
Hoje (4), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022 – mais conhecida como a PEC das Praias -, voltou à pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, como contamos aqui. Mas, pouco tempo depois de iniciada a sessão, a votação foi adiada após pedido de vista coletivo feito pelos senadores Eliziane Gama (PSB/MA), coordenadora da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, Rogério Carvalho (PT/SE), Zenaide Maia (PSB/RN), Fabiano Contarato (PT/ES) e Alessandro Vieira (MDB/RS).
(Pedido de vista é uma “ferramenta” usada por parlamentares para suspender temporariamente (de uma semana a três meses) a discussão de uma proposta em uma comissão, para que se possa analisar melhor o seu conteúdo)
Aproveite para se engajar na campanha contra mais este ataque ao meio ambiente e ao povo brasileiro: compartilhe noticias, posts de ativistas e vote NÃO na consulta pública [às 17h21, o placar estava assim: 161.734 (não) X 2.338 (sim)].
O adiamento da votação é uma pequena vitória, que deve ser bem aproveitada por movimentos sociais, organizações ambientais e todos que são contrários à PEC das Praias para ampliar a mobilização e aprofundar seu engajamento. Isso é fundamental para derrubar mais este ataque.
A proposta 03/2022 transfere a propriedade dos chamados “terrenos de marinha” – área do litoral brasileiro hoje sob domínio da União, que não tem nada a ver com a Marinha -, para estados, municípios e proprietários privados. Além de fragilizar a proteção ambiental – de restingas, mangues etc -, a PEC pode levar à privatização das praias brasileiras, limitando o acesso à faixa de areia.
E aqui cabe uma explicação: se aprovada a emenda, essas áreas ficariam à mercê do destino dado por seus proprietários que poderiam erguer condomínios ou resorts, que, por sua estrutura, impediriam o acesso público.
Adiamento e mobilização
“Tivemos uma vitória, pelo menos o retardo da aprovação da discussão dessa matéria por uma semana a partir do pedido de vista”, celebrou a senadora Liziane Gama, em conversa com Rodrigo Cebrian, da ONG Euceano na saída da sessão na CCJ.
“O relator da PEC 03/2022 tentou mitigar, até fez um copia/cola de uma determinação legal que a gente tem no Brasil que é o acesso às praias, mas a gente sabe que isso não retira o essencial dessa PEC que é dificultar o acesso às praias”.
E completou: “Quando a gente diz que é uma privatização, acaba privatizando de uma forma indireta. Se você constrói um grande resort, por exemplo, você impede o acesso de turistas, de pescadores… E isso é inconstitucional! Isso a gente não pode admitir, que é o impedimento do livre acesso e o direito de ir e vir, isso acaba sendo prejudicado nessa norma, que poderá ser criada pelo Congresso Nacional”.
A senadora também destacou a importância da mobilização da sociedade brasileira, dos movimentos sociais, dos grupos ambientalistas durante a semana (o Senado resgatou a PEC na calada da noite de sexta-feira passada).
“[Esse engajamento] é fundamental para que a gente possa ecoar dentro do Congresso Nacional e ter muito mais parlamentares que possam juntamente conosco impedir a aprovação dessa PEC aqui no Senado e, também, na Câmara dos Deputados”.
Ao ser lembrada por Cebrian de que, em muitos países, os terrenos de marinha são muito maiores e que, com a crise climática, muitos deles decidiram aumentar essa faixa, Liziane comentou:
“Olha! O que a gente vivenciou agora no Rio Grande do Sul, por exemplo, poderia ter sido muito pior. Se quando ocorreu a tragédia, já tivéssemos essa PEC aprovada, talvez o impacto seria ainda pior do que o que vivenciamos. Foi catastrófico, o Brasil todo se mobilizou já por conta de vários impactos ambientais que a gente tem sofrido por outras medidas. Sem dúvida, a gente está indo na contramão, esta PEC é um retrocesso, e a gente precisa avançar, ampliar e buscar mecanismos inclusive para a proteção ambiental”.
E finalizou: “Eu acho que a sensibilidade e o sentimento começa a tomar corpo ainda muito mais forte e eu acredito que essa força tarefa, essa unidade que nós estamos vendo na sociedade brasileira, é um elemento muito fundamental para a gente conseguir parar, brecar a aprovação [da PEC], aqui, no Congresso Nacional”.
Boa fé?
Seus defensores afirmam que sua preocupação é eliminar taxas pagas à União por quem ocupa essas áreas, além de regularizar terrenos “adquiridos de boa-fé” por particulares e de dar maior poder a estados e municípios para que possam regularizar o uso desses espaços. Ou seja, não pensaram no bem-comum.
Em julho, Flávio Bolsonaro (PL/RJ), relator do projeto, alterou o texto incluindo informações que já constam da lei para rebater a questão da privatização. “A forma como se encontram hoje as praias, o seu regime jurídico, o seu tratamento para a Constituição e para a legislação não mudarão”, declarou. Eis o trecho:
“As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica, não sendo permitida qualquer forma de utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso da população às praias, nos termos do plano diretor dos respectivos municípios”.
Isenção do laudêmio
À Agência Brasil, o senador Rogério Carvalho (PT/SE) destacou que, hoje, a Constituição não estabelece requisitos para as pessoas terem acesso à praia e que, na PEC, o relator condiciona esse acesso ao Plano Diretor dos municípios, “o que pode ser ou não pode ser acesso livre. Portanto, ela piora o projeto de lei”.

Foto: Geraldo Magela / Agência Senado
Carvalho também criticou a isenção da taxa do laudêmio, imposto pago quando há venda e compra de imóveis em áreas que pertencem à União, no caso dos empresários que têm extensas áreas no litoral brasileiro.
“Os ricos que mais têm terreno de marinha fazendo especulação imobiliária ficam livres de pagar o laudêmio. Aqueles que têm um imóvel e moram em cidades costeiras nós somos favoráveis a que seja isento e receba este imóvel. Agora, o setor empresarial que tem milhares de metros quadrados à beira-mar, não!”, destacou ele.
Terrenos de marinha são aqueles localizados na faixa de 33 metros a partir da linha média da maré alta demarcada em 1831, ano em que os foros e os laudêmios começaram a ser incluídos no Orçamento da União.
Preocupação ambiental
A fim de amenizar preocupações com o meio ambiente em relação ao projeto, o relator propôs a criação de um fundo com o dinheiro oriundo das transferências onerosas ainda previstas em casos de transferência da propriedade desses terrenos. Essas verbas seriam “destinadas a um fundo nacional para investimentos em serviços de distribuição de água potável e saneamento básico nas regiões de praias, marítimas ou fluviais no território nacional”.
Para Rogério Carvalho, o fundo é como um remendo e a preocupação ambiental em relação à PEC permanece. “Sem considerar o momento que nós vivemos do ponto de vista climático, ampliando a possibilidade de ocupação das áreas costeiras sem nenhum tipo de estudo. O Brasil tem oito mil quilômetros de área costeira. O Ministério de Gestão e Inovação está fazendo um estudo para poder apresentar e dar consistência a qualquer definição responsável sobre este tema e não para atender interesses específicos”.
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Foto: Cleferson Comarela / Wikimedia Commons
Com informações da Agência Brasil e da Euceano