Vinte e cinco cópias de um lambe (ou lambe-lambe) foram espalhadas por vários pontos de São Paulo – como Sacomã, Barra Funda e Cidade Tiradentes – para homenagear os povos indígenas e celebrar o aniversário de fundação da cidade, em 25 de janeiro. Na foto acima, o artista Daniel Werá.
O ‘cartaz’ foi criado pelo artivista Mundano e reproduz a imagem do indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, brutalmente assassinado em abril de 2020, no município de Jaru, em Rondônia, elaborada e pintada por ele em uma empena de 618 m2, na lateral de um prédio na rua Quintino Bocaiúva, a poucos metros da Catedral da Sé, no centro da capital paulista, em outubro do ano passado (contamos aqui).

Trata-se de uma releitura da pintura Bananal, de Laser Segall, com base no retrato que Gabriel Ushida fez de Ari, no meio da mata. Ele era um dos guardiões da floresta de seu povo.

O local onde está o mural – que abriga o Marco Zero da cidade -, foi escolhido por Mundano ser originalmente território indígena, ocupado pelos brancos em um processo de expulsão e morte dos povos originários. Nesse lugar tão especial, agora está sua homenagem a Ari e a todos os ativistas indígenas assassinados desde que Bolsonaro assumiu a presidência, em janeiro de 2019.
Nesse contexto, a ação de colagem de lambes promovida por um grupo de 25 artistas e coletivos de arte da região metropolitana neste dia que celebra os 469 anos de SP, visa ‘escancarar’ a violência contra os povos originários, apagada da história oficial – tanto da capital paulista, como do Brasil -, mas que continua fazendo vítimas.
A versão tradicional da fundação de São Paulo, por exemplo, sugere uma convivência pacífica com os povos originários, com base na ideia de que o cacique Tibiriçá teria sido colaborador fiel dos jesuítas, juntamente com seu irmão Caiubi. No entanto, estudos mostram que essa relação foi bastante conflituosa. Em 1562, indígenas das etnias guarulhos, guaianás e carijós se uniram em combate contra os jesuítas, numa aliança que havia sido firmada com o cacique Tibiriçá.
“O apagamento dos indígenas de nossa história é parte do processo de genocídio iniciado há mais de 500 anos e que persiste até hoje, como nos lembra a imagem de Ari Uru-Eu-Wau-Wau. Interromper esse genocídio é urgente. Trata-se de uma questão de justiça humanitária e climática. São as florestas e seus guardiões que garantem a estabilidade do clima no Brasil, o que inclui a própria sobrevivência da cidade de São Paulo”, alerta Mundano.
Amazônia e São Paulo: uma relação delicada
Além da reprodução do mural em homenagem à Ari, o lambe de Mundano também apresenta uma mensagem alusiva à preservação da Amazônia, lembrando que “somos a última geração que pode manter a floresta em pé“, lembra o artivista.
Se você mora em São Paulo, deve lembrar de quando, em 19 de agosto de 2019, a fumaça das queimadas na Amazônia escureceu a tarde paulistana. Foi ali que a relação entre a maior floresta tropical do planeta e a maior metrópole da América do Sul ficou ainda mais clara, mais escancarada.
Os ventos que trouxeram a fumaça naquele dia eram os mesmos que, diariamente, (ainda) trazem a umidade gerada pela floresta, que emite vapores para o ar por meio da evapotranspiração e forma os chamados rios voadores. Sem eles, São Paulo certamente não existiria, quer dizer, poderia ser um deserto como acontece, em todo o mundo, na região ao longo do Trópico de Capricórnio, coberta por desertos como o Atacama, o Kalahari e o Deserto da Austrália.
“A História está repleta de cidades que foram varridas do mapa por fatores ambientais e São Paulo poderá ser uma delas, no futuro, se o desmatamento comprometer o fluxo dos rios voadores que asseguram a água potável que consumimos. O destino de São Paulo está unido ao destino dos povos indígenas do Brasil”, nos lembra Mundano.
Por outro lado, está mais do que provado que a preservação das florestas depende muito dos povos indígenas. Dados do MapBiomas mostram que suas terras perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa nos últimos 30 anos, enquanto que, nas áreas privadas, a perda foi de 20,6%.
Por tudo isso, Mundano pintou o grande mural do guerreiro Ari com uma mistura da terra do Marco Zero e cinzas de queimadas da Amazônia, ambas coletadas por ele (as cinzas foram utilizadas num mural em homenagem ao brigadista Vinícius Curva de Vento, sobre o qual contamos aqui e aqui).
Com a ação solidária dos lambes, Mundano ainda convida os paulistanos e quem mora ou passa pela cidade para que se engaje na luta em defesa dos povos indígenas e da floresta. Para tanto, incluiu um QR code na imagem. Basta usar a câmera do seu celular para lê-lo e ser direcionado/a para a campanha Amazônia de Pé.
A iniciativa apresenta um abaixo assinado produzido com o intuito de tornar possível a criação de uma lei de iniciativa popular, que pode garantir a destinação de 57 milhões de hectares de florestas públicas na Amazônia para a proteção dos povos indígenas, quilombolas, pequenos produtores extrativistas e Unidades de Conservação, além de prever uma maior criminalização para o roubo de terras, mais conhecido como grilagem. Muito inspiradora!
Por fim, vale ainda destacar, neste post, que a emblemática luta do povo Uru-Eu-Wau-Wau é tema do filme O Território (produzido pela líder indígena Txai Suruí), que conquistou dois prêmios no Festival Sundance e ficou entre os finalistas a uma vaga para disputar o Oscar de Melhor Documentário, mas não está entre os indicados.
E também contar quem são os 25 artivistas envolvidos na ação de colagem dos lambes pela cidade de São Paulo para marcar seu dia tão especial:
- Micha
- Carina Mello
- Mari Moon
- Carolina Itzá
- AFolego
- Bárbara Goy
- Ju Akina
- Negana
- Carol Simó
- Subtu
- Iskor
- Hullk
- Felipe Risada
- Thiago Monster
- Filite
- Rasmoke
- Pedro Frazão
- 3visao
- BANAIS
- Slim Rimografia
- Claudinei Monteiro
- Wera
- Átila
- Carol Simó
- Everaldo Cost.
Foto: divulgacão