*Por Mariana Campos e Rosana Villar
Você sabe de onde vieram o feijão, a mandioca e o pepino do seu almoço hoje? Provavelmente, de agricultores familiares. E hoje, 25 de julho, é o dia deles. Responsáveis pela produção de 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros e representando 77% dos empregos da agropecuária do país, eles merecem todas as homenagens.
Os agricultores familiares são a maior prova de que é possível produzir comida sem agrotóxicos. Embora nem todo agricultor familiar seja 100% orgânico ou agroecológico, eles são os protagonistas desse tipo de cultivo, que respeita os processos da natureza, evitando impactos negativos na nossa saúde e na do meio ambiente.
A demanda por alimentos agroecológicos vem crescendo, mas ainda representa muito pouco da nossa produção. Hoje, a agricultura familiar ocupa apenas um quarto das terras usadas para a agricultura no Brasil. Nossos governantes precisam incentivar a produção de alimentos de qualidade, mas insistem em continuar de mãos dadas com um modelo extremamente tóxico: esta semana, o governo liberou mais 51 agrotóxicos, totalizando 290 substâncias em menos de 8 meses.
‘Alimentar toda a população sem agrotóxicos’? Eu ouvi direito?
Os ruralistas e outros grupos proprietários de grandes porções de terra no Brasil têm todo o interesse em dizer para você que não dá para cultivar alimentos sem agrotóxicos. Isso porque eles lucram, e muito, defendendo monoculturas entediantes que fazem uso massivo de veneno, consomem muito mais água e esgotam o solo. Mas, enquanto eles enchem seus bolsos de dinheiro, a população se enche de veneno.
Já nós defendemos uma agricultura que valoriza a biodiversidade e é muito mais cuidadosa com o meio ambiente, a nossa saúde e os trabalhadores do campo. E sim, é possível produzir sem veneno.
Com uma transição adequada, que leve em consideração fatores como distribuição, comercialização e consumo, a produção agroecológica é capaz de alimentar todo o planeta.
Para que essa transição aconteça, precisamos de políticas públicas. O papel do governo é fundamental, tanto para incentivar os produtores a migrar para formas mais ecológicas de produção, oferecendo subsídios e assistência técnica, quanto para gerar renda e desenvolvimento local.
Por exemplo, o governo poderia trocar as absurdas isenções fiscais para agrotóxicos por isenções fiscais para quem produz orgânicos, e colocar em prática os Programas de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA e PNAE). De modo geral, a solução existe e tem nome: é a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), que tramita no Congresso.
A agricultura convencional é altamente prejudicial ao planeta e está esgotando os recursos naturais. Se não mudarmos urgentemente para formas mais sustentáveis de produzir nossa comida, entraremos em colapso.
O que a agricultura familiar tem de bom?
- Produz alimentos saudáveis e nutritivos, como frutas e legumes, permitindo uma dieta mais diversa, que combate a obesidade e a desnutrição;
- Segue práticas que preservam o meio ambiente e a biodiversidade, sem provocar mais desmatamento nem demandar uso intensivo de água, esgotamento do solo e aumento das emissões de gases de efeito estufa;
- Respeita os trabalhadores do campo;
- Gera muito mais empregos, ao contrário do modelo convencional, que é limitado nesse sentido por ser altamente mecanizado;
- Garante a segurança alimentar, porque a diversidade de produtos aumenta as chances da produção se sustentar e fornecer alimentos no longo prazo.
Confira algumas histórias de agricultores familiares
De planta em planta, uma feira inteira!
Para todo o lado que se olhe na propriedade de Domingos Ramos (na foto que abre este post), no município de Carolina (MA), se vê um “pé de alguma coisa”, tudo orgânico: melancia, abóbora, pepino, maracujá, maxixe.
“A gente tem que variar as coisas para poder vender, se plantar muito de uma coisa, acaba não vendendo. Então a gente planta de tudo que é salada, um gosta de uma coisa, outro gosta de outra”, explica o produtor. E a lista continua. “No inverno a gente planta na área alta e no verão a gente vai para a baixada. No verão são as roças de arroz, milho, feijão e mandioca. No inverno, aí a gente planta verdura, alface, cheiro verde, pimentão, pimenta”.
Domingos não gosta do que vê do lado de fora de seu sítio: o desmatamento e a monotonia das monoculturas parece sufocar sua forma de vida.
“Aqui nós estamos muito perto do agronegócio, na região de Balsa já derrubaram tudo, na região do Sereno também. Eu tenho uma visão que para manter o Cerrado em pé e para a pessoa sobreviver tinha que ter alguma coisa e por um tempo tínhamos uma cooperativa de polpas aqui que ajudou muito, tanto que quando começava a época de fogo ficava todo mundo preocupado em cuidar”, lembra.
A cooperativa não durou muito, faltou apoio para o grupo poder crescer e se estruturar, mas Domingos é incansável. “Aqui o que mais a gente tem necessidade hoje para melhorar nosso trabalho é ter uma assistência técnica. Para melhorar e aumentar a produção, não dá para plantar de qualquer jeito. Por enquanto eu vou tentando, planto de um jeito, outra hora de outro, e o povo pergunta. Eu digo que uma hora dá certo!”
O sonho da produção 100% orgânica
O agricultor Miguel Souza vive em um assentamento em Barreiras, no oeste da Bahia, e produz em sua pequena propriedade limão, mandioca, batata doce, alho, cana-de-açúcar, mamão… “Produzo o ano todo. Se dá vontade de plantar, eu vou lá e planto, que a produção é garantida”, conta.
Sua freguesia fica a poucos quilômetros de casa e a produção é toda vendida diretamente para os moradores de Barreiras. “Entrego de moto”. Hoje, mais de 90% de sua produção é orgânica, ele produz seu próprio repelente defensivo e traz a sabedoria sobre a terra de quem viveu muitas gerações no campo.
“Meu pai e meus avós trabalharam a vida inteira com orgânico, porque naquela época nem tinha dessas coisas, e depois a gente percebe que não é necessário esse tanto de agrotóxicos, principalmente para nós que plantamos em pequena escala”, defende. “O manejo com plantas que são repelentes, como o quiabo, o gergelim, a mamona, esse conhecimento de como as plantas interagem e o ciclo dos insetos e das plantas, isso tudo ajuda”.
O único item que separa Miguel de sua sonhada plantação inteiramente orgânica é o alho, cujas sementes selecionadas são compradas de uma grande empresa, que lhe confere tratamento químico. “O que falta é tecnologia e desenvolvimento para a gente. Se a gente tivesse uma câmara fria para fazer as sementes, seria 100% orgânico”, lamenta. Miguel é mestre de obras por formação, mas foi a lida na terra que lhe proporcionou um rendimento estável e a companhia de sua família. “Não troco minha roça por nada”.
Cerrado em forma de sorvete
O pequi tem o sabor da infância para Bartolomeu Xavier. Nos quintais de sua família, o jovem da caatinga provou os frutos do Cerrado pela primeira vez e gostou tanto que hoje dedica sua vida a produzir sorvetes com suas polpas, na sorveteria Sabores do Cerrado, que fica em Cristópolis (BA). Lá você encontra picolé de cagaita, murici, mangaba, araçá e, claro, pequi.
“A gente faz os tradicionais também, leite condensado, chocolate, morango, o povo das comunidades prefere esses. Mas geralmente a pessoa que é de fora, de Salvador, gosta mesmo é das frutas do Cerrado”, conta.
A produção artesanal conta com o fornecimento de 10 produtores familiares, que coletam e lhe entregam diferentes tipos de frutas. “Uma das fornecedoras me entrega a polpa, pois ela já tem os conhecimentos de higiene e faz tudo de acordo com as normas de segurança. As outras eu tiro a polpa na sorveteria. Essas sementes eu guardo e fazemos mudas em uma estufa. Assim elas são distribuídas de volta para os produtores”, explica.
Para Bartolomeu, se os pequenos produtores tivessem mais apoio, seu negócio poderia ir mais longe e a comunidade toda seria beneficiada. “Antes de pensar em crescer, tenho que pensar como montar uma cooperativa de extração de frutos. Mas para mim também não é fácil, minha maior limitação é financeira”, conta. “O que me mantém nesse trabalho é o amor pelo Cerrado”.
*Texto publicado originalmente em 25/07/2019 no site do Greenpeace Brasil
Fotos: © Marizilda Cruppe/Greenpeace (abertura) e Rosana Villar (demais)