Mohammed Salem, fotógrafo da agência Reuters, ganhou o prestigiado prêmio World Press Photo of the Year de 2024 com imagem do início dos ataques de Israel na Faixa de Gaza, como resposta (desproporcional) à invasão do grupo terrorista Hamas naquele país, em 7 de outubro de 2023.
Na foto tirada em 17 de outubro – distribuída pela Reuters e publicada em numerosas mídias ao redor do mundo -, Salem retrata Inas Abu Maamar, de 36 anos, soluçando agarrada ao corpo de sua sobrinha Saly, de 5 anos, embrulhado em um lençol, no necrotério do Hospital Nasser, em Khan Younis, ao sul de Gaza. Lá, na ocasião, diversas famílias procuravam parentes mortos durante bombardeios israelenses.
Palestino de 39 anos, Salem trabalha para a Reuters desde 2003. Em 2010, também foi premiado no concurso da World Press Photo (conto sobre ele no final deste post).
A futilidade de todas as guerras
Para chegar às imagens vencedoras (entre elas, a foto do ano), o júri analisou 61.062 inscrições de 3.851 fotógrafos de 130 países.
Sobre o trabalho apresentado por Salem, o grupo declarou, no site do prêmio, que ficou “profundamente comovido com a forma como esta imagem evoca uma reflexão emocional em cada espectador. Composta com cuidado e respeito, oferece ao mesmo tempo um vislumbre metafórico e literal de uma perda inimaginável”.
E foi além em sua análise: “Situado num ambiente médico geograficamente distante, ressoa globalmente, incitando-nos a enfrentar a nossa dessensibilização relativamente às consequências do conflito humano. A imagem tem várias camadas, representando a perda de uma criança, a luta do povo palestino e as 31 mil mortes na Palestina” [são mais de 40 mil, incluindo as que ficaram sob escombros, sendo mais de 14 mil crianças*].
“Simbólica do custo do conflito, a imagem faz uma declaração sobre a futilidade de todas as guerras. O júri reconheceu que este fotógrafo foi premiado pelo mesmo tema há quase uma década, sublinhando a luta contínua pelo reconhecimento de uma questão tão premente”.
Quando a imagem foi publicada pela primeira vez, em novembro de 2023, Salem contou: “Senti que a imagem resume o sentido mais amplo do que estava a acontecer na Faixa de Gaza”.
“As pessoas estavam confusas, correndo de um lugar para outro, ansiosas para saber o destino de seus entes queridos, e esta mulher chamou minha atenção enquanto segurava o corpo da menina e se recusava a soltá-lo”, completou.
Na cerimônia de entrega do prêmio em Amsterdã, ontem (17/4), Rickey Rogers, editor global de imagens e vídeo da Reuters, declarou:
“Mohammed recebeu a notícia de seu prêmio WPP com humildade, dizendo que esta não é uma foto para comemorar, mas que aprecia seu reconhecimento e a oportunidade de publicá-la para um público mais amplo”.
E completou, diante da imagem comovente, em Nieuwe Kerk, templo religioso do século XV, na capital holandesa: “Ele espera quem, com este prêmio, o mundo se torne ainda mais consciente do impacto humano da guerra, especialmente nas crianças”.
“Às almas dos mártires da imprensa”
Em seu Instagram, Salem escreveu algo semelhante: “Espero que esta imagem chegue ao mundo inteiro e seja motivo para parar a guerra e o sofrimento que o nosso povo palestino está vivendo”.
E acrescentou: “Dedico esta conquista às almas dos mártires da imprensa que pagaram com seu sangue para fazerem chegar sua mensagem ao mundo”.
Ao anunciar os prêmios anuais, a World Press Photo Foundation, salientou que é importante reconhecer os perigos enfrentados pelos jornalistas que cobrem conflitos, destacando que 99 jornalistas e funcionários da mídia mundial foram mortos durante a cobertura dos ataques de Israel na Faixa de Gaza.
“O trabalho dos fotógrafos de imprensa e de documentários em todo o mundo é muitas vezes realizado com alto risco”, ressaltou Joumana El Zein Khoury, diretor executivo da organização. “No ano passado, o número de mortos em Gaza elevou o número de jornalistas mortos para um nível quase recorde. É importante reconhecer o trauma que sofreram para mostrar ao mundo o impacto humanitário da guerra.”
Dados recentes indicam que 140 jornalistas – entre repórteres, fotógrafos e cinegrafistas – já foram assassinados por Israel desde outubro de 2023*.
Mais um prêmio
A imagem impactante de Inas e sua sobrinha, captada com grande sensibilidade por Mohammed Salem, também comoveu o júri da 41ª edição do Prêmio Ortega y Gasset de Jornalismo, o mais prestigiado do jornalismo em espanhol. O fotógrafo palestino venceu o prêmio de Melhor Fotografia.
Para o júri, trata-se de “uma imagem avassaladora, com enorme força sobre o que está a acontecer em Gaza. É a dor, é o vazio e é o horror de alguém que parece abraçar o impossível: recuperar a vida da menina. E [o que importa] não é só o que se conta, mas como se conta: desde a sobriedade e sem sequer mostrar o rosto [de Inas]”.
O fotógrafo
Mohammed Salem nasceu em 1985 e é fotojornalista palestino radicado na Faixa de Gaza.
Formado em mídia pela Universidade de Gaza, trabalha com a Reuters desde 2003. Embora seu foco principal seja documentar o conflito entre palestinos e israelenses, ele também já cobriu diversos eventos noticiosos internacionais.
Salem venceu o China International Press Photo Contest de 2004 e ganhou o prêmio Pictures of the Year International (POYI) duas vezes, em 2018 e 2023. Também recebeu o prêmio de mídia do Dubai Press Club, prêmio concedido sempre a um jovem fotógrafo árabe.
No World Press Photo de 2010 (portanto há 14 anos!), ele ficou em segundo lugar na categoria Notícias Pontuais, com a foto que registra bombas de fósforo branco explodindo na cidade de Gaza em 8 de janeiro de 2009, durante ofensiva de Israel contra militantes do Hamas na Faixa de Gaza (pra não variar).
O fósforo branco adere à pele humana e queima até os ossos. Seu uso é permitido quando em campos de batalha abertos, mas seu uso é proibido em áreas urbanas pelas convenções internacionais. Desde outubro de 2023, Israel joga esse tipo de explosivo na Faixa de Gaza.
Leia também:
– Lalo de Almeida é um dos vencedores do ‘World Press Photo’ com imagem desoladora da seca extrema na Amazônia
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(*) Os dados são da Sociedade Palestina Crescente Vermelho, do Israeli Medical Services e do Ministério da Saúde Palestino
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Foto: Mohammed Salem/Reuters