Por André Julião para Agência Fapesp*
Natural de Vitória da Conquista, na Bahia, Raoni Rebouças teve a oportunidade de conhecer um de seus ídolos na música, o conterrâneo Elomar Figueira, quando ainda aprendia a tocar violão, aos 16 anos. A reação do músico aos primeiros acordes do então adolescente, porém, não foi encorajadora. “Está muito ruim. Você não tem vergonha?”.
Apesar da falta de incentivo do ídolo, quase 20 anos depois do episódio Raoni se tornou não apenas músico, como desenhista e cientista. Pouco antes da pandemia, desafiado por um grupo de alunos da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), onde fazia uma palestra, resolveu mostrar que era capaz de divulgar as pesquisas que realizava sobre história natural de anfíbios para um grupo mais amplo do que o de pesquisadores da área.
O resultado é o canal Papo de Sapo, no YouTube, em que Rebouças e um grupo cada vez maior de colaboradores, até mesmo de fora do Brasil, fazem clipes de animação com conteúdo científico divertido.
De rock e baião a merengue
Neles, sapos cientificamente acurados cantam principalmente rock, mas também blues, baião, moda de viola, merengue e vaneira (estilo musical de Havana) para relatar as descobertas realizadas no Laboratório de História Natural de Anfíbios Brasileiros (LaHNAB), coordenado pelo professor Luís Felipe Toledo, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp).
Rebouças realiza pós-doutorado no LaHNAB, onde é um dos pesquisadores do projeto O fungo quitrídio no Brasil: da sua origem às suas consequências, apoiado pela Fapesp e coordenado por Toledo.
“Tínhamos acabado de publicar um trabalho sobre as diferenças nos tamanhos e vocalizações de sapos em ilhas quando aconteceu a Marcha Virtual Pela Ciência (em maio de 2020). Então compus o Blues do sapo gigante, gravei todos os instrumentos e chamei um colega para gravar a voz. Foi o ponto de partida para o primeiro vídeo, que acabou levando a um pico de acessos ao artigo. Percebi que não dava para parar”, conta Rebouças, que desenha desde a infância, mas fez um curso de animação antes de começar o canal.
“O canal traz divulgação para nossos trabalhos de maneira muito bem-feita e divertida, sem deixar de levar a sério a informação científica. Agora recebo vídeos de crianças cantando as músicas e, de certa forma, divulgando entre outras crianças e o público não acadêmico conhecimento científico que outrora se manteve limitado aos cientistas”, diz Toledo.
Parceiros do Brasil e de fora
Até o início de abril de 2022, o canal contava com dez clipes (nota do Conexão Planeta: em 21 de abril, eram 12). Cinco personagens baseados em espécies de sapo comuns no Brasil se revezam cantando e tocando instrumentos.
Rebouças compõe as letras, toca quase todos os instrumentos e coordena a animação. Desde o primeiro vídeo, porém, vários colaboradores se uniram ao time, desde a psicopedagoga Denise Viana, que analisa as letras das canções antes da gravação, passando por parceiros na animação, roteiro, revisão das informações científicas e nos vocais.
Destaca-se ainda Natalia Aranha, parte da equipe do LaHNAB. Mestranda no LabJor da Unicamp, Aranha pretende usar animações em projetos de conservação de anfíbios.
Outro parceiro foi Daniel Gonzaga, filho do cantor Gonzaguinha e neto de Luiz Gonzaga. A canção original, composta por Rebouças, fala em ritmo de forró sobre a descrição da espécie Pithecopus gonzagai, em homenagem ao Rei do Baião (imagem abaixo), encontrada ao norte do rio São Francisco (o Conexão Planeta noticiou).
Um dos clipes foi encaminhado inclusive a Lulu Santos, compositor de De repente, Califórnia. Rebouças conta que entrou em contato com a produtora do músico depois de compor De repente, Noronha (inicialmente chamado de O Cururu de Noronha) sobre a introdução do sapo-cururu (Rhinella diptycha) no arquipélago, ainda no final do século 19. “Ela me garantiu que ele assistiu e gostou”, conta Rebouças.
Mais recentemente, o grupo fez sua primeira parceria internacional. “Queríamos falar sobre as muitas espécies de sapos coloridos da Amazônia (o último publicado). Como na maioria dos países em que a floresta se encontra fala-se espanhol, pensamos então num ritmo que fosse comum a todos esses lugares. O mais próximo que chegamos foi o merengue”, diz o pesquisador.
Para as vozes da canção, uma paródia de La Billirrubina, de Juan Luis Guerra, convidaram o pedagogo equatoriano radicado na Suíça, Cesar Vera Lahuatte. O parceiro ainda gravou metais e piano e fez parte da mixagem.
Série para a TV
O vídeo, que demorou cinco meses para ficar pronto, é considerado um dos favoritos de Rebouças. A evolução da equipe, que hoje usa algumas das mais avançadas técnicas de animação, fez com que se arriscassem a produzir uma série de animação para ser exibida na TV.
Na próxima empreitada do time, personagens dos clipes, como Filó (uma sapinha alegre do gênero Phyllomedusa) e Rã-zinza (o percussionista macambúzio da banda) vivem aventuras em que usam o conhecimento sobre a biologia das espécies e que deixam lições sobre a importância da biodiversidade.
“Existem muitos desenhos animados com animais, mas queríamos fazer o primeiro que, além de divertido, trouxesse informações científicas acuradas”, encerra.
Abaixo, alguns vídeos selecionados pelo Conexão Planeta para esta reportagem da Agência Fapesp: o primeiro da série (Blues do Sapo Gigante), Sudenly Noronha baseado na música de Lulu Santos, a homenagem a Luiz Gonzaga e os sapos coloridos da Amazônia, o último da série.
Pra quem quiser maratonar o canal, repetimos o link aqui.
Fotos: reproduções dos vídeos