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Governo exclui Ibama de processos para permissão de criação de peixes em “corpos d’água da União”

Governo exclui Ibama de processos para permissão de criação de peixes em "corpos d'água da União"

Em um decreto publicado no Diário Oficial da União, na segunda-feira (14/12), assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, foram feitas mudanças na forma como até então eram realizados os processos para permitir a criação de peixes, a prática da aquicultura, em “corpos d’água que pertencem à União”. Segundo a Constituição Federal, são bens da União lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham.

De acordo com o texto do novo decreto e o conteúdo divulgado em uma live entre Bolsonaro e Jorge Seif Júnior, secretário de Aquicultura e Pesca, a partir de agora a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) não farão mais parte do processo de aprovação do uso desses espaços físicos por pessoas físicas ou jurídicas.

“A Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento encaminhará a solicitação de uso da área de domínio da União e os demais documentos necessários à Autoridade Marítima, para análise quanto à segurança ao trafego aquaviário, e à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, para adoção de medidas necessárias à entrega da área ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que realizará a cessão de uso ao beneficiário”, lê-se no decreto.

Na live, Bolsonaro e Seif comemoraram muito a mudança e disseram que irá desburocratizar o setor (veja o vídeo completo ao final deste texto).

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“O decreto desburocratiza, moderniza e dá celeridade aos processos de cessão de águas da União, facilitando o cultivo de organismos aquáticos no Brasil”, afirmou o presidente.

Já Seif, o mesmo que no auge da crise do derramamento de petróleo nas praias do Nordeste, no ano passado, disse que “peixe é inteligente, quando vê mancha de óleo, foge”, para tranquilizar população, explicou que agora tudo ficará mais fácil, que a gestão de alguns parques de aquicultura será passada aos estados que “sejam bons gestores” e não haverá mais licitação.

“E retiramos ainda, oficialmente, o Ibama de todo esse processo”, celebrou o secretário da pesca, em tom bastante irônico.

Esse é um novo golpe do governo para enfraquecer o principal órgão de fiscalização ambiental do país, que cada vez mais, vem perdendo seu importante papel na preservação da biodiversidade brasileira.

O anúncio causou preocupação e alarde entre especialistas do setor. “O decreto é um absurdo e criminoso do ponto de vista ambiental e da biosegurança e biodiversidade aquática”, afirma o biólogo Jean Vitule, professor de Ecologia do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

“É o Ibama que avalia e faz os termos de referências sobre análises de impactos e viabilidade para o meio ambiente, além de avaliações técnicas sobre impactos em organismos nativos e ecossistemas e fiscalizar se a lei está sendo cumprida ou não”, diz.

O risco das espécies exóticas

Para Vitule, o principal problema com a mudança na legislação anunciada há poucos dias é que se pode perder o controle sobre a criação de espécies exóticas no país porque é comum acontecerem escapes de peixes criados em tanques para corpos de água naturais, como lagoas lagos, rios, riachos e várzeas. Ele cita, por exemplo, o que acontece com a tilápia.

“Quando há escapes das tilápias de tanques de cultivos, se esses indivíduos possuem parasitas, fungos ou vírus, esses organismos vão direto para os ecossitemas naturais e seminaturais. É um tipo de poluição biológica e grave, pois diferente de poluentes físicos e químicos, ela pode, por exemplo, se multiplicar no espaço e no tempo, correr nos sentidos contrários ao fluxo de rios e reservatórios entre outras coisas”, explica.

“O que se deveria perguntar para os governantes é por que investir em poucas espécies exóticas se temos a maior diversidade de peixes de água doce do planeta?”, questiona Vitule.

O biólogo destaca que existem centenas de trabalhos científicos que relatam os impactos de tilápias em ecossistemas naturais, não só para os organismos aquáticos, mas a eutrofização de águas (aumento de nutrientes, especialmente fósforo e nitrogênio, o que provoca surgimento excessivo de organismos como algas e cianobactérias) e até, transmissões de doenças como cólera, para humanos. “No Nordeste onde as tilápias existem há anos já existem claras evidências de impactos”, alerta.

Por exemplo, de acordo com a lei de crimes 9605 de 1998, do “Poluidor – Pagador”, se um aquicultor introduzir uma espécie exótica ou deixar escapar alguma tilápia, ele é obrigado a fazer uma compensação ambienal, com pena de multa ou prisão. Com o novo decreto, sem a atuação do Ibama, quem irá fiscalizar e punir esses produtores?

Por último, o especialista ressalta que o o cultivo de organismos não nativos vai contra tratados internacionais de biodiversidade, dos quais o Brasil é signatário.

“Certamente é um caso onde os que elaboraram o projeto estão tendo uma visão puramente comercial, mercadológica e simplista, ou seja, isso beneficiará um grupo ou grupos pequenos da sociedade em detrimento de impactos grandes e que ocorrerão em uma escala de tempo longo e que influenciará diferentes setores, como pescadores profissionais, ribeirinhos e até questões de saúde e abastecimento público, mas o maiores prejuízos serão aqueles para a biodiversidade aquática nativa”.

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Foto: ANPr/Fotos Públicas

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