
Eram pouco mais de 3h da tarde do dia 27 de abril de 2023 e a maré estava baixa na costa de uma das ilhas da Estação Ecológica (ESEC) de Maracá-Jipioca, uma unidade de conservação marinha localizada no Amapá. Girlan Dias, do Instituto de Pesquisa e Formação Indigena (IEPÉ), e o fotógrafo Adriano Gambarini estavam em trabalho de campo a bordo de uma embarcação quando de repente se depararam com uma cena raríssima: uma onça-pintada (Panthera onca) e um filhote predando um golfinho, também conhecido como boto-cinza (Sotalia guianensis).
“Este é o terceiro relato no mundo de uma onça-pintada predando um golfinho marinho, mas o primeiro para a América do Sul, e o único reportado para uma situação insular”, explica Marcelo Oliveira, especialista em Conservação do WWF-Brasil, que ao lado de Dias, Gambarini e Miriam Marmontel, pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, é um dos autores de um artigo científico, divulgado há poucos dias, no jornal Aquatic Mammals, que relata a documentação, em fotos e vídeo, do registro feito na Amazônia.
“Até o momento não havia nenhum registro oficializado, especialmente, envolvendo um filhote de onça-pintada. A possibilidade de ter sido feito um registro não apenas visual, mas com drone foi um episódio muito feliz”, ressalta Marcelo.

Foto: Adriano Gambarini
A região de Maracá do Sul é conhecida popularmente como “Ilha das Onças”. Sabe-se que existe ali uma população da espécie, com cerca de 45 indivíduos. Esse felino é o único carnívoro terrestre naquela área. Sua dieta consiste de jacarés, tartarugas e aves. E agora, descobriu-se, quando disponível, de golfinhos também.
“O registro reforça a adaptação da população das onças que habitam a ESEC Maracá-Jipioca para uma dieta de animais marinhos. Já se sabia sobre a habilidade de pesca em mar, mas predação de golfinhos é algo novo”, destaca o especialista do WWF-Brasil.
Segundo o artigo que descreve o registro do episódio, a mãe e o filhote, que devia ter entre 5 e 6 meses de idade, foram observados por quase quatro horas. Algumas vezes os dois predaram a carcaça juntos, outras apenas a mãe se alimentou da carne do golfinho. A onça mais jovem nunca se aproximou sozinha do animal morto.
No dia seguinte, os pesquisadores perceberam que a carcaça tinha sido levada para o meio da mata.

Foto: Adriano Gambarini
Além da descoberta desse novo ‘item’ na dieta de onças-pintadas de Maracá, o registro também levanta um outro importante alerta, sobre a pesca acidental de golfinhos.
“O impacto é extremamente preocupante, pois a situação se arrasta por anos. Diversas reportagens atestam matança de golfinhos no estado do Amapá e pouca ação efetiva para resolver o problema tem sido feita”, diz Marcelo.
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Foto de abertura: Adriano Gambarini