Atualizado às 20h30, de 14/12
Hoje, o PL 5544/20 entrou na pauta da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, presidida pela deputada federal Carla Zambelli, aconteceram alguns tumultos, o relator foi grosseiro com parlamentares e a sessão foi suspensa. Mas a mobilização continua: no ano que vem, o autor do PL não vai desistir e ele voltará à agenda novamente. Veja como se engajar.
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No Brasil, caçar é proibido há 50 anos, mas há parlamentares no Congresso Nacional que defendem os interesses de caçadores e da indústria de armas e munições e – desde 2019 com maior afinco – tentam aprovar projetos de lei nesse sentido.
O abaixo-assinado do movimento Todos contra a Caça – que reúne “cidadãos e instituições da sociedade civil e tem mais de 1,2 de assinaturas – indica que há 12 projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado.
Um deles é o PL 5544/2020, de autoria do deputado federal Nilson Stainsack (PP-SC), que defende a caça esportiva de animais, ou seja, que caçadores possam atrai-los e matá-los de forma covarde, por diversão e prazer.
Os maiores beneficiários desta proposta são colecionadores, atiradores e caçadores (conhecidos pela sigla CAC), que devem ter 21 anos. A licença para esse tipo de caça terá validade de três anos e será emitida por órgão federal de meio ambiente, também responsável
Como comentei acima, o projeto foi colocado em votação na Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, presidida pela deputada federal bolsonarista Carla Zambelli, mas, depois de muito tumulto, a sessão foi suspensa por ela. O debate e a votação ficaram para o ano que vem, mas a mobilização não.
Javali, como desculpa
O apoio incondicional de Zambelli ao governo de Bolsonaro é bastante conhecido, assim como sua paixão por armas de fogo. Em outubro do ano passado, se gabou de tirar porte para usar armas calibre 38 e de atirar bem com um fuzil AR-!5. Portanto, a comissão e a votação desse PL não poderiam estar em piores mãos.
Para defender o PL da caça esportiva ela ressalta que seu objetivo maior é o controle do javali, que é uma espécie invasora, que se reproduz rapidamente, não tem predadores naturais e ameaça outras espécies da fauna. O relator do PL, deputado Nelson Barbudo (PSL/MT) vai além: o objetivo do projeto é caçar javalis e búfalos!
No entanto, a lei que proíbe a caça no Brasil abre exceção para a caça do javali, ou seja, já contempla essa questão. Tanto que grupos favoráveis ao armamento têm se valido da lei para aumentar seu arsenal, inclusive com fuzis, como denunciou o programa Fantástico, em setembro deste ano. E o pior é que essa prática tem ajudado a espalhar ainda mais a presença desse animal pelo país.
Como se não bastassem o desmatamento, as queimadas criminosas, o tráfico de animais (que é a terceira atividade mais rentável depois do tráfico de drogas e de armas) e a caça ilegal, se esse PL for aprovado, colocará em risco animais silvestres de todas as espécies, entre eles macacos, araras e onças, aumentando sua vulnerabilidade e a lista de espécies que podem ser extintas.
Por isso, é urgente a mobilização da sociedade e de organizações, que pode ser feita de diversas formas, independente do resultado da votação de hoje:
– assinar a petição online contra a caça no Brasil;
– votar na consulta pública deste PL, no site da Câmara e
– manifestar-se nas redes sociais contra o PL, em posts com as hashtags #TodosContraACaça #PL5544não #PLDaCaçaNão.
Hipocrisia
Um dos principais argumentos do texto do PL 554 é a promoção de uma maior interação do ser humano com a natureza. Difícil compreender como alguém pode ter pensado nisso e ainda ter sido capaz de classificar essa desfaçatez como motivo para a aprovação de uma lei tão criminosa para a fauna brasileira.
O projeto ainda destaca que caberá ao órgão federal responsável publicar, em até 180 dias da aprovação da lei, a lista de espécies que poderão ser abatidas pelos caçadores, com limitação da área (querem aprovar também em unidades de conservação!) e também indicação do período liberado para a sua prática. O órgão também deverá atualizar a lista anualmente.
Por isso, também, os parlamentares da oposição alegam que o texto é inconsistente. Como aprovar primeiro e regular depois? E quem vai fiscalizar? Ibama, que, no governo Bolsonaro, tornou-se um órgão desestruturado e enfraquecido? Os caçadores sabem disso. Em muitos casos, portanto, trata-se de apenas legalizar a caça ilegal.
Trata-se também de atender à indústria de armas e munições, apoiadora do governo Bolsonaro, que nunca vendeu tanto no Brasil.
De acordo com dados da Polícia Federal, mais de 76 mil armas foram registradas só no primeiro semestre deste ano. Esse número representa crescimento de 67% em comparação com o mesmo período de 2020 e também a maior taxa de crescimento em 13 anos, que, no Acre, foi de 209%. E dobrou nos estados do Amapá, Maranhão, Sergipe, Bahia, Tocantins, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Na contramão
Como diversas propostas defendidas pelo governo Bolsonaro e seus aliados, o texto do PL 554 está desalinhado da realidade e dos movimentos mundiais e nacionais em prol dos direitos dos animais e de seu bem-estar.
No Brasil, praticar maus tratos em animais é crime! E, como em diversas partes do planeta, cada vez mais pessoas tiram ou reduzem a presença de proteína animal em seu cardápio diário. E não falo de decisões tomadas com base em perda de poder aquisitivo com a inflação – o país voltou ao mapa da fome e a carne tem se tornado proibitiva no orçamento da maioria das famílias que ainda podem comer -, mas, sim, do simples desejo de eliminar o sofrimento animal do prato.
O caso das Búfalas de Brotas, no interior de São Paulo, encontradas em estado de completo abandono, sem água nem alimento, comoveu o país. Já é conhecido como um dos maiores crimes contra animais do mundo e pode ser o estopim para um grande movimento em favor do veganismo.
Metade dos estados brasileiros não permite a utilização de animais em espetáculos circenses e a luta para que esta seja uma lei válida para todo território nacional continua. E zoológicos e aquários estão na mira dos defensores mais ferrenhos dos animais, que exigem, pelo menos, que seus recintos sejam mais acolhedores e promovam maior liberdade para seus moradores
Animais só matam por sobrevivência: se defender ou comer. São caçadores por instinto. O ser humano, dotado de livre arbítrio, não deveria ser chamado de caçador porque mata sem necessidade: por ganância, ódio ou diversão. É covarde. E quem defende essa prática, também.
Foto: Pixabay/Domínio Público