Criado em 2006 pela Indianapolis Zoological Society, a cada dois anos o Prêmio Indianápolis reconhece pesquisadores de várias partes do mundo por suas “contribuições extraordinárias aos esforços de conservação”, que alcançaram grandes vitórias no avanço da sustentabilidade de uma espécie animal ou de um grupo de espécies.
Para concorrer ao prêmio de 2023, o júri selecionou 51 lideranças da conservação da vida selvagem de 26 países, de quatro continentes.
A lista foi divulgada em 18 de outubro, no site do Zoológico de Indianápolis, e, pela primeira vez, inclui o Brasil com as indicações de Patrícia Medici, uma das maiores especialistas em antas do mundo, e Flávia Miranda, especialista em tamanduás, tatus e preguiças.
“Os indicados representam os conservacionistas mais talentosos, dedicados a proteger e preservar espécies animais. É uma honra destacar seu trabalho incrível por meio do prêmio”, declarou Rob Shumaker, presidente e CEO do zoológico.
Para ele, o prêmio é uma forma de elevar “uma mensagem de esperança para o nosso planeta” e de destacar “histórias de pessoas cujo trabalho não apenas salva espécies, mas garante um futuro sustentável para as próximas gerações”. Para as presentes gerações também.
O prêmio contempla seis finalistas (entre os quais, estará o vencedor) selecionados por um grupo de renomados especialistas em conservação de todo o mundo, que já contou com nomes como E.O. Wilson, John Terborgh, Peter Raven e Stuart Pimm.
O vencedor recebe US$ 250 mil (ou R$ 1.336.325) e cada um dos demais finalistas US$ 50 mil (ou R$ 267.285). Até hoje, o Prêmio Indianápolis distribuiu mais de US$ 5 milhões, no total.
A cerimônia de entrega dos prêmios será em 30 de setembro de 2023.
Entre as 51 lideranças mais talentosas
Para a pesquisadora Patrícia Medici, sua indicação ao Prêmio Indianápolis representa o reconhecimento dos esforços que tem realizado junto ao IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, com a INCAB -Iniciativa Nacional de Conservação da Anta Brasileira.
“Essa premiação traria uma contribuição financeira significativa e respaldo institucional imenso. Nos permitiria realizar atividades importantes, particularmente na Amazônia”.
Para Flavia, “a indicação foi uma grande conquista de um trabalho de mais de vinte anos. Eu não tinha ideia da dimensão desse prêmio e realmente estou muito orgulhosa. E todos nós temos que estar orgulhosos por termos duas brasileiras, duas mulheres como finalistas, além de tantos latinos também”.
Na lista do prêmio, há representantes de sete países da América Latina: Brasil, Argentina, México, Equador, Bolívia, Venezuela e Guatemala.
“Eu achei muito interessante que a minha nomeação para esse prêmio foi por eu ter criado a ONG Instituto Tamanduá e também devido ao trabalho de descrição das espécies que fazemos, tanto pelas seis espécies de tamanduá, como pela descrição da preguiça-de-coleira”.
“Isso é muito legal porque é o reconhecimento de uma área que ainda não tem visibilidade e que tinha que ter – a taxonomia sistemática – que me coloca numa posição de uma ‘naturalista do século XXI’, como eles descreveram no e-mail que enviaram pra mim”.
“A gente mora num país que tem uma das maiores biodiversidades do mundo, grande parte a ser descrita, ainda. E eu tiquei feliz com o reconhecimento dessa área, porque realmente não tem como trabalhar com conservação se a gente não sabe qual é a unidade evolutiva, se é uma nova espécie ou não…”.
Muito animada, Flavia ainda destaca a importância de Patrícia e ela estarem entre as 51 lideranças da conservação selecionadas pelo júri do Prêmio Indianápolis, também para tornar as espécies com as quais trabalham mais conhecidas.
“Quando a gente fala de um Xenarthra, por exemplo, está falando de um dos mamíferos mais antigos do mundo, do mais antigo da América Latina, que tem cerca de 65 milhões de anos, e é exclusivo daqui! Esses animais são muito importantes pra nós e contam a história evolutiva da nossa região, do nosso continente”.
E finaliza: “Por isso, eu me sinto muito patriota nesse sentido, de estar trabalhando com uma espécie que é latina, de estar representando o Brasil, mas não só! De estar representando a América Latina também. Por ser latina!”.
O amor pelas antas
Há 24 anos a incansável pesquisadora Patrícia Medici lidera ações de conservação da anta brasileira e de seu habitat, por meio da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, que ajudou a criar no IPÊ, do qual é cofundadora.
O estudo aprofundado dessa espécie – que é o maior mamífero da América do Sul – não estaria tão avançado sem suas contribuições, que são uma enorme inspiração para estudantes e pesquisadores do Brasil e de diversos países. Seu trabalho deu origem ao maior banco de dados sobre a espécie no mundo.
Sua rotina inclui pesquisa de campo, práticas de conservação, educação ambiental, comunicação, treinamento e capacitação, como também o desenvolvimento de planos para redução de ameaças e políticas públicas que beneficiam a espécie e seus habitats.
E, por isso, os resultados do trabalho de Patrícia, que é formada em engenharia florestal, têm impactado positivamente não só a vida das antas como também de outras espécies animais e vegetais e seres humanos em vários biomas como Mata Atlântica, Pantanal e Cerrado. Com um detalhe: com o prêmio da Witley Fund for Nature, que ela ganhou em abril de 2020, seu trabalho pode se estender à Amazônia também.
“Ao estudar e defender a causa da conservação da anta brasileira, estamos defendendo também as nossas próprias vidas, nossos recursos naturais e nossa saúde”, explica a pesquisadora.
“Considerada a jardineira das florestas, a anta promove a renovação desses ambientes através da dispersão de sementes. Diversas espécies de plantas somente existem porque suas sementes passam pelo trato digestivo da anta. A anta ‘brinca’ com a composição e a diversidade da floresta e é responsável pela formação e manutenção da integridade desses ambientes”, afirma.
O talento para identificar espécies
“Líder nos esforços de conservação de tamanduás, tatus e preguiças, Flávia Miranda descobriu seis novas espécies de tamanduaí e é responsável pela criação de políticas públicas de conservação em vários países da América do Sul”.
Assim o Prêmio Indianópolis apresenta a médica veterinária que cresceu cercada pela natureza, em Campo Grande e é professora da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, na Bahia.
Referência mundial em estudos e conservação dos xenarthras – tatus, tamanduás e preguiças – Flávia orienta grupos de especialistas da Comissão de Sobrevivência de Espécies (SSC), da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN.
Em 2005, Flavia fundou o Instituto Tamanduá, dedicado à pesquisa, gestão e conservação.
Acompanhada por uma equipe multidisciplinar, em 2017 a pesquisadora catalogou seis espécies diferentes de tamanduaí (Cyclopes didactylus), a menor e mais rara espécie de tamanduá do mundo, que vive nas florestas tropicais do continente americano, mede cerca de 15 centímetros e pesa até 250 gramas.
Até então, apenas uma espécie havia sido descrita pelo naturalista sueco Carl Nilsson Linnaeus (o pai da taxonomia), em 1758.
Sua equipe é a primeira do mundo a trabalhar exclusivamente com essa espécie no Delta do Parnaíba, entre o Maranhão e o Piauí (como contamos aqui e aqui).
Fotos (destaque): Liana John (retrato de Patrícia Medici) e arquivo pessoal (Flávia Miranda)