No começo dos anos 2000 foi descoberta uma espécie de peixe das nuvens que vivia em poças temporárias em uma área de floresta de restinga em Itanhaém, no litoral de São Paulo. O peixinho, medindo não mais que 2,5 centímetros, foi batizado de Leptopanchax itanhaensis. Contudo, em 2007, a poça onde ele tinha sido encontrado foi destruída e desde então nunca mais houve relatos de observação da espécie. Por isso mesmo, ele já era considerado possivelmente extinto.
Até que no início de 2024, durante uma expedição naquela mesma região, pesquisadores do Projeto Peixes de Poça redescobriram cinco espécimes do peixinho de Itanhaém.
Peixes das nuvens ou ainda, peixes da chuva, são chamados assim popularmente porque dependem da água que cai do céu para sobreviver. Eles possuem um ciclo de vida bastante curto. Em poucos meses nascem, crescem e se reproduzem em poças temporárias onde vivem. Depois que elas secam, eles morrem.
Todavia, antes de perderem a vida, durante o período da reprodução, esses peixes enterram seus ovos no fundo da poça, que ficam lá até as próximas chuvas, quando finalmente eclodem. No imaginário popular a origem desses animais se dá a partir das nuvens.
“Quando pensamos na importância de uma espécie, é comum que o valor econômico venha à mente, especialmente no caso de peixes. No entanto, o valor ecossistêmico de uma espécie como o peixe das nuvens vai muito além. Esses peixes possuem adaptações que lhes permitem sobreviver a condições extremas, como períodos de seca em que as poças secam completamente. Durante essas fases, seus ovos entram em diapausa (um estado de dormência) no substrato, esperando o melhore momento para eclodirem. Quando ocorrem eventos chuvosos, esses ovos despertam e eclodem, reiniciando o ciclo da vida”, explica Amanda Selinger, pesquisadora do Laboratório de Biologia de Organismos Marinhos e Costeiros da Universidade de Santa Cecília (Santos) e uma das coautoras de um artigo científico publicado recentemente, que relata a redescoberta da espécie, ainda considerada em ‘criticamente ameaçada de extinção’.
Segundo Amanda, espécies de peixes como essas passaram por milhares de anos de evolução para desenvolver as adaptações atuais. “Essa adaptação não só demonstra a sua resiliência, mas também exemplifica seu papel fundamental na estabilidade ecológica, contribuindo para a diversidade e a sustentabilidade dos ecossistemas onde vivem. Perder uma espécie como essa, significa extinguir parte da história evolutiva dos organismos que vivem no nosso planeta”, alerta.
A pesquisadora ressalta ainda que os peixes das nuvens são particularmente mais suscetíveis às mudanças climáticas. “Esses habitats têm volumes de água reduzidos, tornando-os muito mais vulneráveis a variações ambientais, como mudanças de temperatura. Em um ambiente tão pequeno, a temperatura da água aumenta muito mais rapidamente em comparação com corpos d’água maiores, que possuem maior volume e mais estabilidade térmica. Isso significa que os organismos adaptados às poças enfrentam condições muito mais extremas e rápidas, o que pode dificultar sua sobrevivência e afetar seus ciclos de vida.”
Mesmo poças em ambientes úmidos, como restingas de Mata Atlântica, por exemplo, onde o Leptopanchax itanhaensis tem como habitat, são impactadas pelas flutuações de temperatura, reforça Amanda, revelando que já foram registradas temperaturas próximas de 30 °C na água dessas valas. “O estresse térmico pode afetar o comportamento dos peixes, impactando negativamente, por exemplo, o seu desenvolvimento e reprodução.”
O Projeto Peixes de Poça, coordenado pelo pesquisador João Henrique Alliprandini da Costa, da Universidade Estadual Paulista, campus litoral paulista, continua monitorando poças temporárias na região de Itanhaém.
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Foto de abertura: Amanda Selinger