O peixamento é uma prática muito divulgada e usada que envolve a soltura de peixes em ambientes naturais, como rios e lagos, ou semi-naturais, como reservatório e canais. Tal prática é antiga, mas nas últimas décadas os peixamentos têm se tornado cada vez mais comuns no Brasil, e especialmente em estados com muitos corpos de água, como é o caso do Paraná, onde em novembro, o governo promoveu a soltura de 2,6 milhões de peixes, parte do projeto Rio Vivo, que tem como meta repovoar as bacias paranaenses com 10 milhões de animais, de espécies como traíra, lambari, dourado e pintado, até 2026.
Infelizmente, os peixamentos têm sido frequentemente apresentados como soluções mágicas perfeitas para a recuperação de estoques pesqueiros e para garantir lazer e comida para a população.
Contudo, apesar da aparente boa intenção, todos os maiores especialistas sobre o assunto alertam para os riscos ambientais e a falta de embasamento científico que cercam essas iniciativas. Tais práticas no geral são conduzidas de forma desorganizada e sem estudos ou o respaldo técnico necessário, com objetivo eleitoreiro evidente, que atende aos interesses de grupos muito específicos que desconsideram o contexto ecológico. Em outras palavras, são mais para “inglês ver”, ou para se ganhar votos e aparecer nas mídias, do que para realmente solucionar o problema. Por exemplo, ao invés de cuidar da qualidade da água, saneamento e desmatamento de matas ciliares, se soltam peixes em locais não apropriados de diversas, formas. O que muitas vezes é o mesmo que se jogar dinheiro fora, literalmente rio abaixo.
O consenso de estudos atual aponta que os impactos negativos dos peixamentos são diversos, entre eles, a introdução de espécies exóticas invasoras que podem desestabilizar ainda mais ou mesmo, remodular totalmente, ecossistemas locais, competindo com espécies nativas por recursos e, em casos extremos, levando à extinção de populações originais.
Além disso, problemas genéticos, como introgressões genéticas de populações distintas (processo de transferência permanente de genes de uma espécie para outra, o que pode ocorrer ao longo de várias gerações de hibridação e retrocruzamento), ou mesmo, a simples consanguinidade dos peixes soltos, podem comprometer a integridade das populações nativas. Esses erros são frequentemente agravados pela escolha inadequada de locais, épocas ou tamanhos dos peixes a serem soltos, resultando em prejuízos para o equilíbrio ecológico e os estoques pesqueiros.
No Paraná, legislações como a Lei Estadual nº 14.782/2005 e a Resolução Conjunta SEDEST/IAT Nº 10/2021 estabelecem que os projetos de peixamento precisam ser fundamentados em estudos técnicos e submetidos a licenciamento ambiental. Entretanto, críticos argumentam que muitas dessas ações não atendem aos critérios legais ou científicos exigidos. A ausência de análises aprofundadas sobre as causas da depleção dos estoques pesqueiros e das possíveis soluções é um dos pontos mais problemáticos.
A situação nos rios Ivaí e Iguaçu é um exemplo das controvérsias envolvendo o tema. Embora existam exigências legais para estudos específicos que justifiquem as solturas, não há evidências de que esses levantamentos tenham sido realizados com o rigor necessário. A prática tem sido implementada sem levar em conta a capacidade de suporte dos ecossistemas ou as peculiaridades ecológicas de cada região, agravando os problemas que deveria resolver.
Pesquisadores especialistas no assunto defendem que o peixamento só deve ser utilizado como última alternativa, precedido por soluções mais eficazes e sustentáveis, como a recuperação de habitats e o controle da pesca predatória. Quando necessário, deve ser realizado com base em critérios científicos bem definidos, incluindo a escolha adequada das espécies, o monitoramento da qualidade genética dos alevinos e a definição de estratégias para acompanhar os resultados das intervenções.
Diante das muitas incertezas e dos riscos envolvidos, especialistas e entidades de conservação têm solicitado que o Ministério Público intervenha para suspender os peixamentos até que sejam apresentados estudos científicos robustos que embasem essas ações. Entre as questões levantadas estão a necessidade de identificar as causas reais da redução dos estoques, garantir a qualidade genética dos peixes a serem soltos e avaliar alternativas mais eficazes para a recuperação dos ecossistemas aquáticos. Apesar disso, os projetos estão em prática neste exato momento e com muitas propagandas a seu favor.
A prática de peixamento, apesar de sua popularidade, deve ser tratada com cautela e em muitos casos, de fato como um tipo de “ecovandalismo” visto que pode depauperar ainda mais a biodiversidade dos ecossistemas já degradados. Quando realizada sem planejamento ou critérios técnicos, pode causar danos irreversíveis à biodiversidade e comprometer os serviços ecossistêmicos que dependem dos recursos hídricos. O respeito à ciência e o planejamento cuidadoso são fundamentais para garantir que as ações destinadas a proteger os rios do Paraná realmente promovam a sustentabilidade ambiental e social.
Sumarizando o assunto, como em muitas outras questões, “de boas intensões o inferno está cheio” e do que precisamos não são projetos para acalmar os ânimos politicamente, mas iniciativas bem planejadas para solucionar ou minimizar os diversos problemas ecológicos que têm ameaçado nossos estoques pesqueiros e a biodiversidade. Neste contexto, a população em geral, precisa ser melhor educada sobre o que realmente importa para os peixes e os ecossistemas aquáticos.
*Artigo elaborado em parceria com Jean Vitule, professor associado no departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Paraná, com doutorado e pós-doutorado pela mesma instituição. É consultor de agências como CAPES, CNPq, The National Geographic Foundation, The National Research Foundation (NRF) – South Africa e de diversos periódicos científicos. Também atua como pesquisador residente da Rockefeller Foundation. Tem experiência nas áreas de Ecologia, Conservação e Zoologia
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Foto de abertura: divulgação Sedest-PR