O ano era 2015. O comerciante catarinense Cleiton Luiz Tamazzia, que gostava muito de correr, queria compartilhar com o primo Rodrigo, cadeirante, o prazer que ele sentia na prática do esporte.
“Fomos criados muito próximos. Desde criança brincávamos juntos, pois nossos pais moravam perto um do outro e ficávamos a maior parte do tempo na casa da minha vó. Sempre tivemos um laço de amizade, praticávamos esporte, pescávamos e na medida do possível, estávamos juntos fazendo qualquer coisa. Um sábado à tarde, recebi uma ligação: alguém dizendo que o Rodrigo tinha sofrido um acidente de motocicleta. Fui na hora para o hospital”, relembra Cleiton.
Em uma luta entre a vida e a morte, Rodrigo passou por uma cirurgia, 15 dias em coma e outros 40 de internamento no hospital. “Felizmente sobreviveu, mas o acidente causou uma lesão na medula, deixando ele tetraplégico”, conta o primo.
Dez anos depois do acidente, Cleiton decidiu levar Rodrigo em uma corrida de rua – os dois aparecem na imagem que abre este post. “Foi muito especial ver o sorriso no rosto dele e ver seus olhos brilhando novamente. Foi pura emoção, tanto para ele quanto para mim. É algo indescritível em palavras”.
Nascia então a semente do Pernas Solidárias, um projeto de inclusão social, em Joinvile, Santa Catarina, que permite que pessoas com deficiências, como cadeirantes, cegos e também, portadores de síndrome de Down, possam fazer parte de corridas da rua, em triciclos, através da generosidade e ajuda de corredores/condutores.
O Conexão Planeta entrevistou Cleiton Tamazzia para que ele contasse mais sobre esta iniciativa linda. Não há como não se emocionar com o projeto e o tamanho do coração desse catarinense.
Como surgiu a ideia para o Pernas Solidárias?
O projeto nasceu em outubro de 2015, com a primeira prova, com uma cadeira de rodas de alumínio mesmo, com o meu primo. Lá eu percebi a alegria dele e começou a brotar no meu coração a ideia de passar isso para outras pessoas. Senti que elas poderiam ser beneficiadas de maneira igual. O que era pra ser uma simples diversão entre dois primos, acabou se tornando o Pernas Solidárias.
Como você se sente ao proporcionar uma experiência nova para pessoas com deficiência?
A sensação é indescritível. É muito gratificante e emocionante. É uma das melhores sensações que eu já tive na vida. É um misto de liberdade, amor, alegria e companheirismo – de estar junto, de fazer um pelo outro. Teve um prova inédita, que foi a primeira vez que alguém correu e subiu a Serra do Rio do Rastro empurrando um cadeirante. Eu estava com o Jonas e treinamos seis meses para realizar a prova.
Você acha que essas experiências mudam a expectativas dessas pessoas?
Sim… Tem história de pais correndo com filhos, de mãe que era sedentária e agora se exercita com o filho. É um momento muito especial para todas essas pessoas. Para os cadeirantes, tem o vento no rosto, a adrenalina, como se eles estivessem correndo com as próprias pernas. Mas vou te falar uma coisa: essas experiências mudam a vida delas – que se sentem incluídas, amadas -, mas principalmente a nossa. A gente começa a ver a vida sob uma perspectiva diferente, a repensar algumas coisas. Porque correr com um cadeirante faz você se sentir “na pele” dele também. Percebe todas as limitações que eles enfrentam e é tanta coisa que a gente precisa dar valor e esquece de dar no dia a dia.
Podem participar corredores de todas as idades?
Poder, pode, mas a gente gosta de ter cadeirantes que consigam ter o mínimo de entendimento da experiência, ou seja, uma idade mínima de uns 3 anos. Não é uma regra. Já teve pai correndo com criança de 2 anos. Eu sempre recomendo aos corredores que pensem que o triciclo é um carrinho de bebê: é preciso ter todo cuidado e zelo. Já houve também alguns participantes mais idosos e ver o sorriso no rosto deles é algo muito único.
O triciclo é o ideal para a corrida? Ele é muito caro?
Esse modelo de triciclo eu encontrei pesquisando na internet, procurando algo que fosse melhor do que uma cadeira de rodas. Originalmente, ele é um triciclo de passeio, mas adaptamos ele ao mundo das corridas e percebemos que era perfeito. Só em Santa Catarina, já temos mais de 120 triciclos para as provas. O custo médio de cada um é de R$ 1,3 mil, mais o frete cobrado pela empresa para a entrega.
Cleiton, de azul, agachado, em meio às crianças cadeirantes
Quantas pessoas fazem parte atualmente do Pernas Solidárias em Joinvile?
Tenho aproximadamente uns 400 corredores na lista de esperar para poderem participar das provas aqui. Mas sempre digo que antes das pernas, o condutor precisa ter um coração porque ele não vai correr por ele, mas pelo cadeirante. É preciso ter sensibilidade durante a prova para perceber quem está no triciclo está bem e aproveitando a experiência.
Hoje o Pernas Solidárias já acontece em outras cidades brasileiras?
Sim, ele existe em mais de 25 cidades do país. Também já recebi contato de Portugal e dos Estados Unidos com pessoas interessadas em replicar a iniciativa lá. Meu intuito maior é ser suporte e auxílio para que se monte o Pernas Solidárias em outras cidades. A única coisa que peço é que o nome usado for o mesmo, que se respeite a fonte e a cor do logo para ter uma padrão, para manter a identidade.
Qual é o gasto com a inclusão dos cadeirantes nas provas?
Aqui em Santa Catarina, a maioria das inscrições dos cadeirantes nas corridas é cortesia, mas os condutores pagam normalmente. Entretanto, algumas vezes, o condutor acabou não dando o dinheiro e precisei tirar do meu bolso.
Como as pessoas podem ajudar o Pernas Solidárias?
Vamos precisar renovar a frota dos triciclos em breve, porque alguns já rodam há três anos e estão bem desgastados. Vamos reformá-los e doar para cadeirantes. Como o projeto não conta com o apoio financeiro de nenhuma empresa, as pessoas que quiserem ajudar podem doar triciclos ou comprar as camisetas do Pernas Solidárias. Para isso, basta entrar em contato pelas páginas do projeto no Facebook ou no Instagram.
Fotos: divulgação Pernas Solidárias/ Rodrigo Phillips (Cleiton e o primo Rodrigo) e @karinazanellafotografia