*Por Claudio Angelo
“Ainda estamos todos meio que em choque”, reagiu a britânica Liz Gallagher ao ser questionada sobre o impacto da saída de seu país da União Europeia, na semana passada.
Gallagher é analista da E3G, um dos principais think-tanks europeus na área de política climática. Ela afirma que o resultado do Brexit, o referendo que decidiu pelo rompimento britânico com o bloco, deve ter efeito reduzido sobre a ratificação pelo Reino Unido do Acordo de Paris. No entanto, o custo político da saída tende a ser alto para a Europa, e pode afetar a liderança do bloco na transição global para a energia limpa.
O Reino Unido votou na quinta-feira (23) pelo fim de uma união que existe desde 1973, formalizada em 1993 com o Tratado de Maastricht na forma como existe hoje – ou existia até então. A campanha revelou um país dividido praticamente ao meio: 51,9% dos britânicos votaram pela separação, contra 48,1% pela permanência na UE. Temas como imigração, terrorismo e soberania pautaram o debate pela saída. Meio ambiente não esteve nas conversas.
O primeiro efeito do Brexit foi fazer as bolsas de valores despencarem dentro e fora da Europa, a cotação da libra cair em relação ao dólar (de US$ 1,45 para US$ 1,34, o menor valor desde 1985) e o premiê David Cameron renunciar. No Brasil, a Bovespa caiu 3% e o dólar subiu a R$ 3,45, recuando depois. A revista inglesa The Economist, a voz da finança global, chamou o resultado de “passo em falso” e “separação trágica”.
O pânico dos mercados se deve à incerteza instaurada sobre como será o novo gabinete britânico e o que acontecerá com a Europa, segunda maior economia do mundo, que de saída perderá seu coração financeiro – a cidade de Londres.
Incertezas também abundam sobre como a questão de clima e energia será tratada pelo Reino Unido de agora em diante. Vários defensores do Brexit, como o líder do partido de ultradireita Ukip, Nigel Farage, e o ex-prefeito de Londres Boris Johnson são, em maior ou menor grau, céticos do clima. Eles têm defendido menos restrições às emissões de poluentes por termelétricas, por exemplo. “Não temos ideia de quais leis serão mantidas, já que as pessoas que fizeram campanha pelo Brexit não tinham uma posição unificada”, disse em comunicado James Thornton, da Client Earth, uma organização de advogados que tem forçado o governo a aprimorar regulações ambientais.
“Há um medo muito real de que o sucessor de Cameron possa vir da escola que defende fazer uma fogueira com as leis de proteção contra a poluição”, disse John Sauven, diretor do Greenpeace no Reino Unido.
Alguns analistas acham pouco provável que o novo governo “nativista” de Londres vá mudar significativamente os compromissos já assumidos – que incluem o fechamento de usinas a carvão sem captura de CO2 em 2025 e a união energética com UE. Isso por bons motivos econômicos: primeiro, porque a indústria da energia limpa é a que mais cresce no país e tem puxado para cima o PIB britânico, mesmo num cenário de baixo crescimento de todos os países desenvolvidos. Essa indústria tem na UE seu maior mercado.
Segundo, porque a integração energética com a Europa – que implica em obedecer à legislação climática europeia – ajuda a manter alta a segurança energética do Reino Unido e baixas as contas de luz dos britânicos, já que cada vez mais energia consumida no Reino Unido vem da Europa continental. “Desplugar da Europa não é uma opção”, afirma um relatório da Chatham House, uma organização de pesquisas, publicado em maio.
Atraso em Paris
Segundo Gallagher, a princípio as implicações do Brexit para o Acordo de Paris são pequenas. “O Reino Unido continua a ser parte da Convenção do Clima da ONU e provavelmente ratificará o Acordo de Paris, como faria se não fosse esse resultado”, afirmou.
No entanto, isso deve atrasar. Primeiro, porque o Parlamento britânico agora tem mais o que fazer: iniciar o longo processo de separação da UE, que inclui desfazer leis e acordos que mexem com praticamente todos os segmentos da economia e da vida dos cidadãos.
Depois, porque tanto o Reino Unido quanto a União Europeia precisarão submeter à ONU novas INDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas). A meta europeia, de reduzir suas emissões em pelo menos 40% em 2030 em relação a 1990, foi calculada com base na divisão de esforços entre todos os seus (então) 28 membros. O mesmo vale para as metas nacionais de cada país europeu. Com a perda da Grã-Bretanha, a UE precisará refazer as contas e o Reino Unido precisará apresentar uma nova INDC.
Segundo Gallagher, não se espera que a ambição das metas seja afetada. O relatório da Chatham House, porém, nota que o Brexit pode levar a um enfraquecimento do Climate Change Act, a principal lei climática britânica. Hoje esse legislação está ancorada à meta europeia: mesmo mudando-a, o Reino Unido ainda precisaria cumprir a meta do bloco. A partir desta sexta-feira isso deixa de ser verdade. Enfraquecer a própria meta, porém, deixaria o Reino Unido isolado e exposto a críticas – e, no limite, a barreiras comerciais – por parte de países como China e EUA.
Retrocesso na União Europeia
O maior de todos os problemas está no peso político que o Reino Unido dava à decisão até aqui inequívoca da União Europeia de descarbonizar sua economia. Todos os analistas concordam em que a liderança climática do bloco, que contava com três pesos-pesados do G7 (Reino Unido, Alemanha e França) fica abalada. O próprio Reino Unido foi a principal força por trás da adoção da meta europeia.
“Embora o Brexit tenha dominado as interações do Reino Unido com outros Estados-membros e com a Comissão Europeia, o Reino Unido trem sido uma força predominantemente progressista no debate europeu sobre clima e energia”, disse Gallagher. “A confiança no projeto europeu será minada.”
Segundo a Chatham House, uma implicação imediata é um deslocamento do “centro de gravidade” da política de clima a favor de membros que advogam metas mais frouxas, como os países do Leste Europeu. Isso pode “afetar seriamente as políticas internas de descarbonização da UE”. O chamado ETS, o esquema de comércio de carbono europeu, também deve perder um de seus principais clientes.
Outro risco, apontado pela E3G, é o de uma retomada da estratégia da Rússia de “dividir e conquistar”, usando o suprimento de gás natural como instrumento de política externa. Após a anexação da Crimeia, a UE iniciou um movimento de união energética para fazer frente à Rússia, negociando coletivamente contratos de gás e ao mesmo tempo reduzindo a dependência do gás natural como fonte de energia. Sem o Reino Unido, a Rússia – e os combustíveis fósseis – ganham terreno na Europa, atrasando potencialmente a descarbonização.
*Texto publicado originalmente em 24/06/2016 no site do Observatório do Clima
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Foto: Prachatai/Creative Commons/Flickr