Texto atualizado em 29/6 com a ‘carta de desculpas’ de Nelson Piquet
O piloto brasileiro bem que tentou se justificar, mas foi pior. Talvez com o objetivo de confundir e convencer quem se indignou com sua fala racista (principalmente os dirigentes da F1) que se trata de um “erro de tradução”, Piquet optou por responder às acusações apenas em inglês (reproduzo o texto traduzido no final deste post).
Não tem ‘mas’, nem desculpa esfarrapada que justifique o uso de um termo como ‘neguinho’ por um branco, a menos que seja para depreciá-lo e isso é racismo. Ponto!
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Na atualidade, basta o resgate furtivo de um depoimento ‘infeliz” feito por uma personalidade e sua divulgação nas redes sociais para causar um reboliço. Foi o que aconteceu com a divulgação, na última semana, do trecho de uma entrevista concedida pelo ex-piloto de Fórmula 1, Nelson Piquet, a um canal no YouTube, em 2021.
Ao comentar sobre a tentativa de ultrapassagem feita pelo piloto belga Max Verstappen (namorado de sua filha) sobre o inglês Lewis Hamilton, no Grande Prêmio de Silverstone de 2021, na Grã-Bretanha, ele defendeu que o heptacampeão teria tentado tirar Verstappen da corrida.
É verdade que, na ocasião, Hamilton foi punido com 10 segundos e caiu para quinto lugar na disputa, mas conseguiu reverter a desvantagem e venceu a corrida, veja só!
Durante a entrevista, Piquet chamou o piloto inglês de ‘neguinho’ – duas vezes! -, e negou que a situação tivesse qualquer similaridade com a que ele viveu quando, em 1990, Ayrton Senna tentou ultrapassá-lo.
“O ‘neguinho’ meteu o carro e deixou. O Senna não fez isso. O Senna não fez isso. Ele foi, assim, aqui eu arranco ele de qualquer maneira. O ‘neguinho’ deixou o carro. É porque você não conhece a curva; é uma curva muito de alta, não tem jeito de passar dois carros e não tem jeito de passar do lado. Ele fez de sacanagem”.
Repercussão internacional
O episódio causou revolta e indignação e grande repercussão mundial. Os dirigentes da Fórmula 1 se manifestaram contra a fala preconceituosa de Piquet:
“A linguagem discriminatória ou racista é inaceitável sob qualquer forma e não pode fazer parte da sociedade. Lewis é um embaixador incrível do nosso esporte e merece respeito. Seus esforços incansáveis para aumentar a diversidade e a inclusão são uma lição para muitos e algo com o qual estamos comprometidos na F1” (veja o tweet original).
A Federação Internacional de Automobilismo (FIA) também se manifestou:
“A FIA condena veementemente qualquer linguagem e comportamento racista ou discriminatório, que não tem lugar no esporte ou na sociedade em geral. Expressamos nossa solidariedade a Lewis Hamilton e apoiamos totalmente seu compromisso com a igualdade, diversidade e inclusão no esporte a motor“.
A equipe da Mercedes, da qual Hamilton faz parte desde 2013, destacou:
“Condenamos nos termos mais fortes qualquer uso de linguagem racista ou discriminatória de qualquer tipo. Lewis liderou os esforços do nosso esporte para combater o racismo e ele é um verdadeiro campeão da diversidade dentro e fora das pistas. Juntos, compartilhamos a visão de um automobilismo diversificado e inclusivo, e este episódio destaca a importância fundamental de continuar lutando por um futuro melhor”.
E equipes adversárias como Ferrari, McLaren, Alpine e Aston Martin divulgaram notas de repúdio.
“Chegou a hora da ação!”
Somente hoje, 28 de junho, o piloto inglês comentou o episódio protagonizado por Nelson Piquet em seu perfil no Twitter, mas sem citar nomes. Muito elegante, como sempre.
“Vamos focar em mudar essa mentalidade”, escreveu em português, depois continuou em inglês:
“É mais do que linguagem. Essas mentalidades arcaicas precisam mudar e não têm lugar no nosso esporte. Eu fui cercado e alvo dessas atitudes a minha vida toda. Já houve bastante tempo para aprender. Chegou a hora da ação!”.
Esta não é a primeira vez que o piloto se posiciona contra o racismo. Hamilton é o primeiro piloto negro a competir na Fórmula 1 e, desde então, é figura imprescindível em protestos antirracistas que tem se espalhado pelo mundo, em especial a partir de 2020.
Em entrevista para o ator e apresentador Lázaro Ramos, no programa Espelho, ele fez uma declaração importante parafraseando a filósofa e ativista norte-americana Angela Davis:
“No mundo de hoje, não ser racista não é mais suficiente: você tem que ser antirracista. Se você vê algo assim acontecer, tem que falar, tem que contar, tem que não deixar acontecer”.
Coloquial? Só se for no dicionário de Piquet
A seguir, tradução livre da nota publicada por Nelson Piquet hoje para justificar o uso da palavra ‘neguinho’ ao se referir a Lewis Hamilton.
“O que eu disse foi mal pensado, e eu não vou me defender por isso, mas eu vou deixar claro que o termo é um daqueles largamente e historicamente usados de forma coloquial no português brasileiro como sinônimo de ‘cara’ ou ‘pessoa’ e nunca com intenção de ofender. Eu nunca usaria a palavra que estou sendo acusado em algumas traduções.
Condeno veementemente qualquer sugestão de que a palavra tenha sido usada por mim com o objetivo de menosprezar um piloto por causa de sua cor de pele.
Eu me desculpo com todos que foram afetados, incluindo Lewis, que é um grande piloto, mas a tradução em algumas mídias e que circula nas redes sociais não é correta. Discriminação não tem espaço na F1 ou na sociedade e estou feliz em deixar claros meus pensamentos”.
Cai nessa ladainha quem quer. Não tem desculpa, nem justificativa! O termo é racista, ainda mais usado por uma pessoa branca e numa fala depreciativa do começo ao fim.
‘Motorista do presidente
O caso deplorável serviu para tornar ainda mais conhecida a arrogância de Nelson Piquet e trazer à memória que o ex-piloto brasileiro apoia Bolsonaro desde o primeiro dia de seu governo.
Na posse do presidente, em 1 de janeiro de 2019, Piquet dirigiu o carro conversível que conduziu Bolsonaro em celebração à volta do Palácio do Planalto, após receber a faixa das mãos de Michel Temer.
Parecia orgulhoso e feliz. Será que ainda sente o mesmo depois de quase quatro anos de destruição?
Foto (destaque): Reprodução do Twitter