A medida editada por Bolsonaro na semana passada – com o intuito de “favorecer o ambiente de negócios” -, ameaça ainda mais lugares lindos como o da foto. Mas não só o meio ambiente será impactado: a segurança sanitária e a prevenção contra incêndios também.
Assim, com a Medida Provisória (MP) 1040, publicada em 30 de março, que altera lei de 2007, o presidente inseriu o licenciamento robotizado – ou seja, automático, sem análise de um especialista – no trecho que faz referência a licenças que contemplam “segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio“.
Agora, basta o interessado fazer a solicitação para receber, de forma automática, o licenciamento ambiental para executar sua obra. Tudo “sem burocracia”, sem a necessidade de rever o projeto, nem mitigar impactos.
“O alvará de funcionamento e as licenças serão emitidos automaticamente, sem análise humana, por intermédio de sistema responsável pela integração dos órgãos e das entidades de registro, nos termos estabelecidos em resolução do Comitê Gestor da Redesim”, indica a MP.
É “o paraíso na Terra” para desenvolvimentistas.
No caso de estabelecimentos comerciais, “o alvará de funcionamento será emitido com a assinatura de termo de ciência e responsabilidade do empresário, sócio ou responsável legal pela sociedade”.
Nessa linha, o requerente é quem deve observar se seu empreendimento atende os requisitos para “o funcionamento e o exercício das atividades econômicas constantes do objeto social”, atendendo as “normas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio”.
A lei alterada com uma “canetada” do presidente trata da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).
Para virar lei, nova MP depende da aprovação do Congresso
Qualquer Medida Provisória tem prazo de vigência de 60 dias e pode ser prorrogada uma vez por igual período. Como se trata de instrumento com força de lei, pode ser adotada pelo presidente da República sem a dependência do Congresso, passando a valer imediatamente após sua publicação.
No entanto, para virar lei, a MP depende da aprovação da Câmara dos Deputados e do Senado. Em seguida, recebe a sanção presidencial. Mas, enquanto isso não acontece, já pode ser adotada pelos interessados, que, em 60 dias, podem causar muitos impactos desastrosos.
Em teoria, qualquer governante com o mínimo de compromisso com seu país deveria lançar mão desse instrumento apenas em casos de extrema urgência e relevância. Mas não é o que tem sido feito neste governo, em especial. Bolsonaro tem se utilizado das MPs para acelerar processos que facilitem seus interesses e compromissos com seus aliados e apoiadores.
“Aberração jurídica”
Segundo Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima – que deixou a presidência do Ibama assim que Bolsonaro assumiu o governo -, a MP 1040 impõe uma “aberração jurídica” ao processo de licenciamento ambiental nacional, “ao prever uma MP que libera alvarás de funcionamento e licenças emitidas automaticamente, sem análise humana”.
E acrescenta: “Não fica claro exatamente o que isso significa nem a amplitude de aplicação, mas o texto faz referência expressa a normas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio”.
À reportagem do Estadão, a especialista chamou a atenção para catástrofes ocorridas devido a problemas em alvarás de funcionamento e falhas na fiscalização.
“Não aprendemos nada com tragédias como a da Boate Kiss, em Santa Maria, na qual morreram 242 pessoas, ou com o rompimento da barragem de Brumadinho, com perda de 259 pessoas e desaparecimento de outras 11? Quanto vale a vida humana e o equilíbrio ambiental neste país?”. E completou:
“Somente em um governo que tem muito pouco apreço pela vida humana e pela proteção do meio ambiente poderia ser editada uma regra desse tipo”.
Violação de princípios
A tentativa de criar um dispositivo que drible licenças e permita sua aprovação automática para acelerar empreendimentos não é de agora.
Em 2019, o governo tentou aprovar – também por meio de Medida Provisória – um dispositivo para a aprovação automática de licenças ambientais.
O item integrava o texto original da MP 881/2019, que ficou conhecida como MP da Liberdade Econômica por conta de seu objetivo: “reduzir a intervenção estatal nas atividades econômicas brasileiras“. Esta é uma das grandes bandeiras do governo Bolsonaro.
A MP foi publicada em abril daquele ano e entrou em vigor no mesmo ato. Cinco meses depois, foi aprovada pelo Congresso, com alterações, e virou a Lei 13.874/2019.
Mas o trecho da MP que se referia à aprovação automática de licenças foi vetado pelo próprio presidente. A justificativa do governo foi de que o “dispositivo não contempla de forma global as questões ambientais, limitando-se a regular apenas um tipo de licença específica, o que o torna inconstitucional”.
Em 2020, o PSB protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6528) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra dispositivos dessa Lei, “que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e estabeleceu garantias de livre mercado“.
Alegava que um de seus artigos estabelece que, “transcorrido o prazo máximo definido e apresentados os elementos necessários, será concedida aprovação tácita do pedido de liberação da atividade econômica, mesmo no caso de haver impacto socioambiental”.
Para o partido – que integra a Frente Parlamentar Ambientalista – “a aprovação tácita, no Direito Ambiental, viola os princípios do desenvolvimento sustentável, da preservação do meio ambiente e da proibição do retrocesso em direitos fundamentais socioambientais, entre outros impactos”.
O texto ainda sustentava que “a Constituição veda práticas que coloquem em risco a fauna e a flora e prioriza ações preventivas contra danos ambientais, inclusive quando houver incertezas científicas sobre a perda de diversidade biológica“.
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Fonte: O Estado de São Paulo
Foto (destaque): José Sabino/Natureza em Foco (Vista aérea do Rio da Prata, em Bonito, Mato Grosso do Sul)
Nossa natureza merece respeito por parte dos empresários! Espero que esta medida seja revista!
Importante matéria sobre mais uma arbitrariedade deste (des)governo. No entanto, discordo, da denominação desenvolvimentista para caracterizar estes interesses. Os desenvolvimentista, não são tão ignorantes assim.