Em 2011, o entomólogo australiano Bryan Lessard deu o nome da cantora e atriz americana Beyoncé a uma mosca – Scaptia (Plinthina) beyonceae, devido “à densa e única cor dourada nos pelos do abdômen da mosca” que, para ele, lembra o figurino da artista pop no videoclipe da música Bootylicious, interpretado pelo grupo Destiny’s Child, com o qual fez fama.
“Foi ainda uma chance de demonstrar o lado divertido da taxonomia”, declarou na época, mas, ao contrário do que ele esperava, sua escolha causou grande rebuliço na comunidade científica e ele foi “desaprovado” por alguns taxinomistas.
Agora, dez anos depois, Lessard faz nova homenagem a uma personalidade do mundo pop, a drag queen RuPaul, para batizar sua mais recente descoberta: a Opaluma rupaul.
O inseto é do novo gênero australiano Opaluma (termo derivado das palavras latinas ‘opala’ e ‘espinho’), é furta-cor e tem um espinho enfiado sob o abdômen. “Parece uma pequena joia zumbindo no chão da floresta”, descreve.
A Opaluma rupaul é muito importante para o ecossistema porque suas larvas reciclam nutrientes de plantas e de animais mortos. E os indivíduos adultos são polinizadores essenciais para a vegetação da Austrália.
Esta é a 50ª espécie que o pesquisador do CSIRO – Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation classifica e nomeia.
Sobre a escolha do nome, Lessard diz que foi uma “decisão óbvia”. Enquanto examinava a espécie, assistia à série RuPaul’s Drag Race, da Netflix. Ele conta que a drag tem uma fantasia de cores metálicas do arco-íris, que lembra a nova mosca, além de suas pernas serem muito compridas. “Espero que ela aprecie o nome”.
Em resposta a Lessard, no Twitter, RuPaul reproduziu o link da reportagem do The Guardian e escreveu: ‘Rainbow colors & legs for days’: Australian fly species named after RuPaul (em tradução livre: “Arco-íris cores e pernas por dias’: espécie de mosca australiana com o nome de RuPaul), marcando o perfil do cientista: BrytheFlyGuy.
Batizar é proteger
“Nomear uma espécie é o primeiro passo para entendê-la e protegê-la. Caso contrário, ela pode ser invisível para a ciência”. E para o público.
Quando batiza um inseto com o nome de uma pessoa famosa, a intenção de Lessard é sensibilizar cientistas cidadãos, conservacionistas e formuladores de políticas públicas para que ajudem a monitorar a vida selvagem e os insetos.
É parte de um esforço nacional para que os cientistas documentem e nomeiem todas as espécies australianas. O entomólogo lembra que documentar espécies nativas torna mais fácil identificar mosquitos exóticos e evitar a possível incursão de novas doenças. E conta:
“Fomos capazes de identificar um novo mosquito exótico este ano, que é vetor do vírus da encefalite japonesa e usamos a impressão de DNA para combiná-lo com uma população de Timor-Leste. Acreditamos que ele pode ter sido soprado pelo vento sobre o mar ou pego carona em navios de transporte. Mas quando detectado pela primeira vez, com Darwin, foi confundido com uma espécie nativa”.
Lessard conta que a Austrália abriga cerca de meio milhão de espécies e que, destas, 70% ainda não foram descobertas. “Na taxa atual de descoberta taxonômica, pode levar mais de 100 anos para documentar todas as espécies desconhecidas da Austrália”.
Mas ele espera que esse processo seja acelerado nos próximos anos, à medida que o valor percebido da taxonomia aumente. Relatório da Deloitte, divulgado em junho deste ano, indica que o benefício de documentar a biodiversidade australiana pode valer entre US $ 3 bilhões e US $ 29 bilhões.
Moscas sobreviventes
Com o tempo, o batismo de insetos com ícones da cultura pop tornou-se comum entre os pesquisadores, o que tem ajudado a dar visibilidade a espécies de invertebrados ameaçados, principalmente pelas mudanças climáticas.
“Há uma nova onda de entomologistas usando a cultura pop para gerar interesse em nossa ciência e no que fazemos, o que é realmente empolgante”, contou ao jornal britânico The Guardian.
Sim, esta é uma ótima forma de chamar a atenção para um bicho pelo qual, em geral, temos asco, e descobrirmos porquê as moscas são importantes. “isso faz com que um maior número de pessoas fale sobre essas espécies que precisam de ajuda, para que possam ser protegidas”, completou Lessard.
O entomologista lembra, por exemplo, que, em geral, durante os esforços de combate e resgate em incêndios florestais, o interesse das pessoas vai para espécies fofas como coalas – verdade! publicamos diversas reportagens sobre eles, na época dos incêndios -, mas elas esquecem dos invertebrados, que são essenciais em nosso ecossistema. “É muito importante que os estudemos, classifiquemos e falemos deles”.
Nove das 13 novas moscas-soldado batizadas por Lessard são de áreas devastadas pelos incêndios florestais de 2019-20 (Black Summer), que destruiram mais de 1,8 milhão de hectares. Duas delas são avistadas apenas no Parque Nacional Lamington, em Queensland, área que perdeu 80% de sua cobertura vegetal.
“Opaluma opulens e Antissella puprasina, foram reconhecidas como espécies ameaçadas de extinção pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza da IUCN (International Union for Conservation of Nature).
“Provavelmente perdemos milhares de espécies que nem conhecíamos durante esses incêndios, pois não foram documentadas. Por isso, é tão importante que nossas espécies nativas recebam essa atenção. E é por isso que quero dar a eles nomes fabulosos, para deixar as pessoas entusiasmadas com essas espécies”.
Fã de besouros e do Pokémon
Bryan Lessard conta que nem todos optam por famosos do mundo pop. Há cientistas que preferem batizar suas espécies de invertebrados favoritas com nomes de personagens de séries de animação japonesas, como o Pokémon (poket monsters), de 1995, por exemplo. O que é muito bacana para popularizar a descoberta e a importância dos insetos junto ao público jovem.
O autor dessa “façanha” é Yun Hsiao, candidato a PhD. Ele ama besouros e também a série de animação japonesa Pokémon. “Ele é um grande fã de Pokémon”, explica o cientista. “Pokémon o inspirou a se tornar um entomologista!”.
Ao perceber que três besouros raros – difíceis de encontrar em áreas remotas da Austrália -, Hsiao não teve dúvida: batizou-os com os nomes de personagens da série – Articuno, Zapdos e Moltres -, também raros e lendários. Ficaram assim: Binburrum articuno, Binburrum zapdos e Binburrum moltres.
Hsiao ainda nomeou um novo gorgulho chato – um caruncho comum em cicadáceas (uma espécie de planta semelhante à palmeira, com tronco bem grosso) – como Digmon, um “insetoide fictício” da mesma série japonesa. O personagem tem o poder de perfurar e manipular a terra, assim como o gorgulho, que pode perfurar troncos rígidos de cicadáceas.
“Nós realmente precisamos encorajar a próxima geração a nos ajudar a nomear, descrever e proteger nossa biodiversidade única na Austrália”, finaliza Lessard.
A taxinomia e os famosos
Em geral, quando fazem descobertas na natureza – pode ser no espaço também -, os cientistas costumam escolher nomes que remetam a alguém que admiram, seja na música, no cinema, na filosofia, na história, na política, mas também pode ser um gênero musical, um livro…
Aqui, no Conexão Planeta, contamos sobre alguns batismos, entre eles, dois realizados por cientistas brasileiros. Em outubro de 2019, cientista britânico escolheu a jovem ativista climática Greta Thunberg para dar nome a um novo besouro: Nelloptodes gretae.
Em dezembro de 2020, a ambientalista e ex-ministra do meio ambiente, Marina Silva, foi escolhida por cientistas do Mato Grosso para batizar uma nova espécie de marsupial: o Marmosops marina.
Um mês antes, uma perereca descoberta em Pernambuco recebeu o sobrenome do cantor Luiz Gonzaga: Pithecopus gonzagai – e ainda um baião criado especialmente pra ela por seu neto (abaixo)
Em março deste ano, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern – uma das personalidades da política mundial mais admiráveis -foi homenageada por cientistas que batizaram uma nova espécie de grilo com seu nome: Hemiandrus jacinda (abaixo).
E eis algumas outras homenagens interessantes: a atriz Marilyn Monroe dá nome a um trilobita (animal pré-histórico do tamanho de um inseto): Norasaphus monroeae, mas não é o único do gênero a receber um nome famoso. Os integrantes da banda de punk rock Ramones também batizam trilobitas, como Mackenziurus joeyi.
A inspiração para nomear um parasita que é grande predador de baratas (injeta veneno mortal em seu cérebro) vem do álbum Master of Muppets, da banda de trash metal, Metálica: Metallichneumon neurospatarchus.
O pesquisador que chamou uma nova espécie de rã de Hyla stingi, era fã do cantor Sting. E o inseto marinho Bishophina mozarti tem seu nome inspirado em Wolfgang Mozart.
Já o caranguejo Agra schwarzeneggeri, ganhou esse nome graças a seus braços fortes, que lembram a época de fisiculturista e do início de carreira de ator de. Arnold Schwarzenegger.
Foto (destaque): montagem com fotos de divulgação (mosca/CSIRO)
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