Em agosto de 2016, contei, aqui, sobre o Santuário dos Elefantes Brasil (SEB) que estava sendo construído na Chapada dos Guimarães e foi inaugurado um mês depois. Era o sexto do mundo e o primeiro da América Latina – uma organização especializada na recuperação e tratamento de elefantes resgatados de cativeiros. Naquela época, os planos dos administradores do local – entre eles, o americano Scott Blaiss, especialista em manejo de elefantes, que veio morar no Brasil para dirigir esse projeto e é seu responsável – contemplavam que o santuário se tornaria a casa de 50 elefantes.
Maia e Guida já eram esperadas e seriam as primeiras moradoras. Ramba também.
Maia e Guida, que moravam num sítio em Minas Gerais após serem resgatadas de um circo (onde viveram juntas por 40 anos), chegaram em outubro de 2016. Rana chegou à Chapada em janeiro deste ano. Ela não estava nos planos iniciais do projeto, mas desde 2012 morava no zoológico de um hotel fazenda próximo a Aracaju, em Sergipe, e foi doada e muito bem recebida.
Em junho, Guida morreu, aos 44 anos, depois de três anos de vida livre. Muito debilitada, apesar de viver de forma saudável – com espaço, tranqüilidade e comida saudável – ela nunca se recuperou. Agora, é Ramba que vem se juntar a Maia e Rana, que, com a morte de Guida, se tornaram amigas inseparáveis.
Logística ‘maluca‘
O traslado de Ramba é um pouco diferente do das outras três moradoras do Santuário. E mais cansativo. Maia, Guida e Rana foram transportadas em contêineres por terra, de Minas Gerais ou Sergipe até a Chapada. Como Ramba mora em Rancagua, no Chile, foi levada em um contêiner (adaptado para caber num avião) em uma carreta por terra, por cerca de 97 km até o aeroporto de Santiago.
Com um detalhe: ela já está acostumada com o contêiner porque ele foi instalado no Parque há alguns dias. Sempre em busca de comida, durante alguns dias, Ramba entrou nele sozinha. E saiu também. Isso faz parte do treinamento para garantir o bem-estar do animal durante a viagem.
No aeroporto de Santiago, a elefanta embarcou num Boeing 744 rumo ao aeroporto de Viracopos, Campinas, onde deve chegar amanhã cedo. O desembarque deve durar seis horas e contará com um guindaste de até 30 toneladas, um trator pushback, empilhadeiras e uma equipe de 30 pessoas, segundo apurou o G1/Campinas.
Esta será a primeira vez que um aeroporto brasileiro recebe um animal tão grande e pesado. Ramba pesa 3,6 toneladas. De Viracopos até o SEB, na Chapada dos Guimarães, Rio da Casca, ela será levada no contêiner em uma carreta que será escoltada pela equipe do santuário e pela Polícia Rodoviária Federal. Serão percorridos mais de 1.440 quilômetros e a viagem deve durar de dois a três dias.
Durante toda a viagem, Ramba será mantida consciente, mas, para garantir sua tranqüilidade, os pesquisadores poderão usar essências florais de Bach. Só em caso de emergência (sofrimento, ansiedade etc), serão administrados medicamentos fortes ou sedação.
Circos, parque e santuário
Ramba viveu boa parte de seus 53 anos em circos. Nunca teve liberdade, nem desfrutou de sua natureza: andar e viver em bando.
Durante, pelo menos, 40 anos, foi passando de um circo para o outro, sempre submetida a maus-tratos, privações, humilhações, amarrada com correntes (tem inúmeras cicatrizes), machucada pelos tratadores com bullhooks (que, segundo a SEB, é uma ferramenta usada para ferir os elefantes quando desobedecem: de metal ou madeira, têm um gancho de aço na ponta) e forçada a participar de espetáculos cruéis no picadeiro.
Sim, circos com animais pressupõem maus-tratos, crueldade… não existe outra possibilidade. Não há liberdade. E, por tudo isso, Ramba apresentou um comportamento típico de elefantes confinados: balançar o corpo de um lado para outro.
As mudanças constantes de circo levaram-na para o Chile. Denúncias de maus-tratos e negligência, em 1997, resultaram no confisco de Ramba pelo Serviço Agrícola e Pecuário do país em um circo chamado Los Tachuelas. Mas ela não foi tirada de lá, apenas não podia trabalhar. Foi somente em 2012 – 15 anos depois do confisco – que sua história começou a mudar pra melhor, de fato.
A ONG chilena Ecópolis fez uma campanha para resgata-la, que teve o apoio de Scott Blais, do SEB. Tempos depois, ela foi removida – com a ajuda da equipe que faria parte do santuário – para o Parque Safari Rancagua por uma ordem judicial. Não fazia sentido algum ela continuar no circo. E foi nesse parque, em um celeiro, que ela permaneceu até hoje, 15/10 (veja nas fotos que abrem e finalizam este post).
Para o site G1, Blais contou por email como foi a transferência e a libertação de Ramba no parque: “Embora o dia da mudança tenha sido conturbado, com questões envolvendo o circo e proteção policial, Ramba embarcou sem problemas em seu contêiner de transporte e foi levada para seu novo lar. Chegando em torno da meia-noite, depois de um longo dia, a elefanta saiu com facilidade do contêiner, ignorou suas frutas e foi atrás de um simples prazer, negado à maioria dos elefantes de circo: colher com sua tromba um punhado de grama fresca e comê-la”. Que emoção!
No Parque Safari Rancagua ela, finalmente, começou a ser livre e a ser tratada com respeito, mas ainda sem a companhia de outros elefantes. E, por isso, sua vinda para o Brasil foi tão desejada e só aconteceu graças ao empenho, às negociações e parcerias entre a Ecópolis, o santuário e o Global Sanctuary for Elephants (GSE).
Assim, até sábado próximo, 19/10, no máximo, Ramba conhecerá sua nova casa e as elefantas Maia e Rana. Estamos torcendo, aqui, para que dê tudo certo, e que ela seja muito feliz no santuário e ame suas amigas. Vamos acompanhar e daremos notícias.
Fotos: Divulgação/SEB