
Foram 23 anos desde o último título, um rebaixamento e o vice-campeonato em 2019. Por isso mesmo, a comemoração foi enorme quando os integrantes da escola de Niterói, Unidos do Viradouro, tomaram conhecimento de que ela é a grande campeã do Carnaval 2020, no Rio de Janeiro.
Este ano a escola levou para a Sapucaí o samba enredo “Viradouro de Alma Levada”, que contou a história das lavadeiras que trabalhavam às margens da Lagoa do Abaeté e que lutaram pela alforria e pelos direitos do povo negro em Salvador.
Segundo o presidente da Viradouro, Marcelo Calil Petrus Filho, o enredo foi escolhido por representar uma história muito brasileira.
Entre os século XIX e início do século XX, essas mulheres faziam “lavagem de ganho” (lavavam roupas) ou saiam com seus balaios na cabeça para vender peixe e quitutes pela cidade e ganhar o sustento da família.
Com suas roupas coloridas, elas são parte importantíssima da cultura popular de Salvador. E nas últimas décadas, o grupo musical Ganhadeiras de Itapuã tem usado danças e canções para disseminar e perpetuar esse conhecimento e as tradições do passado.

Para contar essa trajetória linda na avenida, os compositores da Viradouro fizeram um samba com influência de afoxé, ritmo baiano, nos batuques e na melodia.
Através de seu desfile, a escola de Niterói exaltou o papel dessas mulheres negras baianas, ex-escravas, que lutaram pela sua liberdade e são consideradas as primeiras feministas do Brasil.
Por isso mesmo, o último grupo que passou pela avenida era o “Lute como uma mulher!” e tinha mulheres negras ligadas à pauta feminista desfilando.


Abaixo a letra do samba enredo “Viradouro de Alma Lavada”:
Levanta, preta, que o Sol tá na janela
Leva a gamela pro xaréu do pescador
A alforria se conquista com o ganho
E o balaio é do tamanho do suor do seu amor
Mainha, esses velhos areais
Onde nossas ancestrais acordavam as manhãs
Pra luta sentem cheiro de angelim
E a doçura do quindim
Da bica de Itapuã
Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, baixa do dendê
Chama a freguesia pro batuquejê
São elas, dos anjos e das marés
Crioulas do balangandã, ô iaiá
Ciranda de roda, na beira do mar
Ganhadeira que benze, vai pro terreiro sambar
Nas escadas da fé
É a voz da mulher!
Xangô ilumina a caminhada
A falange está formada
Um coral cheio de amor
Kaô, o axé vem da Bahia
Nessa negra cantoria
Que Maria ensinou
Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar
Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!
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Fotos: Riotur/Fotos Públicas/Gabriel Nascimento, Fernando Grilli e Raphael David