Por Alberto César Araújo*
O período de isolamento social tem se apresentado para a fotografia como um momento de reinvenção, de muita criatividade e também de solidariedade e união dos profissionais a algumas causas. Infinitas lives, cursos, festivais e exposições online, reuniões virtuais, sessões de fotos remotas, aplicativos, financiamentos coletivos, campanhas de vendas de fotografias fine-art para arrecadar fundos e doações e por aí vai.
Um movimento que nos aproximou mesmo que diante do distanciamento presencial.
Na Amazônia, a primeira campanha para levantar doações para o movimento indígena durante a pandemia do novo coronavírus foi a Imagens aos Povos, que reuniu dez profissionais da imagem para arrecadar doações para a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), que tem Sônia Guajajara, como principal liderança. A campanha se encerrou em maio, com a venda de 120 fotografias e 20 doações diretas.
Outra campanha também já encerrada foi a 120 Fotos para Belém, que reuniu fotógrafxs para arrecadar fundos para cinco instituições que atendem às populações em vulnerabilidade de Belém e seu entorno. Foram arrecadados 16 mil reais, revertidos em cestas básicas.
Muito além da Amazônia
Iniciativas como essas demandam planejamentos estratégicos, planos de marketing, uma grande atuação nas redes sociais, prestação de contas, dedicação de tempo e a necessidade de um bom network para que as metas sejam alcançadas, como em um verdadeiro empreendimento.
Hoje, 1º de setembro, surge uma nova campanha, reunindo um grande número de profissionais de diversos países, e não só os fotógrafos que atuam ou são da região amazônica: Fotos para Rondônia. Siga a campanha pelo Instagram.
O objetivo é que, em seis meses, a iniciativa levante doações para organizações como a Associação Kanindé, uma importante organização que trabalha em defesa dos povos indígenas e a Articulação de Suporte e Enfrentamento à Covid-19.
À frente do projeto estão Marcela Bonfim, fotógrafa e multiartista, responsável pela galeria e criação do site, Ederson Lauri, fotógrafo e professor da Universidade Federal de Rondônia, e Tulasi Resende, fotógrafa e psicóloga. Eles são alguns dos organizadores do projeto.
O projeto surgiu de uma demanda de algumas comunidades, como a de Nazaré, e grupos de indígenas que enfrentam dificuldades diante da pandemia.
“Quando você vê uma comunidade precisando de máscaras, de detergente, de água sanitária, álcool, são necessidades básicas que preocupam quem está na cidade, imagina quem mora no interior da Amazônia, como na região de Ji-Paraná, Porto Rolim e até mesmo na região de Alta Floresta no Mato Grosso. Ver isso gerou motivação para esse chamamento para uma ação”, conta Marcela.
As comunidades sofrem com as distâncias, a falta de renda, e muitos não conseguem acessar os recursos dos programas emergenciais.
Um grupo de fotógrafos com experiências como a Fotografias por Minas, uma das mais bem sucedidas campanhas de engajamento que reuniu 300 profissionais e arrecadou mais de 236 mil reais em 40 dias, se somou aos profissionais de Rondônia.
A partir dos inúmeros relatos de lideranças indígenas e comunitárias sobre as dificuldades que enfrentam, o ativismo que não vê fronteiras geográficas falou mais alto. Esta troca de experiências e a possibilidade de conhecer outros trabalhos foram o diferencial desse projeto para Marcela.
Coronavírus e queimadas
O press-release da campanha Fotos para Rondônia, feito pela jornalista Ana Aranda, chama atenção para as necessidades e motivações da iniciativa:
”A articulação dos fotógrafos integra a Campanha de Articulação de enfrentamento ao Covid-19, promovida em todo o Brasil para a compra de alimentos, máscaras, material de higiene e outros itens essenciais para o combate da doença. A organização de costureiras de baixa renda para a confecção de máscaras é outra vertente do movimento”.
A empreitada reúne cerca de 95 nomes da fotografia contemporânea, seja documental, fotojornalismo, da antropologia visual e de fotografias de eventos. Inclui desde jovens promessas a nomes consagrados, como J.R Ripper, Kim-Ir-Sen e Marcia Charnizon.
Profissionais de todas regiões do Brasil, radicados no exterior ou fotógrafos internacionais com perfis bem diferentes se unem para chamar a atenção para a Amazônia em meio à pandemia do novo coronavírus e a esta temporada de queimadas.
Esta é uma ótima oportunidade para conhecer trabalhos de fotógrafxs que não estão no circuito de galerias de artes e dos festivais de fotografia. E também para quem valoriza o colecionismo, pois as fotos terão impressões em padrão fine art, 20x30cm, acompanhadas de certificado de autenticidade, com valor fixo de 150 reais.
As compras são feitas pelo site da campanha. As imagens doadas pelos fotógrafos e fotógrafas para a campanha serão entregues gratuitamente pelos Correios.
Solidariedade e ativismo
A ação vai atingir os povos indígenas de Rondônia, do sul do Amazonas e do noroeste do Mato Grosso, ou seja, a região que faz parte do arco do desmatamento, novamente muito afetada pelas queimadas. O que reforça o caráter emergencial para a ação.
Para Marcela, não é apenas uma questão de solidariedade, mas marcar uma posição de ativismo dos fotógrafos que se dedicam a documentar a região.
“A ação serve também para repensar as narrativas e a produção atual na Amazônia. E, não menos importante: refletir sobre a importância das imagens políticas, pois todos os que participam emprestam seu olhar e têm uma intenção política em suas fotografias. Não tem como dissociar o que estamos vivendo nas nossas vidas com as nossas produções artísticas”, conclui a fotógrafa.
“A ação serve também para repensar as narrativas e a produção atual na Amazônia. E, não menos importante: refletir sobre a importância das imagens políticas, pois todos os que participam emprestam seu olhar e têm uma intenção política em suas fotografias. Não tem como dissociar o que estamos vivendo nas nossas vidas com as nossas produções artísticas”, conclui a fotógrafa.
Foto (destaque): Raphael Alves
* Este texto foi originalmente publicado pela agência de jornalismo independente Amazônia Real em 31/8/2020. O autor, Alberto César Araújo, é editor de fotografia da agência e um dos nominators do Programa 6X6 Global Talent da Fundação World Press Photo