Serpentes não frequentam páginas virtuais de redes sociais, exceto em exagerados alertas de risco. Elas não servem para fotos fofinhas nem para reforçar apelos de conservação. Elas também não constam nas listas de observadores de fauna ou em folhetos de atrativos turísticos. Via de regra, o medo de acidente com uma serpente peçonhenta estende o preconceito a todas as serpentes, mesmo às minúsculas e claramente inofensivas.
A grande maioria da população brasileira desconhece a função ecológica das serpentes e é incapaz de distinguir espécies. E se o bioma é a Caatinga, tudo fica ainda mais complicado, pois grandes áreas de vegetação natural são usadas como pastagens, portanto os encontros com serpentes são numerosos, ameaças (como queimadas e atropelamentos) são constantes e o desconhecimento causa grande número de vítimas entre os répteis.
O lançamento do guia ilustrado Serpentes da Caatinga dificilmente eliminará o preconceito contra elas e o risco de extinção. Mas pode facilitar o reconhecimento das 113 espécies ali descritas e retratadas (a da foto é a jararaca da seca). E talvez ajude a reduzir as sentenças de morte entre elas.
São 240 páginas de 9 x 12 centímetros (bom para levar a campo), com fotos de cada espécie, informações sobre tamanho, coloração, ambiente, hábitos, reprodução, comportamento defensivo e outros detalhes importantes para a correta identificação. E mais alguns textos sobre a Caatinga, outros répteis ali encontrados e algumas consequências da extinção das serpentes para o homem, a fauna e o bioma.
A obra é assinada por quatro pesquisadores com extensa e valiosa experiência: Otávio Marques, André Eterovic, Ivan Sazima e Thais Barreto Guedes. Os três primeiros são também autores de guias semelhantes, usados para a identificação de serpentes da Mata Atlântica, Cerrado (escrevi sobre este, aqui no Conexão Planeta, em março do ano passado) e Pantanal.
Thais fez seu doutorado no Instituto Butantan, com um extenso levantamento, tendo examinado cerca de 22 mil exemplares de serpentes catalogadas em coleções científicas, nos principais museus de História Natural do país. “Com isso, elevamos o total de registros para a Caatinga de 50 para 114 espécies, sendo 22 endêmicas, ou seja, exclusivas do bioma. Ou seja, a Caatinga não é pobre em serpentes, como imaginávamos, as serpentes são apenas mal estudadas”.
No guia, apenas uma das 114 espécies da Caatinga não está retratada, por que os autores não obtiveram fotos. A publicação conta com apoio do Instituto Butantan, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da editora e banca virtual Ponto A, em cujo site o guia já pode ser adquirido por R$ 65 mais frete.
Foto: Otávio Marques
Um assunto que me encanta