
Em 2014, o fotógrafo de natureza Luciano Candisani realizou um feito: conseguiu registrar uma anta albina na natureza. O flagrante aconteceu no Legado das Águas, a maior reserva privada de Mata Atlântica do Brasil, localizada no município de Tapiraí, em São Paulo.
O registro só foi possível graças à parceria de dois projetos, o Floresta Viva, criado por Candisani, e o Projeto Anta, realizado pelo Instituto Manacá, que faz o monitoramento da espécie, a Tapirus terrestris.
O Floresta Viva é um método pioneiro, que consiste de um estúdio fotográfico camuflado instalado em meio à vegetação e equipado com flashs e câmeras profissionais. Quando algum animal passa, sensores são acionados e fotografam automaticamente, gerando imagens coloridas e em alta resolução, independente do horário do dia.
Foi dessa maneira que a primeira anta albina do Legado das Águas ganhou notoriedade. Entretanto, o mais surpreendente foi a descoberta de que ela não era a única. Em 2018, outro indivíduo, também albino, foi captado pelas lentes das armadilhas fotográficas.
Ao fazer um estudo detalhado dos dois animais, a equipe do Projeto Anta teve certeza que sim, havia duas antas albinas naquela região de Mata Atlântica. Ambos eram machos e foram batizados de Gasparzinho e Canjica.
“O comportamento das antas é noturno, então todos os registros eram nesse período, não sendo possível identificar se era um animal albino ou não. Se não fossem as fotografias coloridas, a descoberta teria levado muito mais tempo, ou talvez, nem tivesse acontecido”, afirma Mariana Landis, bióloga pesquisadora do Instituto Manacá. “O monitoramento da fauna em florestas tropicais é um desafio para a ciência, e pelo que se tem conhecimento, esse é um dos resultados científicos mais relevantes utilizando a fotografia profissional como ferramenta. Isso mostra o potencial da junção desses dois métodos, e que agora podem ser replicados em outras pesquisas”.
O registro das antas albinas brasileiras e a importância disso para a pesquisa da espécie ganharam destaque em um artigo científico, divulgado recentemente na publicação internacional Mammalia.
“Os dois machos albinos do Legado são, possivelmente, as duas únicas antas albinas que habitam o mesmo local e, somado a isso, a descoberta só foi possível por meio da cooperação entre dois programas de conservação, que utilizam a fotografia como instrumento de estudo”, destaca Mariana, que é a principal autora do artigo, mas que teve a participação de vários outros pesquisadores, entre eles, Patrícia Medici, considerada uma das maiores especialistas em antas do mundo.

Com as fotos coloridas foi possível ter a certeza de que a anta era albina
Condição raríssima
O albinismo é a ausência de pigmentação ou coloração e raramente é encontrado na natureza.
“Ter dois indivíduos albinos no mesmo lugar é algo extraordinário, jamais visto. Isso nos instiga a muitas perguntas, e as respostas podem significar informações extremamente relevantes para conservação da espécie, principalmente no quesito genético, ecológico e comportamental”, ressalta Mariana.

Canjica, a segunda anta, descoberta em 2018
No artigo para a Mammalia, os biólogos brasileiros destacam a necessidade de compreender a diversidade genética das populações de anta brasileira e o importante papel da fotografia profissional associada à pesquisa científica.
Anta: a gigante das matas
A anta é o maior mamífero terrestre da América do Sul. Pode pesar entre 200 e 300 kg. Herbívora, é conhecida como a jardineira da natureza pois, ao se alimentar de frutos de árvores e arbustos, espalha as sementes pelo caminho, contribuindo a biodiversidade dos biomas onde habita.
No mundo todo, existem quatro espécies de antas conhecidas pela ciência: a anta-da-montanha (Andes), a anta-centro-americana (América Central), a anta-malaia (Indonésia), além da observada na América do Sul – todas ameaçadas de extinção, segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza, (IUCN na sigla em inglês).
Entre as principais ameaças à sobrevivência das antas estão a perda de habitat (desmatamento) e a caça ilegal.
Leia também:
Patrícia Medici, maior especialista em antas do mundo, inicia projeto inédito da Floresta Amazônica
Nasce primeiro filhote de anta na natureza depois de um século de extinção da espécie no Rio de Janeiro
Anta é elogio! Espécie ganha campanha para que a gente se orgulhe dela e a proteja
Antas ganham coleiras luminosas para evitar atropelamentos no Cerrado
Patrícia Médici, pesquisadora dedicada à conservação da anta brasileira, ganha prêmio internacional
Hoje é dia da anta! A jardineira das florestas, ameaçada de extinção
A leveza da anta e as borboletas
Fotos: Luciano Candisani