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Programas de conservação na Amazônia já sentem impacto da suspensão de financiamento dos EUA

Programas de conservação na Amazônia já sentem impacto da suspensão de financiamento dos EUA

Por Aimee Gabay*
Traduzido por Thaissa Lamha

Uma série de programas de sustentabilidade, saúde e meio ambiente na Floresta Amazônica está em risco após o governo dos Estados Unidos anunciar, no primeiro dia do mandato do presidente Donald Trump, uma pausa de 90 dias em todos os financiamentos de ajuda externa, incluindo os da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional).

A medida gerou preocupação entre cientistas e conservacionistas, que, em entrevista à Mongabay, expressaram preocupação com os impactos na biodiversidade, nos meios de subsistência indígenas e na segurança na região. Eles alertaram que a suspensão temporária do financiamento afetará iniciativas de conservação lideradas pelas comunidades, além de programas essenciais no combate ao desmatamento ilegal e a outros crimes ambientais. Por outro lado, alguns argumentam que o financiamento da USAID trouxe desafios para as comunidades locais e que os possíveis impactos da pausa destacam os riscos da dependência da ajuda externa.

Em certos casos, os impactos já são perceptíveis. Alguns programas de monitoramento territorial, responsáveis por financiar ações de proteção dos territórios indígenas, foram suspensos.

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Ivaneide “Neidinha” Bandeira Cardozo, residente na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, e coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, declarou à Mongabay que os EUA interromperam o financiamento de um programa essencial para reduzir as invasões e o desmatamento ilegal em diversas terras indígenas da região.

“Tivemos que suspender nossas atividades de monitoramento”, afirmou ela. “O problema é que estamos sob enorme pressão de grileiros e madeireiros, e agora se tornou ainda mais difícil conter as invasões. O resultado será mais desmatamento, e nossas vidas estarão ainda mais ameaçadas.”

Desde que o apoio foi suspenso – uma medida que Neidinha descreveu como “uma quebra de confiança e uma fonte de insegurança” –, sua organização tem buscado alternativas de financiamento, mas, segundo ela, esse processo tem sido extremamente difícil.

Um aumento no desmatamento pode resultar em “mais incêndios” durante a estação seca, e “o calor será ainda mais intenso”, alertou ela. “No ano passado, durante a seca, os povos indígenas ficaram sem água potável. Tivemos que levar água e comida para as aldeias. Imagine o que acontecerá este ano, se o desmatamento aumentar.”

O Projeto Assobio, financiado pela USAID e voltado para o fortalecimento das organizações comunitárias e das cadeias produtivas da bioeconomia no Mato Grosso, também foi suspenso. Em nota, a coordenadoria de comunicações do Instituto Centro de Vida (ICV), responsável pela gestão do projeto, afirmou à Mongabay que ele beneficiava 5 mil pessoas, incluindo pequenos agricultores e povos indígenas de sete territórios.

Até o momento da publicação, o Departamento de Estado dos EUA não respondeu às perguntas da Mongabay. O governo Trump acusou a USAID de desperdiçar os recursos dos contribuintes americanos, e o Departamento de Estado confirmou que a medida está alinhada com as metas de política externa do governo sob a estratégia “America First”.

Financiamento para programas de toda a América Latina

Em 2023, a USAID destinou US$ 375,4 milhões para programas internacionais de biodiversidade, 50% dos quais foram destinados aos países e regiões com maior diversidade biológica, como Brasil, Colômbia e Peru. Além disso, a agência investiu US$ 318,5 milhões em programas florestais, dos quais US$ 315,6 milhões foram destinados às florestas tropicais.

De acordo com o relatório anual de biodiversidade da USAID de 2023, parte dos recursos foi destinada a fortalecer a capacidade dos povos indígenas, melhorar o gerenciamento de recursos naturais e identificar ameaças às florestas e à biodiversidade por meio do uso de tecnologia.

“Esse apoio tem sido essencial para o avanço das iniciativas de conservação e desenvolvimento sustentável na Amazônia colombiana”, escreveu a Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (Opiac) no X. “A interrupção desses recursos coloca em risco projetos vitais para a proteção do meio ambiente, o bem-estar de nossos povos indígenas e as boas relações que foram construídas entre os povos indígenas da Amazônia e a sociedade ocidental, duas formas de ver a vida e de se relacionar com a natureza.”

O Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (MAAP), da Amazon Conservation, divulgou em um comunicado à imprensa que diversos projetos de sua rede, anteriormente apoiados pela USAID para combater o desmatamento ilegal no Peru, foram interrompidos. “As decisões mais recentes do governo dos EUA sobre ajuda externa, conservação e clima – entre muitas outras decisões que afetam tudo, desde a assistência humanitária até a ciência – já estão criando grandes efeitos em cascata sobre as comunidades locais e a proteção da natureza”, afirmou.

Elizabeth Dickinson, analista sênior das operações do Crisis Group na Colômbia, uma organização que não depende de financiamento da USAID, disse à Mongabay em uma mensagem de voz que os cortes de financiamento poderiam desestabilizar a frágil segurança da Colômbia e colocar em risco as comunidades – questões intrinsecamente ligadas às florestas do país.

Desde 2017, os EUA forneceram mais de US$ 1,5 bilhão em assistência para apoiar a implementação do acordo de paz da Colômbia com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Dickinson afirmou que essa “lacuna monumental” terá um impacto sobre “muitas das reformas de longo prazo que deveriam abordar as causas fundamentais do conflito e evitar o ressurgimento desses mesmos tipos de conflito no futuro”.

De acordo com o relatório anual de biodiversidade da USAID, em 2023, a agência investiu US$ 27,5 milhões em programas de biodiversidade e US$ 40,3 milhões em programas de silvicultura e de florestas na Colômbia. Dickinson destacou que a segurança dos líderes comunitários está em risco por parte de grupos armados e membros da comunidade, pois eles frequentemente são o rosto desses projetos e terão que explicar às suas comunidades o motivo da interrupção do financiamento.

No Peru, Williams Arellano Olano, chefe da Osinfor, a agência estadual de florestas e vida selvagem, explicou à Mongabay em uma chamada de vídeo que o apoio financeiro dos EUA foi essencial para combater a extração ilegal de madeira, o tráfico de drogas e a mineração na Amazônia peruana, fortalecendo a capacidade operacional da agência. Embora o Peru não dependa exclusivamente do financiamento da USAID, sua ausência causará atrasos na implementação desses processos.

Voltar-se para outro lugar?

Alguns conservacionistas e líderes indígenas, que pediram anonimato por temerem represálias, disseram à Mongabay que a USAID é um sistema corrupto, vinculado à interferência política e à fragmentação das comunidades.

“À luz de todas as coisas ruins, talvez algo bom possa sair disso”, afirmou Torsten Krause, professor associado e vice-diretor do Centro de Estudos de Sustentabilidade da Universidade de Lund, na Suécia.

Krause destacou que a pausa temporária no financiamento serve para evidenciar os perigos de uma dependência excessiva da ajuda externa. Ele sugeriu que, em resposta, os governos e as comunidades devem buscar abordagens de baixo para cima e alternativas lideradas pelas próprias comunidades.

Pedro Bernt Eymael, pesquisador da Universidade de Michigan, nos EUA, disse à Mongabay por e-mail que países como o Brasil podem recorrer a outros doadores, como a agência de desenvolvimento internacional da Alemanha, a GIZ. A Alemanha foi a principal fornecedora de assistência ao desenvolvimento ao Brasil em 2023. No entanto, Eymael ressaltou que o acesso a novos recursos envolve processos burocráticos demorados e complexos, além de anos de construção de relacionamentos.

“Os projetos ambientais e comunitários dependem muito do financiamento [da USAID] e, com esses cortes repentinos, isso não só impedirá a expansão de novos projetos, como também colocará em risco sua própria existência e sobrevivência”, afirmou Gabriela Sarmet, coordenadora de parcerias do Decolonial Centre (DCC), sediado no Reino Unido, e consultora do Mining Observatory, em uma mensagem de voz à Mongabay.

“Precisamos pensar em mecanismos alternativos de financiamento e instituições que possam evitar retrocessos semelhantes em ações de governança ambiental global”, disse Sarmet. “As implicações políticas desses cortes podem ser enormes e estão sendo sentidas por muitos países ao redor do mundo.”

*Texto publicado originalmente no site da Mongabay Brasil em 13/03/25

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Foto de abertura: Christian Braga / Greenpeace

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