlântica, derrubando os jabutis por meio de impugnação, não deixa margem para que a Câmara dos Deputados volte a incluir no texto esses retrocessos. Foi uma demonstração do reconhecimento do Senado sobre a importância da Mata Atlântica como patrimônio nacional”, comentou Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas do SOS Mata Atlântica.

 “O Senado demonstrou equilíbrio e respeito à Constituição, ao impugnar retrocessos ambientais colocados na forma de contrabandos legislativos, expressamente vedados pelo direito brasileiro. O que se espera é que cessem os retrocessos ambientais imediatamente, para que possamos retomar o desenvolvimento sustentável, que concilia economia, meio ambiente e direitos sociais”, apontou o consultor jurídico do ISA Mauricio Guetta.

Programas de Regularização Ambiental 

A redação final da MP, no entanto, dificulta o funcionamento dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), pelos quais os produtores rurais formalizam o compromisso de reflorestar ou compensar áreas desmatadas ilegalmente. Segundo a proposta aprovada, eles terão um ano para ingressar no PRA mas só depois de o órgão ambiental estadual notificá-los individualmente, validar o respectivo Cadastro Ambiental Rural (CAR) e identificar os passivos ambientais de cada um (leia mais no quadro no final da reportagem). 

O problema é que não foram definidos prazos para essas ações. Até hoje, só 45 mil cadastros foram validados, o que representa menos de 1% dos cerca de 7 milhões de imóveis rurais cadastrados, segundo o Observatório do Código Florestal (OCF). Além disso, apenas seis estados começaram a implantar os PRAs. Dessa forma, como está, o texto da MP abre brecha para que a legislação nunca seja cumprida de fato. 

O texto original da MP apenas adiava a possibilidade de ingresso no PRA até o fim deste ano. Essa seria a sexta prorrogação. A redação aprovada agora excluiu o prazo. A questão se arrasta desde que a lei foi editada, em 2012. 

Alterações do relator

Efraim Filho (União-PB) alterou o texto da Câmara para estimular os produtores rurais a ingressar nos PRAs: até lá, eles poderão ter financiamentos suspensos se não estiverem em dia com a legislação.

Em entrevista ao ISA após a votação, o senador reconheceu que, mesmo assim, a falta de prazos é um problema para o cumprimento da lei, mas justificou que uma nova lei federal não pode obrigar os estados a cumprir a legislação de 2012.   

“Quando o estado não cumpre, não tem como eu penalizar o estado por não cumprir. Eu não posso penalizar o produtor porque o estado foi omisso. O poder público é que tem que agir nesse momento. O poder público, neste momento, hoje, ele leniente, ele é omisso”, afirmou. 

A secretária executiva do OCF, Roberta del Giudice, concorda que o texto aprovado pelo Senado foi o politicamente viável no momento e que não seria possível por lei obrigar as administrações estaduais a implantarem as políticas previstas na norma de 2012. Ele adverte, contudo, que, como está, o texto da MP 1.150 inviabiliza a recuperação de 21 milhões de hectares desmatados ilegalmente em todo o país. 

“A alteração que foi proposta dificulta muito o controle da regularização ambiental e a gente vai ter que pressionar muito para que os estados façam a sua implementação”, avalia. “Todos os estados têm uma precariedade de recursos, de recursos humanos, de imagens de satélite, de um monte de insumos para implementar o Código Florestal. Mas a gente vai agora buscar fazer com que eles façam essa implementação”, completa. 

Como fica a MP 1.150/2022 com as alterações do Senado?

Alterações feitas pelo Senado na parte relativa ao Código Florestal 

– Os produtores rurais passam a ter até um ano após a “notificação” (individual) do órgão ambiental estadual para ingressar no PRA; não há mais uma data específica para se fazer isso

– A partir da assinatura do Termo de Compromisso do PRA e durante sua vigência, o produtor rural não poderá ter financiamentos negados por causa das infrações objeto desse termo; na prática, antes disso isso pode acontecer

– Introduz a obrigatoriedade de validação do CAR e da identificação dos passivos ambientais de cada produtor rural pelo órgão ambiental como condição para adesão ao PRA

“Jabutis” incluídos pela Câmara e retirados pelo Senado

– Várias alterações que enfraqueciam a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006), especialmente no sentido de permitir desmatar em um dado local, mesmo que fosse possível fazer isso em outro, com menos impactos; dar às prefeituras competências para autorizar desmatamentos e parcelamentos de imóveis; enfraquecer salvaguardas das Áreas de Preservação Permanente (APP)

– Possibilidade de o órgão ambiental definir a “zona de amortecimento” de Unidades de Conservação (UC), como parques, em área urbana. Essa figura prevê restrições a obras, empreendimentos e atividades econômicas numa faixa limítrofe a essas áreas com o objetivo de minimizar impactos ambientais sobre elas

– O texto aprovado na Câmara ampliou flexibilizações sobre as APPs para além das áreas urbanas consolidadas, permitindo que, mesmo em regiões com características rurais mas definidas como urbanas por lei municipal, seja permitido desmatar em faixas inferiores às definidas na regra geral federal. O texto saído da Câmara também suprimiu a necessidade de consultas ao Conselho Estadual do Meio Ambiente sobre alterações feitas na lei municipal sobre esse tema.

O que é o Código Florestal?

A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012)

O antigo Código Florestal de 1965 foi reformado depois de mais de 10 anos de debates e pressões para sua alteração. Ele obrigava o reflorestamento integral das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) desmatadas ilegalmente (saiba mais abaixo). A nova lei isentou parte da recuperação dessas “áreas consolidadas” (desmatadas e em uso agropecuário) até 22 de julho de 2008, enquanto as áreas conservadas até aí devem ser mantidas assim, conforme os parâmetros da antiga legislação. 

No caso das APPs, ela determinava metragens específicas que deveriam ser mantidas em todos os casos. A nova lei prevê a manutenção ou recomposição de faixas significativamente reduzidas em relação às APPs desmatadas, de acordo com o tamanho do imóvel. Em relação à RL, o novo Código apresenta duas diferenças significativas: a primeira é que o cálculo dessa área deve incorporar as APPs; a segunda é que os imóveis menores que quatro módulos fiscais não terão obrigação de recompor os desmatamentos realizados até 2008.

Área de Preservação Permanente (APP)

De acordo com a lei, é a área cuja vegetação nativa deve ser protegida às margens de nascentes e outros corpos de água, em topos de morros, encostas e outras áreas sensíveis. Elas têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade e riqueza do solo, garantir a diversidade de fauna e flora e assegurar o bem-estar das populações humanas. São fundamentais para a manutenção e a qualidade dos mananciais de água, prevenir e atenuar a erosão, o assoreamento, inundações, enxurradas e deslizamentos de terra.

Cadastro Ambiental Rural (CAR)

Criado pela nova lei, o CAR é um registro eletrônico obrigatório e autodeclaratório que tem a finalidade de integrar as informações ambientais de todos os imóveis rurais: a situação das APPs, RLs, “áreas consolidadas” e remanescentes de vegetação nativa. Compõe uma base nacional de dados para o monitoramento, controle e combate ao desmatamento e planejamento da recuperação ambiental.

Cada estado é responsável por criar seu sistema de cadastro, promover seu funcionamento, analisar e validar seus dados. Alguns estados têm programas próprios, enquanto outros preferem usar o módulo disponibilizado pelo governo federal. A gestão federal também é responsável por orientar e apoiar a implementação dos sistemas de cada estado.

Programa de Regularização Ambiental (PRA)

Conjunto de regras e ações a serem cumpridas por proprietários e posseiros rurais com o objetivo de adequar e promover a regularização ambiental. A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA. Cada estado precisa regulamentar, implementar e desenvolver seu PRA.
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* Este texto foi publicado originalmente no site do Instituto Socioambiental em 17/5/2923

Foto (destaque): Marcus Schmidt/ISA

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