Faz exatamente quatro anos que a prefeitura regulamentou a instalação dos parklets na cidade.
Os parklets são aquelas intervenções feitas no lugar de uma vaga de carro, com uma área de descanso. São Paulo foi a quarta cidade no mundo a criar uma regulamentação específica e hoje já são 175 vagas de carros que foram convertidas em espaços públicos, com bancos, plantas, balcões, guarda-sóis, e até cadeiras de praia.
Há quem critique os parklets . Estão concentrados em poucas regiões, são patrocinados por bares e restaurantes, que muitas vezes tentam utilizá-los como uma extensão de seus estabelecimentos e até quem ache que os carros não deveriam perder seu espaço.
Mas há muito o que dizer de bom. São espaços públicos interessantes e criativos, que ampliam a área das calçadas e oferecem espaço precioso para sentar e conversar na cidade.
A inspiração
Os parklets surgiram em São Francisco, no começo dos anos 2000. A ideia inicial era ocupar temporariamente vagas de carros para mostrar o efeito na fruição da cidade.
Uma das pessoas que ajudou a trazer a novidade para São Paulo, foi Lincoln Paiva, mestre em arquitetura e urbanismo, sócio do Instituto Mobilidade Verde, que se envolveu com os primeiros testes. Em 2006, a Secretaria do Verde criou a “vaga viva”, na frente do Copan e em 2010, foi feito um teste na rua Maria Antonia.
Outro teste foi feito em frente ao Conjunto Nacional. Os bons resultados deram força para a gestão Haddad formalizar o decreto que regulamenta os parklets, em 16 de abril de 2014, seguindo-se a S.Francisco, Chicago e Nova York.
A gestão atual pretende, até agora, manter a política inalterada, como mostra a resposta que mandaram a esse blog: “A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) informa que, após quatro anos da publicação do decreto que regulamenta os parklets, tal política se encontra consolidada, abrangendo diversas regiões do município”.
Quem pode criar um parklet?
Qualquer pessoa ou estabelecimento comercial pode solicitar a autorização para criar um parklet. A Prefeitura Regional avalia se o projeto está de acordo com as regras, de acordo com um manual, define se cabe mais um parklet no local e aprova, ou não.
Um parklet precisa da aprovação – um “de acordo” – de no mínimo 6 vizinhos para poder funcionar e também precisa cumprir certas exigências de material e de localização.
No lugar de duas vagas, dezenas ou até centenas de pessoas em um dia.
Depois de quatro anos, há menos críticas a respeito disso, mas sempre tem quem evoque a perda de lugar para os carros para colocar os equipamentos.
Há três argumentos a favor dessa troca.
O primeiro é numérico. Há apenas 175 parklets na cidade, o que equivale a, no máximo, 350 vagas (alguns parklets ocupam duas vagas e outros apenas uma), menos de um por cento das vagas pagas existentes. Só na zona azul, a cidade tem 41 mil vagas, fora outras tantas sem pagamento.
O segundo tem a ver com quantas pessoas se beneficiam de cada espaço. Segundo estudo do Instituto Mobilidade Verde, cada vaga de carro chegava a ser ocupada por entre um e no máximo 40 motoristas durante um dia inteiro. No mesmo período, essa mesma vaga chegou a ser ocupada por até 300 pessoas quando transformada em parklet.
O último é conceitual. O carro realmente perdeu uma vaga? Para Lincoln, o dilema é invertido. “Na verdade, é o contrário. Em um dia, um carro está ocupando o lugar de dezenas de pessoas que poderiam usar o espaço. As pessoas estavam reinvindicando o uso do espaço”.
Quem usa os parklets
É comum a gente ver pessoas sentadas nos parklets em qualquer horário.
Muitas vezes são garçons dos próprios estabelecimentos que os patrocinam descansando fora do expediente. Outras vezes são pessoas que trabalham perto dali e estão numa pausa. Lincoln diz que a pesquisa feita nos Jardins confirmava isso: “eram trabalhadores de baixa renda que trabalhavam na região da Oscar Freire e Padre João Manuel, funcionários que usam o espaço para comer, sentar, descansar. Percebemos aí o quanto a cidade é carente de espaço”. Hoje, há pessoas de todos os tipos em quase todos os horários. Apesar de não existirem dados da Prefeitura, parece que mais e mais gente passou a usar esses espaços públicos nos últimos anos.
O fato é que a cidade é mesmo carente de espaços de qualidade.
Vemos pouquíssimos lugares para sentar nas calçadas e até mesmo a av. Paulista, uma das mais festejadas e freqüentadas vias da cidade, só tem bancos nos pontos de ônibus. Se forem instalados lugares de sentar, minimamente confortáveis, as pessoas aparecerão.
Conflitos
Pela lei, os estabelecimentos comerciais não podem oferecer serviços e produtos aos seus clientes que estejam nos parklets . O motivo é evitar que os parklets sejam usados como extensão dos bares. Às vezes a lei não é cumprida, como a gente pode notar em alguns locais, principalmente no bairro do Itaim Bibi, que já registrou várias ocorrências na Prefeitura Regional para evitar o exagero no uso e barulho para os vizinhos.
Nesses casos, em que o parklet se transforma apenas numa área a mais para atender aos clientes de um estabelecimento, basta os fiscais da prefeitura cumprirem a lei, notificarem o patrocinador e, eventualmente, retirarem a concessão.
Outra crítica é quanto ao fato dos parklets estarem concentrados em bairros mais ricos. Isso de fato acontece, como se pode comprovar nesse mapinha.
A Prefeitura fez uma amostra de parklet em cada Prefeitura Regional, mas não houve muita demanda por parte dos comerciantes de fora do centro expandido. Uma das razões pode ser a de que o problema, na periferia, é outro: a falta de calçadas decentes e de áreas verdes. São questões para as quais o parklet talvez não seja solução.
O futuro não é o parklet, é mais calçada. O que esperar no futuro? Mais e mais parklets ? Talvez não.
A Prefeitura informou que “ acredita na continuidade da política e no seu desenvolvimento, garantindo ganhos aos munícipes e vislumbrando novas políticas que, assim como os parklets, incentivem a melhor apropriação do espaço público por meio da renovação de suas formas de uso.” Ou seja, o parklet parece ser apenas uma das possíveis ações para melhorar o espaço público, o que o torna um bom teste para intervenções e desenhos urbanos mais ousados nas calçadas.
Lincoln Paiva concorda. Para ele, o parklet não é uma solução definitiva, é uma etapa para discutir espaços públicos na cidade.
Ou seja, é possível imaginar que, se os parklets funcionaram para chamar a atenção para a falta de espaços públicos, talvez isso ajude as pessoas de um bairro a exigirem calçadas mais largas, bancos e talvez até mais áreas permeáveis, como os tais jardins de chuva que já começam a ser feitos em São Paulo.
As calçadas não são apenas espaços de passagem
Alguns estudiosos separavam os espaços em dois tipos, os de permanência e os de passagem. As calçadas, por esse conceito, seriam os espaços de passagem. É claro que esse conceito não faz sentido. As calçadas sempre foram parte da vida pública e hoje em dia, se bem desenhadas, largas, protegidas dos carros e com bons equipamentos, podem ser lugares de permanência. Os parklets demonstram isso claramente.
Se as pessoas estão dispostas a aproveitar a cidade, é uma boa hora para reservarmos uma fração do orçamento gasto em asfalto para investir na qualidade das calçadas e no desenho urbano. Basta criar os espaços públicos que as pessoas virão.
Este artigo foi publicado originalmente no blog Caminhadas Urbanas, de Mauro Calliari, em 18/4/2018